Agricultoras e agricultores do Piauí ensinam práticas eficientes de resiliência e adaptação climática

Experiências estiveram na rota do Intercâmbio Territórios em Transição, atividade do Programa Comunidades Resilientes (CoRe) realizado pela Cáritas França em parceria com a ASA Brasil

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Kleber Nunes | ASACom

Enquanto governos e organismos multilaterais tentam buscar consensos para garantir o futuro do planeta, agricultoras e agricultores do interior do Brasil ensinam práticas eficientes de resiliência e adaptação climática. Parte dessas experiências estão no município de Pedro II, no Piauí, e se transformaram em verdadeiros laboratórios a céu aberto durante o intercâmbio “Territórios em Transição”.

Realizado entre os dias 26 e 29 de junho, o evento promoveu a troca de conhecimentos entre produtores agroecológicos piauienses e membros de povos originários e comunidades tradicionais, além de técnicas e técnicos, do Amazonas, Bahia, Minas Gerais, Paraná e Pernambuco. Ao todo, foram mais de 100 quilômetros percorridos, quatro territórios visitados, sete experiências apresentadas e mais de 40 pessoas envolvidas.

O intercâmbio Territórios em Transição foi uma atividade do Programa Comunidades Resilientes (CoRe), iniciativa da Cáritas França em parceria com a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e o Fórum Piauiense de Convivência com o Semiárido, e apoio da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD).

Entre os frutos do intercâmbio estão o apoio à gestão eficiente e à defesa dos bens comuns, a valorização da agricultura familiar de base agroecológica e o reconhecimento, sobretudo, dos jovens e das mulheres do campo. Os participantes também destacaram, durante a avaliação, que as experiências possibilitam o equilíbrio ecológico, ou seja, produção de alimentos e geração de renda em harmonia com a Caatinga.

Para o encarregado de projetos para o Brasil da Cáritas França, Walter Pryston, o intercâmbio no Piauí foi mais uma prova de que, assim como no Semiárido brasileiro, em várias partes do mundo já está acontecendo uma “verdadeira transição para um modelo de maior justiça socioambiental”. Segundo ele, não são promessas, mas sim respostas concretas aos desafios que já estão postos pela emergência climática.

“No intercâmbio vimos agricultor que é acompanhado por uma organização que agrupa outras experiências de agricultores e propõe uma diversificação da produção. Vimos também comunidades que se organizam em torno de atividades coletivas. Isso é a transição em curso, que apresenta alternativas a um modelo de agricultura hegemônico. São práticas que mostram como resistir ao agronegócio a partir de experiências que trazem segurança alimentar e nutricional, e promovem a preservação ecológica”, afirmou Pryston.

Herança agroecológica nas mãos das novas gerações

O roteiro de visitas às experiências do intercâmbio Territórios em Transição começou na quinta-feira (27), na comunidade Cipó, mas precisamente no Centro de Convivência de Agroecologia (CCA). A unidade é uma das mais de 20 que estão presentes em 13 municípios do Piauí e que ensinam práticas agroecológicas a estudantes do ensino fundamental.

As turmas são formadas por crianças e adolescentes de 6 a 15 anos. Durante os encontros, os estudantes protagonizam atividades lúdicas e de campo onde aprendem sobre o cuidado e cultivo da terra.

Com os mais velhos, o trabalho de conscientização para a preservação da biodiversidade da Caatinga acontece por meio da casa de sementes da fartura (crioulas). O espaço é um dos frutos da auto-organização da comunidade e é responsável por garantir a multiplicação de sementes adaptadas ao Semiárido e combater os transgênicos.

De pai para filho: o quintal que virou agrofloresta

Ainda na comunidade Cipó, os intercambistas se depararam com a seguinte questão: o que dá para cultivar em apenas 1 hectare de terra numa região que recebe no máximo 800 milímetros de chuva por ano? Na propriedade da Família Sousa dá para produzir mais de 40 tipos de frutíferas, hortaliças, verduras, legumes, além de carne e ovos. O suficiente para alimentar 13 pessoas das cinco famílias que dividem a área e ainda comercializar o excedente, garantindo renda para todos.

O quintal produtivo visitado pelo grupo do intercâmbio Territórios em Transição foi herdado pelo agricultor e educador Geovane Sousa e seus irmãos do pai, um camponês que produzia alimentos respeitando a dinâmica da Caatinga destoando da maioria dos vizinhos. Há 13 anos, a família vem consolidando na área um sistema agroflorestal onde as mais diferentes espécies de plantas e animais, como galinhas, porcos e peixes, convivem em equilíbrio. 

“O que mais aprendi aqui foi a cultivar e que não é preciso ter muita terra para ter muita coisa. Aprendi que não devemos limpar o quintal, mas aproveitar as folhas que caem como adubo natural. Você pode ter tudo sem destruir o meio ambiente. Tudo isso eu vou repassar para minha comunidade”, disse a agricultora e representante do Quilombo Croatá, em Januária (MG), Cleya Caetano.

Crianças e mulheres fortalecem a auto-organização

A caravana do intercâmbio Territórios em Transição passou, nos dias 28 e 29, pelos assentamentos Pedra Branca e Salobro, na zona rural de Pedro II. Além de reforçarem a importância da reforma agrária para a justiça social no campo, as comunidades têm em comum a valorização das crianças e dos jovens, e o protagonismo das mulheres na promoção da agroecologia.

Em Pedra Branca, crianças com idades a partir dos 7 anos a adolescentes de 14 anos dividem o tempo entre os estudos, as brincadeiras e a preservação da agrobiodiversidade. Eles e elas são guardiões e guardiãs mirins da sementes da fartura, como são chamadas as sementes crioulas no Piauí.

Desde 2023, são essas pequenas mãos as responsáveis por coletar, selecionar, guardar e ajudar a multiplicar sementes adaptadas ao clima semiárido, como feijão, abóbora, milho, melancia, graviola, ipê e jatobá. Os grãos são devidamente catalogados e armazenados na Casa de Sementes Lauro Chaves dos Santos.

“Digo para as crianças que se esforcem para fazer esse trabalho de multiplicar as sementes, distribuindo para plantação e armazenando uma parte. Isso é importante porque se não preservarmos as sementes não teremos um mundo verde”, ensinou o guardião mirim, Zaqueu Chaves, de 11 anos.

No assentamento Pedra Branca ainda há um quintal produtivo comunitário onde 13 famílias se dividem na piscicultura e na agricultura. Tudo que é produzido é dividido pelos agricultores e agricultoras e o excedente é comercializado. A comunidade também é conhecida por ter um grupo de artesãs que preserva a tradição de produzir redes na máquina de tear. Em breve, o assentamento irá inaugurar uma casa de farinha onde a mandioca será beneficiada proporcionando mais renda para os moradores.

No assentamento Salobro, os intercambistas conheceram a experiência de Romero Souza, 23 anos. O agricultor começou em 2020 plantando alface, depois de ser acompanhado pelo Centro Mandacaru – organização da Rede ASA – o jovem diversificou sua produção. No quintal ele planta outras hortaliças, frutíferas e verduras, além de criar galinhas e peixes, que garantem comida de verdade o ano todo.

“Na minha comunidade é muito difícil trabalhar com os jovens, e ver aqui a história de Romero trabalhando na agroecologia me chamou muito a atenção e me deu esperanças. Estou levando uma bagagem muito grande de aprendizados. Saio daqui super feliz e com vontade de implantar tudo que aprendi”, afirmou a integrante do Quilombo Gameleira, em Januária (MG), Renata Maciel.

O assentamento Salobro, por meio da associação dos moradores, também está implantando uma casa de farinha, fortalecendo o trabalho das artesãs, que confeccionam tapetes e redes, e organizando um grupo de turismo de base comunitária, que ficará responsável por realizar trilhas agroecológicas no território.

A escola que forma cidadãos agroecológicos

Teodoro Reis, indígena do Povo Maraguá (AM), conhecendo a criação de caprinos

O intercâmbio Territórios em Transição encerrou sua passagem por Pedro II na Ecoescola Thomas A Kempis. A unidade pioneira no ensino integral público oferta, desde 2001, educação contextualizada para crianças e adolescentes do 6º ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio. Além da base curricular comum, os estudantes aprendem sobre agroecologia e participam de oficinas de artes e esportes.

Enquanto que na sala de aula as alunas e os alunos estudam as disciplinas da educação formal, como português, matemática e química, do lado de fora esses mesmos jovens cultivam roças agroecológicas e aprendem como criar pequenos animais, a exemplo de aves e caprinos. A escola também ensina outras técnicas agrícolas de convivência com o semiárido, como a produção de adubo orgânico.

“A grande missão da escola é construir sonhos. Se o estudante quer ir para São Paulo, que esse desejo seja uma opção e não uma expulsão do território”, explicou a coordenadora pedagógica da escola, Jaqueline Sousa.

Para o geógrafo e professor indígena do Povo Xakriabá, Bruno Cavalcante, a experiência da Ecoescola Thomas A Kempis é inspiradora e mostra, ao mesmo tempo, a importância de defender as escolas rurais para a formação das filhas e dos filhos de camponeses. “Comove ver um exemplo desse que vem perdendo apoio do estado, mas se mantém graças à luta da comunidade para garantir a educação”, disse.

No fim dos quatro dias de visitas, a coordenadora do Fórum Piauiense de Convivência com o Semiárido, Rejane Silva, avaliou que o intercâmbio atingiu seu objetivo.

“O intercâmbio foi voltado, principalmente, para a produção agroecológica a partir das relações familiares e comunitárias que mostraram práticas de gestão dos bens comuns e como é possível uma transição justa. Sei que cada um deixou um pedacinho de si e está levando um pouco de cada comunidade”, avaliou.

Participantes do Intercâmbio Territórios em Transição em frente à Ecoescola Thomas A Kempis, em Pedro II (PI)

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