Kleber Nunes | ASACom
Casas e bancos de sementes são cruciais para o combate à desertificação, mostra estudo da ASA
Levantamento promovido pelo Projeto Redeser será apresentado a agricultores, pesquisadores e a representantes do governo federal e da FAO, no dia 6

Para cada casa ou banco comunitário de sementes, em média 18 famílias agricultoras são beneficiadas com sementes crioulas, ou seja, adaptadas ao clima, que guardam memórias e propagam a cultura alimentar no Semiárido. Além de assegurar autonomia na produção rural, esses espaços de preservação da agrobiodiversidade também garantem uma variedade de espécies de plantas nativas, hortaliças, frutíferas e leguminosas.
Os dados são do “Levantamento Avaliativo das Casas ou Bancos de Sementes no Semiárido”, que será apresentado durante seminário virtual na quarta-feira (6), com transmissão ao vivo pelo YouTube, das 9h às 16h30. O estudo inédito da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) mapeou 875 unidades em 29 territórios do interior do Nordeste e norte de Minas Gerais.
A iniciativa faz parte da carta acordo firmada entre a Associação Programa Um Milhão de Cisternas (AP1MC) — personalidade jurídica da ASA — e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), no âmbito do Projeto “Revertendo o Processo de Desertificação nas Áreas Suscetíveis do Brasil: Práticas Agroflorestais Sustentáveis e Conservação da Biodiversidade” (Redeser), sob coordenação e supervisão técnica do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).

Organização
Segundo a pesquisa, a maioria das casas e bancos (94%) mapeados foram criados por meio do Programa Sementes do Semiárido, lançado há 10 anos pela ASA. Essas estruturas simples, geralmente de 58 metros quadrados, têm como finalidades a estocagem de sementes para plantio, comercialização, preservação e multiplicação de material genético. As infraestruturas visitadas estão distribuídas nos estados da Bahia (228), Ceará (141), Pernambuco (122), Paraíba (103), Rio Grande do Norte (72), Piauí (71), Alagoas (55), Minas Gerais (42) e Sergipe (41).
Sobre a gestão das casas e dos bancos comunitários de sementes, o levantamento mostra que das unidades ativas a maioria é coordenada por agricultoras e agricultores indicados ou eleitos pela comunidade. As lideranças se reúnem, majoritariamente, uma vez por mês e contam com normas de funcionamento expressamente estabelecidas.
As gestoras e os gestores são responsáveis, principalmente, por realizar o controle do estoque da casa ou banco de sementes. As medidas mais comuns são: livro de registro impresso ou digital, ficha de controle para cada família e uso de etiquetas para identificação dos recipientes. O acesso às sementes, no geral, é permitido aos sócios, mas também aos moradores da comunidade.
No que diz respeito à infraestrutura, os dados mostram que o espaço físico e os equipamentos são eficazes para o armazenamento, estocagem, seleção, beneficiamento e dinâmicas comunitárias de trocas e doações de sementes. Itens como, por exemplo, telhado, piso, paredes e mobiliários são considerados ótimos ou bons pela maioria dos entrevistados.
Em relação à estocagem, as guardiãs e os guardiões de sementes utilizam garrafas pets e também tambores de plásticos de até 200 litros. A maior parte do material genético depositado é obtido com os próprios agricultores da localidade e a renovação acontece, em sua maioria, anualmente a cada safra ou à medida em as sementes emprestadas são devolvidas.

Agrobiodiversidade
Milho, feijão, fava e abóbora são as espécies mais comuns nos estoques presentes nas casas e bancos de sementes do Semiárido. Para cada espécie, o estudo identificou uma grande variedade sendo 262 tipos de feijão, 108 de milho, 75 de fava e oito de abóbora.
A pesquisa promovida no âmbito do Redeser também identificou o trabalho de conservação de sementes de oito espécies de hortaliças, entre elas coentro, quiabo e alface; 12 tipo de frutíferas, como melancia e caju; e espécies para roçado, a exemplo de mandioca, gergelim, sorgo e algodão.
O assessor de coordenação do Programa Sementes do Semiárido da ASA, Claudio Ribeiro, explica que essa diversidade agrícola é fundamental para a convivência sustentável na Caatinga, uma vez que proporciona soberania e segurança alimentar e nutricional para as populações locais.
“O manejo por meio de consórcios e rotações de culturas, possibilita a proteção e conserva a umidade por um maior período de tempo, promovendo melhorias físicas, química e biológica dos solos, diminuindo os riscos de erosão e desertificação. Além de diversificar a renda das famílias agricultoras, com a possibilidade de ofertar produtos de origem vegetal e animal ao longo do ano”, afirmou.
As casas e bancos ainda têm garantido a preservação de pelo menos 17 espécies florestais. De acordo com o estudo, as agricultoras e os agricultores estão coletando, por exemplo, sementes de angico, aroeira, baraúna, cabaça, moringa, urucum, umburana e bucha.
Em entrevista à ASA, no mês de junho, o diretor do Departamento de Combate à Desertificação do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Alexandre Pires, explicou que esse levantamento das casas e bancos de sementes é estratégico para a recuperação da Caatinga.
“Queremos incorporar as sementes nativas da Caatinga dentro das casas comunitárias de sementes e, com isso, ter uma base de recursos genéticos para os projetos de restauração do bioma, sejam eles demandados pelo setor privado, seja por projetos apoiados pelo governo federal e iniciativas de compensação ambiental”, afirmou Alexandre.

Desafios
O Levantamento Avaliativo das Casas ou Bancos de Semente no Semiárido confirma a importância desses espaços dentro da estratégia de convivência com o bioma, sobretudo, em tempos de emergência climática. A pesquisa revela também os desafios que essas unidades enfrentam e apontam para a necessidade de políticas públicas de valorização das guardiãs e dos guardiões.
Entre os dados preocupantes, estão que 51% das casas e bancos visitados estão desativados, enquanto 43% seguem funcionando e 6% deixaram de existir. Para a maioria dos entrevistados, a estiagem é o principal motivo para o fechamento das unidades, seguido por falta de devolução de sementes, a pandemia de covid-19 e pela ausência de assessoria técnica.
Das casas e bancos de sementes que resistem, a falta de acesso à água também é preocupante. Conforme dados do levantamento, mais de 90% não tem lagoas, rios perenes e olhos d’água ou tecnologias, a exemplo de cisternas, poços e barragens, como fontes de recursos hídricos.
Do ponto de vista do material genético, os guardiões e as guardiãs de 169 casas e bancos de sementes apontaram a perda de sementes crioulas ou nativas como um desafio importante. Feijão, milho, fava e arroz são as espécies mais citadas entre as que precisam ser recuperadas.
Outro desafio destacado na pesquisa é o desinteresse das novas gerações e a falta de apoio para a comercialização de sementes.
A pesquisa revela ainda a ameaça de contaminação dos diversos tipos de milho crioulo por variedades geneticamente modificadas. O plantio de milho transgênico, segundo os dados do levantamento, vem avançando nesses territórios, em detrimento à paralisação do monitoramento promovido por iniciativas como o Programa Sementes do Semiárido da ASA e o Agrobiodiversidade do Semiárido da Embrapa.
“As práticas desenvolvidas pelas famílias guardiãs em seus territórios, servem como recomendações para a formulação de novas políticas públicas capazes de superar esses desafios revelados pelo estudo. São medidas que precisam promover a agrobiodiversidade, entendendo esta como ferramenta para criar sistemas mais resilientes de produção e consumo de alimentos saudáveis, ao mesmo tempo preservando os biomas”, concluiu Claudio.

Sobre o Redeser
O Redeser é uma iniciativa da FAO que foi retomada em setembro de 2023 depois de quatro anos paralisado pelo governo Bolsonaro. Ao todo, o projeto destina R$ 19 milhões do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês) para mitigar a desertificação no Semiárido com práticas agroflorestais sustentáveis e de conservação da biodiversidade.
As ações são executadas por organizações sociais que atuam em 14 municípios nos territórios do Araripe (Ceará), Xingó (Alagoas), Sertão do São Francisco (Bahia) e Seridó (Paraíba e Rio Grande do Norte). O Redeser também conta com a cooperação de prefeituras e governos estaduais.
De acordo com o MMA, o foco é a implementação de Sistemas Agroflorestais (SAF) e práticas de Gestão Integrada dos Recursos Naturais (GIRN) — iniciativas que têm potencial de promover a agroecologia e a convivência com o Semiárido.
A expectativa é que, a partir dessa etapa do Projeto Redeser, mais de 13 mil hectares sejam geridos de forma sustentável e cerca de 200 famílias sejam beneficiadas. Outro impacto esperado é a ampliação da oferta de alimentos saudáveis por meio do mercado local.