Objetivos
Para ampliar a proposta de convivência com o Semiárido, a ASA lançou em 2015 um programa que reforça a cultura do estoque, desta vez, das sementes crioulas. Além de infraestrutura para estocar água para beber e produzir, as famílias serão apoiadas na sua prática de guardiães das sementes crioulas.
A depender da região do Semiárido, as sementes crioulas também são conhecidas como Sementes da Paixão, da Resistência, da Gente, da Fartura, da Vida. Variados nomes que simbolizam a relação de afeto das famílias agricultoras e populações tradicionais pelas sementes que as acompanham há gerações.
Assim, o Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido: Manejo da Agrobiodiversidade – Sementes do Semiárido tem sua concepção assentada no reforço das estratégias de resgate e valorização do patrimônio genético, através do fortalecimento das práticas já existentes de auto-organização comunitárias.
Na dinâmica das comunidades do Semiárido, as famílias agricultoras selecionam as melhores sementes e as guardam para os próximos plantios. Nestes bancos de sementes familiares, existe uma verdadeira riqueza alimentar, capaz de assegurar a segurança e soberania alimentar e nutricional das populações do Semiárido. Algumas comunidades têm um nível de organização maior e criaram um banco ou uma casa de sementes comunitária.
Estimulando as dinâmicas de autogestão das sementes nas comunidades rurais, o programa se propõe a apoiar o fortalecimento das casas de sementes comunitárias, bem como a articulação delas em rede.
Contexto
Em um Semiárido com inúmeras desigualdades também são múltiplas as alternativas e estratégias desenvolvidas por suas populações para terem acesso à água e alimentos. Na luta diária pela sobrevivência, várias gerações desenvolveram um vasto e complexo conhecimento a partir da observação da natureza. Aprenderam a arte de conviver com o Semiárido, observando os ciclos das chuvas, a relação delas com o comportamento das plantas, dos animais e as singularidades e características do clima e do solo.
Foi esse conhecimento que possibilitou as melhores estratégias de convivência com o Semiárido, como a cultura do estoque das sementes, que surge da prática de selecionar e guardar sementes adaptadas às características da região por parte de famílias. Tais experiências, que são familiares e comunitárias, têm potencializado e salvaguardado o patrimônio genético do Semiárido.
Aprenderam a arte de conviver com o Semiárido, observando os ciclos das chuvas, a relação delas com o comportamento das plantas, dos animais e as singularidades e características do clima e do solo.
Entretanto, a diversidade de espécies cultivadas e as estratégias para seu uso e conservação estão sob permanente ameaça devido a vários fatores, entre os quais vale destacar:
- - a ocorrência de sucessivas secas hoje agravadas pelo fenômeno das mudanças climáticas, comprometendo a safras agrícolas e o estoque de sementes para as próximas safras;
- - a desvalorização do patrimônio genético conservado pelas populações;
- - a prevalência de políticas públicas orientadas para distribuição de grandes volumes de poucas espécies e variedades comerciais induzindo a erosão genética dos materiais locais e - a substituição por variedades de base genética estreita;
- - a uniformização de cultivos e sistemas produtivos, baseados na monocultura, gerando vulnerabilidades para a ocorrência de epidemias de pragas e doenças;
- - a disseminação de sementes transgênicas ampliando os riscos de contaminação genética das variedades crioulas;
- - a falta de uma estratégia de utilização dessa biodiversidade como forma de geração e trabalho e renda pelas famílias agricultoras do Semiárido.
Ao se articular em redes de casas de sementes comunitárias, a ação dos guardiões e guardiães do patrimônio genético alimentar ganha mais força e robustez para resistir as constantes ameaças à conservação e uso sustentável da agrobiodiversidade, bem como acessar políticas públicas.
Vale ressaltar que várias redes já estruturadas vêm, desde 2004, acessando políticas para recomposição e estabilização do estoque de sementes, sobretudo em momentos de crise, através do acesso a mecanismo de compra e doação simultânea do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
Tendo como referência os saberes e as estratégias usadas pelas famílias para conviver com a região, o programa Sementes do Semiárido constitui um marco dentro da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) e da Política Nacional de Segurança Alimentar, validando as estratégias das famílias e comunidades no estoque das sementes.
Metodologia
Esta iniciativa está alicerçada nas inúmeras experiências de ação comunitária em rede, que vem sendo gestadas a partir do P1MC e do P1+2. A principal causa do sucesso do P1MC e P1+2 consiste na construção de uma ação política gestada pelas comunidades. A partir da ação da ASA foram criadas várias redes de organizações de base - associações, sindicatos, grupos de mulheres, grupos de jovens e outras formas organizativas – que conduzem processos a partir das necessidades e recursos disponíveis.
A concepção educativa a ser implementada pelo Programa Sementes do Semiárido, a exemplo do P1MC e do P1+2, possibilitará uma visão holística sobre a realidade e as políticas de convivência entre as pessoas e o Semiárido, numa relação sustentável e complementar, valorizando os conhecimentos produzidos por agricultores e agricultoras através da troca horizontal de saberes e da sistematização de experiências vinculadas à produção de alimentos, manejo da agrobiodiversidade e outras estratégias que garantam autoestima para as famílias e uma nova imagem do Semiárido brasileiro.
Atividades
Cadastramento de famílias integrantes de bancos e casas comunitárias de sementes
As comissões municipais e comunitárias participam efetivamente do cadastramento das famílias que fazem parte dos bancos e casas comunitários. Serão priorizadas famílias e comunidades que já acessaram água para beber e produzir e também serão observados os critérios vigentes para os demais programas da ASA: mulheres chefes de família; existência de crianças de zero a seis anos de idade; crianças e adolescentes matriculados e frequentando a escola; adultos com idade igual ou superior a 65 anos e deficientes físicos e/ou mentais. Na identificação das famílias também conta a existência de alguma prática de estoque familiar ou coletivo de sementes.
Num primeiro momento a proposta é identificar iniciativas existentes, casas e bancos que possam ser apoiados tanto no campo da gestão quanto em infraestrutura, contudo, serão também apoiadas iniciativas de estruturação de novos bancos e casas de sementes.
Capacitações Técnicas
As capacitações são momentos de formação e informação e são direcionadas a envolver todos os atores que participam do programa: famílias, comunidades, equipes técnicas, comissões municipais, bem como entidades locais e regionais. São momentos de alimentação e retroalimentação dos processos indutivos e espontâneos para a convivência plena com o Semiárido, priorizando sempre as estratégias de estoque.
Capacitações das Comissões Municipais - Objetivam apresentar às comissões municipais - formada por mais de três organizações da sociedade civil no município - o Programa Sementes do Semiárido, suas características e os critérios pré-definidos de escolha das comunidades e famílias para serem envolvidas na ação.
Capacitação em Gestão Comunitária da Diversidade de Sementes – Visam diagnosticar nas comunidades envolvidas quais são as sementes crioulas adaptadas, cultivadas e estocadas pelas famílias, bem como se houve algum tipo de erosão genética, provocando a perda de algum tipo de semente.
Capacitação em Gestão de Estoques nos Bancos Comunitários de Sementes – Visa também definir estratégias para a gestão (distribuição, empréstimo, multiplicação e devolução das sementes estocadas) do acervo genético disponível na comunidade bem como identificar a estrutura necessária para estruturar cada banco a ser adquirida. Também serão discutidas técnicas para o adequado armazenamento das sementes.
Capacitação Territorial sobre Seleção, Produção e Multiplicação de Sementes – Objetiva capacitar agricultores e agricultoras multiplicadores/as para a produção e multiplicação das sementes crioulas adaptadas e varietais armazenadas nos bancos. Serão abordadas questões como área a ser destinada para a multiplicação das sementes e características, em especial, de sazonalidade das sementes a serem multiplicadas.
Formação Regional de Equipes – Visa capacitar as equipes técnicas das Unidades Gestoras para o planejamento e execução da ação, definindo as estratégias a serem adotadas, conteúdos e metodologias de cada capacitação e para a ação em rede.
Visitas de intercâmbios
Os intercâmbios na dinâmica da ASA e de suas organizações permitem que muitos agricultores e agricultoras conheçam experiências de convivência com o Semiárido desenvolvidas por outras famílias agricultoras.
A interação e a troca horizontal de conhecimentos realçam a aptidão dos agricultores/as para a experimentar soluções para as dificuldades inerentes ao seu ambiente de vida e produção. Essa habilidade é um elemento chave para a conversão agroecológica dos sistemas produtivos.
Os intercâmbios também têm contribuído no resgate e multiplicação de sementes crioulas que tenham sido perdidas em determinadas comunidades. Em muitos casos, as sementes são reencontradas em outras comunidades. Isso contribui para a permanência dessas sementes no Semiárido.
Implementação dos bancos e casas de sementes
Este componente se materializará na aquisição de infraestrutura e base genética para as casas de sementes pela Unidade Gestora. Não serão realizadas obras de construção. Para facilitar a identificação das comunidades, todas as casas/bancos de sementes serão georreferenciadas e terão uma placa de identificação.
Cada comunidade vai definir o que deve estocar e o que deve ser adquirido com o recurso para cada banco ou casa de sementes. As sementes adquiridas poderão variar de alimentares (cultivos permanentes, anuais, destinados ao roçado, quintal, etc.), forrageiras, adubadoras, nativas, florestais, medicinais, podendo ser estocadas em forma de grãos, raízes, tubérculos, estacas, flores, folhas, cascas, etc.
Sistematização de Experiências
Elemento de significativa importância dentro da metodologia da ASA, a sistematização de experiências de convivência com o Semiárido constitui-se num processo coletivo de registro de saberes e práticas locais desenvolvidas pelos/as agricultores/as.
A sistematização promove um olhar reflexivo sobre as experiências, que oportuniza às famílias ou grupos ampliar a consciência a respeito de sua própria prática. Ter a sua história contada num boletim de sistematização ou num banner promove a elevação da autoestima das famílias e estimula o engajamento de pessoas e grupos em espaços coletivos voltados para o desenvolvimento local, entre outras conquistas.
Distribuídos nos intercâmbios, os boletins impressos e os banners, fruto das sistematizações, contribuem significativamente para divulgação dos conhecimentos e técnicas desenvolvidas pelas famílias produtoras ou comunidades.