“Não passar fome era tão difícil quanto passar fome”

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Vera Lúcia Félix de Brito mora numa comunidade do agreste alagoano chamada Serra Bonita, no município de Palmeira dos Índios. Ela é prova de que o problema da fome não é só a falta do que comer, mas é também a restrição alimentar causada pela escassez de recursos que, em décadas passadas, levou a subnutrição aos lares das famílias agricultoras de todo o país, em especial do Semiárido.  A comida pouca, a água salobra, e os dias exaustivos de trabalho eram a sina da população que de cabeça baixa aceitava a condição como se fosse uma espécie de castigo divino do qual não podiam se esquivar.

“Eu sou de uma família de 10 irmãos, cinco homens e cinco mulheres. Minha mãe morreu jovem com cinquenta anos, e meu pai morreu em 2010 com 92 anos de idade e foi um guerreiro que nas entressafras rodava o país inteiro trabalhando, por isso que a gente teve menos dificuldade. Não passar fome era tão difícil quanto passar fome. Não passei fome, mas a comida era muito reduzida. Isso em 1978, quando eu era uma criança ainda. Eu nasci e me criei na região agreste que é uma região mais favorável, não é como agreste e o alto sertão, mas é uma região em transição que sofre também com a seca, então a alimentação era bem restrita porque a gente se baseava só no plantio no tempo do inverno. Então quando chegava o verão que faltava e diminuía o alimento, a gente comia só milho e feijão”, recorda Vera Lúcia.

Ela conta que via seus irmãos trabalharem como escravos para ganhar mal o dinheiro de comprar a comida. “A minha família era muito grande e meus irmãos todos trabalhavam e isso ajudava bastante. Meus irmãos trabalhavam a ponto de não sentar porque se entrassem não tinham mais coragem de levantar e trabalhar novamente. Tudo para gente não passar fome”. Vera lembra ainda, das muitas famílias que viviam na comunidade, e diferente da dela passavam muita necessidade:

“Acompanhei muitos casos, de muitas famílias, nos anos 90 que passavam fome realmente, e não passavam fome porque eram preguiçosos como muita gente acha, passavam fome porque não conseguiam serviço e quando conseguiam ganhavam tão pouco que mal dava para comprar o principal. Eu, inclusive quase apanhei [dos meus pais], quando criança, porque comi uma vez na casa de uma família que só tinha, para o almoço, arroz. E ai meus pais quase que me batem porque eu diminuí o que eles tinham para comer”.

Mas, foi em meados dos anos 2000, que ela viu a mudança na qualidade de vida da sua comunidade e de outras no entorno com a chegada das politicas públicas para os camponeses e camponesas. “Foram as politicas públicas: bolsa-família, PAA, PNAE e Pronaf que deram autonomia às pessoas. E com isso, elas iam mais pra roça, iam mais investir em pequenos animais, nas verduras. Isso faz com que a gente tenha o dever de lutar pra não ter de volta aquela vida que a gente tinha antes. Por mais que as pessoas digam que o bolsa-família é assistencialismo não é! Porque deu condições de muitas famílias terem mais condições, inclusive, autonomia. Os camponeses e as camponesas produzem bastante, mas tem um fator limitante que á a seca. Por mais trabalhador que seja, ele não consegue produzir sem chuva. Ninguém conseguiria!”, salienta ela lembrando que a falta de chuva e de políticas eram os grandes causadores da miséria na região.

“O golpe aconteceu em um ano propicio em se tratando de produção, porque 2016 e 2017 depois de tanta seca foram bons anos de produção e o pessoal já morria de medo e agora em 2018 que a seca está novamente voltando à nossa região, o medo de voltar a essa miséria é muito grande. Isso faz com que a gente saia em Caravana, porque eu garanto a você que se a Caravana tivesse 10 ônibus todos estariam cheios porque tem muita gente disposta a seguir nesta missão de denuncia que não vai acabar quando a gente chegar em casa”, disse Vera Lúcia se referindo à Caravana Semiárido contra a Fome que cruzou cerca de 6 mil quilômetros denunciando a volta do Brasil ao mapa da fome.

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