Fernanda Cruz e Miguel Cela
“Agenda das mudanças climáticas requer urgência na implementação de ações concretas para a melhoria da qualidade de vida das pessoas”
No mês em que celebramos o dia do Meio Ambiente, convidamos Alexandre Pires, Diretor do Departamento de Combate à Desertificação do MMA, para conversar sobre os caminhos para o enfrentamento à desertificação.

Pela primeira vez em seis anos foi registrada redução no desmatamento em todo o Brasil. O pantanal é o bioma com maior percentual de queda, 58,6%. Na Caatinga, a redução foi de 13,4% e no país, de 30%. O dado é do Relatório Anual de Desmatamento no Brasil de 2024, do MapBiomas. Mesmo com os desafios encontrados na agenda global sobre o meio ambiente e clima, devemos celebrar e reconhecer os avanços conquistados.
Conversamos com Alexandre Pires, Diretor do Departamento de Combate à Desertificação do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Ele nos conta sobre as ações para o combate à desertificação que o Ministério tem desenvolvido e aponta para questões sobre o futuro das políticas, que dependem de regulamentação e orçamento para serem realizadas.
Para o diretor, é importante que o setor econômico e empresarial compreenda que “a proteção do meio ambiente é uma proteção para uma perspectiva econômica”, uma vez que “os seus próprios negócios estão ameaçados se não protegerem o meio ambiente”. Exemplo disso é a instalação de usinas de produção de energia eólica e solar no Semiárido que reproduzem o modelo dos grandes reservatórios e da concentração de água.
É importante, portanto, olhar para os aprendizados da sociedade civil organizada, das comunidades tradicionais, dos povos indígenas e quilombolas para a construção de modelos mais justos e adaptados à realidade da população. Alexandre cita o exemplo do Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), que “ensinou ao próprio Estado brasileiro que investir em tecnologia simples com a participação da sociedade e com uma forma mais descentralizada de captação de água poderia ajudar muito a gente avançar em contraposição à ideia dos grandes açudes, das grandes barragens que concentram a água”.
Democratizar o acesso à água e à energia são lutas das populações do Semiárido e de todo o país. Há 25 anos a ASA luta para a universalização da água e, mais recentemente, vem construindo o Programa Um Milhão de Tetos Solares, para garantir energia renovável de forma sustentável e em diálogo com as populações. Confira a entrevista completa.
ASACom — Mais um dia do Meio Ambiente e também o dia do Combate à desertificação se aproximam e, nesse mesmo momento, estamos às voltas com o PL da Devastação. Existe algo a celebrar? O que podemos refletir diante desse contexto?
Alexandre Pires — Nós temos que celebrar sim. Acho que como a ministra Marina fala, nós precisamos reconhecer que apesar das ameaças e contexto de retrocesso, como é a aprovação desse PL da Devastação no Senado, a gente tem avançado nas pautas ambientais no Brasil. Exemplo disso é a redução do desmatamento de um modo geral em todos os biomas brasileiros — e aí celebrar a redução do desmatamento na Amazônia, considerando o papel e a importância que a Amazônia tem no contexto global de equilíbrio ambiental e climático —, mas isso é uma conquista e acho que ela é importante, é fruto da política pública, é fruto da ação do Governo Federal com os governos dos estados, de buscar as condições para que a gente possa celebrar isso.
Mas além disso, a gente tem que celebrar também o avanço na elaboração dos Planos de Adaptação e de Mitigação das Mudanças Climáticas, o Plano Clima. É importante a gente celebrar a elaboração do Plano de Ação Brasileiro de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAB Brasil) e de uma aliança que o Governo Federal está fazendo com os governos dos estados para elaboração do dos seus Planos Estaduais.
Eu acho que a gente tem como, de alguma forma, celebrar também o avanço e o crescimento do Fundo Amazônia, que tem todo um recorte importante de recursos para proteger a floresta e, obviamente, parte desses recursos serem aplicados em processos de monitoramento e planejamento em outros biomas brasileiros.
A gente pode celebrar também o fato do Brasil se colocar nesse lugar e receber a COP 30 [30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, UNFCCC]. E receber a COP 30 do clima com uma estratégia bem definida, que é uma estratégia de pensar o como implementar ações concretas para enfrentar o contexto das mudanças climáticas.
É celebrar com atenção. É celebrar reconhecendo que o tempo inteiro nós estamos sendo ameaçados pelos interesses econômicos ou de setores econômicos, pelos interesses de setores conservadores dentro da política brasileira que, infelizmente, ainda não conseguiram perceber que os seus próprios negócios estão ameaçados se não protegerem o meio ambiente. Que o próprio negócio, do ponto de vista econômico, está fadado a um fracasso se a gente continuar nesse formato de não avançar na redução dos impactos ambientais na agricultura, na vida das pessoas de um modo geral. Ou seja, a gente reconhecer que tem como celebrar, mas ao mesmo tempo tem que estar atento. Atento a essas ameaças que, ainda chegam rondando essa agenda ambiental.
A gente precisa que as pessoas — e sobretudo o setor econômico, empresarial — compreendam que a proteção da natureza, a proteção do meio ambiente, ela é uma proteção para uma perspectiva econômica. Ela é uma proteção para a vida das pessoas que dependem diretamente dos recursos naturais, da água, da floresta, mas todo mundo depende.
Mas para além dessa perspectiva, a economia do país depende do equilíbrio ambiental. Ou seja, se não tem água, porque os rios estão sendo todos devastados, as fontes hídricas estão sendo todas destruídas, contaminadas, não vai ter água para ninguém, não vai ter água para a população, mas também não vai ter água para produção.
A proteção do meio ambiente é para a vida das pessoas que dependem diretamente dos recursos naturais, da água, da floresta, e todo mundo depende.
Se a gente continuar degradando os solos que nós temos para atividade agropecuária, nós não vamos ter produção agropecuária porque os solos vão estar degradados. Se a gente não tem floresta em pé, Caatinga, Cerrado, Amazônia, Mata Atlântica, Pantanal e Pampas em pé, nós não vamos ter equilíbrio ambiental e o aquecimento do planeta vai gerar eventos climáticos extremos que vão afetar a atividade produtiva agropecuária e de tudo mais.
Então se não houver equilíbrio na atividade econômica industrial associada a essa perspectiva do conceito de desenvolvimento sustentável, associado à questão ambiental, nós vamos perder de um modo geral, todo mundo perde. E essa consciência ainda não tá marcada na cabeça do setor empresarial brasileiro, que ainda é muito conservador.
ASACom — Olhando os dados do Relatório Anual de Desmatamento no Brasil de 2024, do MapBiomas, que foi lançado no dia 15 de maio, ele fala que, desde 2019, a maioria dos desmatamentos associados aos empreendimentos de energia renovável estão dentro da Caatinga. 93% desse número. Qual a sua leitura sobre o desenvolvimento sustentável a partir dessas energias?
Alexandre Pires — Olha, isso é um grande contrassenso. É uma grande contradição que a gente vive dentro do governo e na sociedade brasileira de um modo geral.
A defesa da das energias renováveis, da energia solar, da energia eólica, talvez seja um dos pontos de grande contradição dessa transformação ecológica da produção de energia sustentável que a gente tem no Brasil. Porque a forma de produzir é importante e sempre foi uma defesa dos setores ambientais, das organizações ambientalistas e da sociedade, mas a forma como as empresas estão implementando os parques reproduz uma lógica de concentração de terras, do latifúndio, que a gente sempre teve e sempre combateu em grande medida.
Ao invés de pensar como a gente aprendeu, por exemplo, com o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), que era com tecnologia simples, compartilhada e dispersa, esse modelo implementado pelas empresas eólicas e de energia solar, reproduz a ideia dos grandes reservatórios, dos grandes açudes.
Ao invés da gente pensar em formatos com a maior participação da sociedade, das comunidades, com mini usinas de produção de energia com um envolvimento maior das comunidades, a gente tem um setor empresarial, sobretudo de capital estrangeiro, investindo nesses territórios.
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E obviamente que para nós, do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, no Departamento de Combate à Desertificação, essa forma é extremamente danosa ao nosso interesse de proteção do meio ambiente e de proteção da vida das pessoas que vivem no território da Caatinga. Então, ao mesmo tempo que a gente pode celebrar e o governo celebra a mudança da matriz energética com mais energia produzida de forma sustentável, de fontes sustentáveis — como é o caso do sol e do vento —, ainda não está na conta do governo e acredito que a gente vai precisar fazer essa reflexão de autocrítica, de qual foi o impacto socioambiental causado por esse modelo. Quantas famílias e comunidades foram desterritorializadas para que esses parques de energia solar ou parques de energia eólica fossem instalados? Quantos hectares e hectares de Caatinga não foram desmatados, destruídos para poder instalá-los?
A forma de produzir é importante e sempre foi uma defesa dos setores ambientais, das organizações ambientalistas e da sociedade, mas a forma de implementação dos parques [de energias eólica e solar] reproduz uma lógica de concentração de terras, do latifúndio.
Há uma contradição. No momento em que a gente pensa a necessidade da produção de fontes sustentáveis de energia, eu destruo a própria natureza para isso. Isso para gente tem sido um dilema olhando, sobretudo, para nossa área do Departamento de Combate à Desertificação, considerando que a Caatinga, no Semiárido, é o território mais impactado por esses parques de energia num ecossistema já muito fragilizado em função do contexto de secas, da degradação da terra e do próprio desmatamento da Caatinga.
Ao mesmo tempo, a gente tem que entender que a falta de regulamentação dessa atividade por parte do Congresso Nacional é corresponsável por isso. Porque se a gente tivesse uma regulamentação que olhasse para essas várias perspectivas que nós estamos falando aqui, talvez a gente tivesse um impacto menor do que o que está sendo causado.
É importante também colocar na conta do Legislativo nacional essa ausência de uma regulamentação que proteja o meio ambiente e as pessoas na mesma medida em que possa produzir energias de fontes renováveis.
ASACom — O MMA tem trabalhado com a Campanha Terra, Floresta, Água no último ano. Um movimento que busca conscientizar a sociedade e fortalecer os povos que cuidam das nossas florestas como ponto chave para o combate à desertificação. Que novidades podemos esperar em relação a esse tema, que acaba sendo também um processo educativo e que tem mobilizado todo o Brasil sobre o tema da desertificação?
Alexandre Pires — Temos uma estimativa de que, nos primeiros 6 meses da campanha, nós conseguimos chegar a algo em torno de 16 milhões de pessoas acessando os conteúdos: os vídeos documentários, as produções que a gente circulou nas redes sociais e no site do próprio Ministério do Meio Ambiente. O que é algo bastante positivo. E a campanha tem, de fato, esse caráter educativo, de levar informações para as pessoas, para as pessoas entenderem do que é que se trata, quais são as causas e consequências do processo de desertificação. Mas tem um passo que eu avalio que ela ainda não conseguiu alcançar, que é de fazer com que a agenda da desertificação seja reconhecida e conhecida — primeiro, conhecida e, depois, reconhecida — pela sociedade e pelos governos.
Há um certo desconhecimento generalizado, tanto no âmbito do governo federal, quanto no âmbito dos governos subnacionais — governos estaduais e municipais —, da existência de um compromisso do Brasil com a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD), com a existência de uma Política Nacional, que é a Lei Nº 13.153/2015, que é uma lei que cria a Política Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca.
Então, se você não conhece a existência desses instrumentos e desses compromissos, dificilmente você pode pensar em fazer alguma coisa que trate do tema, que ajude as pessoas a tratarem do tema. Então, pra gente a campanha tem servido com esse objetivo, desse caráter educativo, mas também de trazer outros atores, outros sujeitos para essa agenda, reconhecendo a existência dela.
Por outro aspecto, eu acho que é importante a gente destacar que nós queremos discutir o processo de desertificação, o enfrentamento à desertificação e à seca, valorizando três dimensões da vida, que é a terra, que é a floresta e que é a água. Sem uma dessas três perspectivas, a gente dificilmente consegue manter a vida no planeta. É na terra que a gente produz, é da água e é da floresta que a gente depende.
Se você não conhece a existência dos instrumentos e compromissos, dificilmente você pode pensar em fazer alguma coisa que trate do tema, que ajude as pessoas a tratarem do tema da desertificação.
Mas a gente também tem uma concepção da campanha de que é uma grande oportunidade de mostrar as experiências exitosas de convivência com o Semiárido como estratégias do combate à desertificação e enfrentamento às secas. Ou seja, discutir o combate à desertificação à luz de uma experiência positiva e concreta experimentada por décadas com milhares de bons exemplos que a gente tem no Semiárido, que são as formas como as populações desse território foram aprendendo, ao longo do tempo, no contexto da convivência com o Semiárido.
Imagino, inclusive, que a campanha pode ser um grande elo de articulação entre essas experiências no Semiárido brasileiro e em outros territórios nacionais e internacionais. O que que eu quero dizer com isso? Que os vídeos documentários, aquilo que a gente está produzindo coletivamente para a campanha, pode servir para que outras regiões do Brasil, que têm enfrentado o processo de degradação da terra e que têm enfrentado contextos de seca extrema, como é o caso da região Norte e da região Centro-Oeste, sobretudo no Pantanal, possam perceber que existe no território do Semiárido, na Caatinga, um legado e uma grande contribuição que pode ser exemplo e pode ser seguido, obviamente adaptando às realidades desses outros territórios, dentro desse conceito geral de convivência com Semiárido.
Um dos grandes exemplos é o Programa Cisternas. As cisternas já não são mais uma tecnologia somente para o Semiárido brasileiro. Elas têm sido implementadas pelo governo federal em parceria com organizações da sociedade civil em outros territórios, em outras regiões e com outros governos. Porque é resultado de uma política de adaptação às mudanças climáticas muito eficiente.
A campanha tem um desafio que é gerar esse processo formativo e educativo na sociedade de um modo geral, gerar um conhecimento dessa agenda no âmbito dos governos para poder se tomar decisões a respeito e ao mesmo tempo ser uma oportunidade de que outras regiões, outros biomas, outras populações conheçam essas experiências e os resultados positivos de adaptação e mitigação aos efeitos da seca, de enfrentamento da desertificação, da degradação da terra no Semiárido.
ASACom — O Redeser é um projeto que une diversos atores e tem movimentado diversos territórios do Semiárido a partir das práticas agroflorestais e da conservação da biodiversidade. Que elementos você destacaria a partir dessa ação? Existem dados que podem ser compartilhados nesse momento?
Alexandre Pires — O projeto Redeser é um projeto de acordo de doação de recursos do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) ao governo brasileiro através do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) é a organização implementadora do projeto.
Nós temos várias cartas de acordo sendo implementadas que trabalham com as questões da gestão integrada dos recursos naturais, dos planos de manejo florestal sustentável, sobretudo da Caatinga, do trabalho de apicultura e meliponicultura como uma estratégia de conservação da biodiversidade e do apoio às iniciativas de reflorestamento com a implementação de sistemas agroflorestais para restauração e recuperação de solos degradados.
Então, o Redeser tem um conjunto de estratégias bastante importantes para a agenda do combate à desertificação. Ele atua em cinco territórios: a região do Sertão do São Francisco (BA), de Xingó (AL), do Araripe (CE) e do Seridó (PB/RN).
No entanto, o projeto encerra-se esse ano (2025) e nós estamos nesse momento de compilar e sistematizar os dados de quantos hectares conseguimos elaborar planos de manejo florestal sustentável para que sejam implementados pelos proprietários, pelos governos dos estados e, obviamente, pelo Governo Federal através do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que também tem planos de manejo nos assentamentos de Reforma Agrária. Ainda não temos um dado preciso do impacto do projeto Redeser ao longo desse período de implementação, mas certamente vai ser um projeto com dados a serem tomados como referência para outras iniciativas do governo brasileiro e outros governos.
É importante a gente destacar uma carta de acordo que a gente tem com a Associação Programa Um Milhão de Cisternas para o Semiárido [AP1MC, organização que gerencia projetos da ASA], para fazer um levantamento e um balanço da rede de casas comunitárias de sementes crioulas, como uma estratégia para que a gente possa incorporar as sementes nativas da Caatinga dentro dessas casas comunitárias de sementes e, com isso, conseguir ter uma base de recursos genéticos da Caatinga para os projetos de restauração demandados seja pelo setor privado, seja por projetos apoiados pelo Governo Federal e iniciativas de compensação ambiental. Mas precisamos ter essa fonte de recursos genéticos que hoje é um dos problemas que se tem quando se fala de restauração do Bioma Caatinga: a disponibilidade de sementes para os projetos de restauração.
ASACom — Seria a construção de um banco de sementes maior para essa restauração?
Alexandre Pires — Na verdade, é aproveitar a estrutura dos bancos comunitários de sementes que já existem e incorporar nesses bancos, nessa estrutura física que já existe, as sementes nativas da Caatinga. Essa é a ideia.
Queremos incorporar as sementes nativas da Caatinga dentro das casas comunitárias de sementes e, com isso, ter uma base de recursos genéticos para os projetos de restauração.
E aí a gente vai poder ter um mapa que vai dizer assim: olha, nessa rede casas de sementes aqui do Semiárido, além de ter sementes crioulas, sementes agrícolas, nós também temos sementes nativas de Baraúna, Umburana, Angico, Pau d’Arco e tantas outras plantas nativas que são importantes para o nosso bioma.
ASACom — Como vocês têm pensado no envolvimento das comunidades nos processos de restauração dos biomas?
Alexandre Pires — Nós estamos desenhando um programa chamado Recaatingar. Esse programa se baseia no conceito desenvolvido pelo Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa), que é uma das organizações membras da ASA no Estado da Bahia, que vem trabalhando com as comunidades locais. Essa é uma metodologia de recaatingamento, que não é só uma questão de restaurar a vegetação, mas é também socioambiental, de envolvimento da comunidade no processo de restauração.
O Recaatingar está sendo desenhado como uma estratégia de resultado do projeto Redeser para a política pública brasileira e o nosso objetivo é que a implementação do programa Recaatingar tenha as comunidades locais de agricultores familiares, indígenas, comunidades quilombolas, comunidades extrativistas, comunidades de fundo e fecho de pasto, comunidades ribeirinhas, como os principais aliados no processo de recaatingamento.
Há uma estimativa indicada pelo Observatório da Caatinga e da Desertificação, que é um pool de organizações de pesquisa do território do Semiárido, que nos deu uma informação de que atualmente entre a categoria severa e grave, nós temos cerca de 200.000 km² de terras degradadas na Caatinga. Isso significa dizer aproximadamente um quarto das terras do bioma. Isso significa dizer 20 milhões de hectares de terras degradadas, seja numa categoria grave ou na categoria severa.
Nós entendemos que não interessa a ninguém, principalmente às comunidades locais, que essas terras se mantenham nesse contexto de degradação. Contar com o apoio dessas comunidades para restaurar essas terras, ressignificando a importância ou mobilizando elas num processo como o exemplo que eu trago, mais uma vez, do Programa Um Milhão de Cisternas — do Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido: Um Milhão de Cisternas Rurais, melhor dizendo —, que mobiliza as pessoas a partir do significado que aquela ação tem para elas.
Esperamos estar com esse programa desenhado até o final do ano para que possamos captar recursos para implementação dele. Nós estabelecemos quatro indicadores para priorização de onde devemos começar o processo de implementação, que são os indicadores de suscetibilidade à desertificação, como indicador geral, de degradação da terra, de secas e de pobreza rural.
Temos cerca de 200.000 km² de terras degradadas na Caatinga. Aproximadamente um quarto das terras do bioma. Isso significa dizer 20 milhões de hectares.
Queremos, com isso, ter um grau de priorização que olhe para a dimensão da água, para a dimensão da terra e para a dimensão das pessoas. Para que o programa chegue para aqueles ou àquelas comunidades onde estão as pessoas numa situação de maior vulnerabilidade climática.
Tem sempre uma mensagem que fica na minha cabeça que é assim: “Eu quero ir atrás do riacho que corria naquela comunidade que não corre mais. Daquela nascente onde se buscava, onde se tinha uma cacimba que se buscava água nos períodos de seca e que hoje não corre mais, não verte mais água”.
Essa fonte de água que já não tem mais, que não está mais ativa na comunidade, mas que a comunidade sabe onde fica, reconhece que ela existia e que ela socorria é o mote para trazer um significado para a comunidade se envolver no projeto. É dizer “vamos recuperar pra gente ter água novamente aqui”.
Então é buscar qual é a bacia de recarga, como é que a gente protege a área de nascente, a mata ciliar do riacho, para que a gente consiga restaurar a terra e a biodiversidade, mas ao mesmo tempo trazer esses serviços ecossistêmicos, de disponibilidade de água, de biodiversidade e de produção. Porque nós também queremos que esse processo de restauração seja produtivo, e os sistemas agroflorestais cumprem um papel importante nessa estratégia para as comunidades. Quem vai ser o maior beneficiado, a maior beneficiada da iniciativa e do sucesso da iniciativa vai ser para a própria comunidade. Então, isso é o que nós estamos pensando do ponto de vista estratégico para um futuro próximo.
ASACom — Ainda nesse campo estratégico, desde o ano passado, o MMA tem trabalhado no Plano Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAB Brasil). Quais os próximos passos em relação a ele? Como você vê a implementação do plano nos diferentes níveis da esfera governamental?
Alexandre Pires — Estamos no momento de fazer ajustes na estrutura e formulação das ações do plano, mas temos um desafio nos próximos dois meses [junho e julho], que é o de pactuar as metas. A Política Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca é uma política intersetorial. Nesse sentido, a as ações para o enfrentamento à desertificação e mitigação dos efeitos da seca são ações que dizem respeito, ou que estão correlacionadas, com políticas públicas e com programas coordenados por outros ministérios, como, por exemplo, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) com o Programa Cisternas.
O Programa Cisternas é uma meta dentro do plano de combate à desertificação, mas a responsabilidade do programa está sobre o Ministério do Desenvolvimento Social. Dentro do plano também saíram metas destinadas à política de assistência técnica e extensão rural (Ater). O Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) é o ministério responsável por coordenar a política nacional de assistência técnica e extensão rural. Isso como dois exemplos, mas eu poderia citar vários.
Esse é um passo importante e necessário. O plano não é de responsabilidade única do Ministério do Meio Ambiente, o MMA coordena a iniciativa e a política, que é do Estado brasileiro. Então, todos os ministérios e órgãos devem ser corresponsáveis por essas medidas e iniciativas.
Depois dessa pactuação, nós temos uma segunda reunião da Comissão Nacional de Combate à Desertificação, marcada para o mês de agosto, onde queremos submeter o plano à apreciação da comissão para que a gente tenha esse feedback dos ministérios, órgãos do governo e da sociedade civil que estão na comissão. No entanto, o processo de implementação do plano vai requerer, através da Câmara Interministerial de Combate à Desertificação (CICD), que compõe a Comissão Nacional e da ação do governo como um todo, um plano de ação mais objetivo, ou seja, definidas as metas, as ações e pactuações, como é que cada órgão do governo responsável por metas no Plano vai levá-las em consideração na elaboração do orçamento do Plano Plurianual que deverá ser elaborado em 2027.
Por isso, é muito importante que a gente tenha como horizonte a reeleição do presidente Lula para que tenhamos continuidade das ações que estamos construindo de apoio e retomada das políticas socioambientais no Brasil.
Porque se não, se nós tivermos um retrocesso de um governo que não tenha um compromisso com essa agenda, na hora da elaboração do orçamento do Plano Plurianual, em 2027, nós podemos ter mais uma vez um esquecimento dessa política e dessas iniciativas como tivemos no governo passado. Então, nós não vamos ter orçamento e se você não tem orçamento, você não tem como implementar o Plano.
O Plano é um instrumento de implementação da política. Mas para isso eu preciso de orçamento. E eu só vou ter orçamento se eu conseguir garantir que as medidas e metas trabalhadas nele sejam incorporadas no ciclo orçamentário de 2027 em diante.
Agradeço à ASA pelo convite para estar aqui junto nessas reflexões sobre o dia do Meio Ambiente, na semana do Meio Ambiente, entendendo que combater a desertificação e enfrentar as mudanças climáticas, faz parte da agenda ambiental.