ASA e Embrapa retomam Projeto Agrobiodiversidade do Semiárido

Iniciativa vai beneficiar cerca de 2 mil famílias guardiãs de sementes crioulas em Alagoas, na Bahia, Paraíba e no Piauí

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Kleber Nunes | ASACom

O Projeto Agrobiodiversidade do Semiárido (AgrobioSA) está de volta com a missão de qualificar as dinâmicas de uso e preservação das sementes crioulas e assim frear o avanço dos transgênicos na região. Fruto da parceria entre a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a iniciativa vai beneficiar diretamente quase 2 mil famílias agricultoras em Alagoas, na Bahia, Paraíba e no Piauí.

O AgrobioSA faz parte do Programa de Apoio à Inovação Social e ao Desenvolvimento Territorial Sustentável (InovaSocial) da Embrapa, com apoio do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O projeto foi iniciado em 2019, mas precisou ser interrompido por causa da pandemia de covid-19. Em abril deste ano, ele foi repactuado e irá garantir mais de R$ 3 milhões na promoção da socioagrobiodiversidade no Semiárido até 2027.

De acordo com o pesquisador da Embrapa Alimentos e Territórios e coordenador do AgrobioSA, Fernando Curado, o projeto se propõe a trazer novos elementos ao processo de manejo das sementes crioulas, que as agricultoras e agricultores já realizam há várias gerações. Esse trabalho será feito por meio de ações territoriais e regionais estruturadas em quatro eixos: gestão das redes; capacitação das equipes; estruturação, produção e beneficiamento de sementes; e comercialização.

Na prática, com o apoio de organizações sociais da ASA presentes nos quatro estados (ver lista abaixo), o projeto realizará oficinas, feiras, intercâmbios de experiências, testes de transgenia, produção de mudas e implantação de sistemas florestais adaptados ao semiárido (agrocaatinga). As atividades também contemplarão agricultores familiares assentados da reforma agrária, povos indígenas e comunidades quilombolas.

“O avanço dos transgênicos é algo assustador, como mostram estudos da própria ASA. É um tema um pouco delicado para a pesquisa, mas a gente não pode se furtar a enfrentá-lo e o projeto é uma resposta nessa direção. Precisamos refletir como cientificamente podemos garantir as sementes crioulas, entendendo que esse é um patrimônio da humanidade preservado pelos povos do Semiárido”, afirma Curado.

Essa nova versão do AgrobioSA será lançada oficialmente no próximo dia 22, em Delmiro Gouveia (AL), durante encontro dos coordenadores, técnicos e representantes do governo federal e das organizações sociais que compõem a ASA. O evento é fechado ao público e seguirá até o dia 26 com mesas-redondas, rodas de diálogo, apresentação de experiências e visitas de intercâmbio.

O AgrobioSA se propõe a trazer novos elementos ao processo de manejo das sementes crioulas | Foto: Arnaldo Sete/AP1MC

Redes para o futuro

Ao longo dos dois anos de projeto, o AgrobioSA tem como meta criar a Rede de Proteção do Milho Crioulo. O cereal é o segundo material genético mais presente nas casas e bancos comunitários de sementes, segundo o “Levantamento Avaliativo das Casas ou Bancos de Sementes no Semiárido” da ASA. O milho é também um dos alimentos mais vulneráveis à contaminação por transgenia, devido ao seu processo de polinização aberto.

O assessor de coordenação do Programa Sementes do Semiárido, responsável por acompanhar o AgrobioSA na ASA, Claudio Ribeiro, explica que o governo Bolsonaro promoveu um avanço sem precedentes do milho transgênico, provocando uma erosão genética na região. Além disso, o ex-presidente desmontou as políticas públicas para o campo, o que impediu o monitoramento das contaminações, sobretudo, do milho crioulo.

“A Rede de Proteção do Milho Crioulo terá um protocolo de segurança garantindo coletar, depositar, multiplicar, testar e abastecer os estoques das casas e bancos das agricultoras e dos agricultores com sementes livres de transgenia e, portanto, resilientes e adaptadas ao clima, e com grande valor nutricional”, destaca Ribeiro.

A estruturação da Rede de Proteção do Milho Crioulo está alinhada à implantação de bancos territoriais de sementes crioulas inspirados no modelo de “banco-mãe” utilizado pelas guardiãs e guardiões do Polo da Borborema, na Paraíba. Pensados inicialmente como câmaras frias adaptadas em contêineres, esses equipamentos podem conservar as sementes por até 5 anos e, assim, manter os estoques das casas e bancos do entorno sempre abastecidos.

Para Fernando Curado, a rede e os bancos territoriais serão decisivos para restabelecer o diálogo com a Embrapa para o acesso das agricultoras e dos agricultores aos bancos de germoplasma da estatal. Esses espaços guardam materiais genéticos de diferentes espécies com o objetivo de conservar a diversidade biológica por décadas, favorecer a pesquisa e facilitar o seu melhoramento.

“O acesso aos bancos de germoplasma da Embrapa é uma pauta histórica dos movimentos sociais do campo que o AgrobioSA vai trabalhar para atender. Sabemos que a reintrodução de sementes não é tão simples, existem protocolos e há uma necessidade de diálogos internos com os gestores e com as comunidades que vão receber esses materiais, mas a gente sente que este é um contexto muito favorável para essa estratégia. Se conseguirmos avançar em alguma experiência de reintrodução, isso já será um grande legado do projeto”, destaca Curado.

Concluindo o tripé dos grandes legados do projeto, o AgrobioSA pretende implantar um campo de multiplicação de sementes crioulas em larga escala no município de Delmiro Gouveia (AL). O espaço será utilizado para a produção de conhecimento e experimentação permanentes voltados à capacitação das agricultoras e agricultores do Semiárido.

“Vamos trabalhar para que as organizações envolvidas no projeto que tenham seus campos de multiplicação possam potencializá-los e as que não têm desenvolvam essas roças comuns. A ideia de ter um campo maior é, a partir desse grande laboratório, fomentar os processos de compras e aquisição de sementes crioulas, fazendo com que as guardiãs e os guardiões sejam capacitados para comercializar suas produções”, diz Curado.

Organizações da ASA que fazem parte do AgrobioSA

Alagoas
Associação de Agricultores Alternativos (Aagra)
Cooperativa de Pequenos Produtores Agrícolas dos Bancos Comunitários de Sementes (Coppabacs)

Bahia
Associação Regional de Convivência Apropriada ao Semiárido (Arcas)
Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá (Coopercuc)
Rede de Escolas Família Agrícola do Semiárido (Refaisa)

Paraíba
AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia

Piauí
Centro Regional de Assessoria e Capacitação (Cerac)
Rede de Escolas Família Agrícola do Semiárido (Refaisa)

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