As árvores símbolo do Cerrado e da Caatinga pelas mulheres do Semiárido

No mês em que se celebra o Dia Mundial do Meio Ambiente, um reconhecimento a estes seres que tanto doam para os povos e comunidades da região

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SÉRIE – PESSOAS QUE CUIDAM

Verônica Pragana – ASACom

Pense numa árvore generosa em muitos sentidos. Não à toa, são consideradas símbolos do Cerrado e da Caatinga. Quem pensou ou falou no pequizeiro e/ou umbuzeiro, acertou em cheio.
No mês em que se celebra o Dia Mundial do Meio Ambiente, nada mais justo do que reverenciar estas duas árvores que tanto doam para os povos e comunidades do Semiárido. Uma breve pesquisa na internet sobre a importância delas traz muitos elementos. Mas nós fomos ouvir isso da boca de quem nasceu, cresceu e vive até hoje se relacionando com estes dois seres magníficos.

Nossa curiosidade é saber um pouquinho como as várias gerações das comunidades – também habitadas por pequizeiros e umbuzeiros – se relacionam com estas plantas sagradas. É a rica biodiversidade das matas, da Caatinga e do Cerrado, sendo manejada por décadas e décadas pelas famílias que vivem na região. Esse conhecimento popular tem uma altíssima importância para a segurança e soberania alimentar, autonomia e geração de renda, principalmente, em tempos de emergência climática.

“Na minha comunidade, a produção de pequi é muito forte”, assegura Edilene Amaro, 38 anos e liderança de uma comunidade veredeira e quilombola em Bonito de Minas, em Minas Gerais. “Alguns tiram a polpa, outros embalam e vendem pras cooperativas. Fazemos óleo, (e do óleo se faz o) sabão. Usamos o óleo pra cozinhar e também como remédio. É um ótimo anti-inflamatório, bom para pele, porque tem muito colágeno, serve pra gripe e tosse. É muito energético”, enumera Edilene num só fôlego.

Ela mora com a família de seis filhos e o marido Reginaldo Barbosa, conhecido como Reisinho, na comunidade Japão, onde o bisavô e o tataravô de Reisinho moraram e sempre se alimentaram do pequi. Hoje, a comunidade está se movimentando para ter uma unidade de beneficiamento da fruta e de outras nativas do Cerrado, como o cajuí, com o apoio da Cáritas Diocesana de Januária. Estão formalizando uma minicooperativa extratisvista para organizar a produção e venda dos produtos. Edilene conta que, no território de 11 mil 514 hectares, a comunidade opta mais pela proteção da biodiversidade e, para isso, estão buscando a regularização da terra.

Outra história completamente entrelaçada ao pequi é de Vicentina Bispo, conhecida carinhosamente por Tina, que nasceu e cresceu na comunidade de Poço Verde, em Pandeiros, no município de Januária, no Semiárido mineiro. “Quando comecei com o pequi, não tinha ideia de que teria uma carta na manga para dar um reviravolta na vida”, aponta. Tina era professora que desenvolveu uma forte alergia ao pó de giz e precisou se aposentar da sala de aula. Voltou a estudar no curso de Agroindústria no Instituto Federal do Norte de Minas e, desafiada por um dos professores, começou a fazer produtos inéditos a partir do pequi. 

O primeiro deles foi uma farofa que existe na versão doce e salgada. Hoje, ela alquimiza o pequi diversos produtos e tem uma marca com um nome bem original ‘Pequitina’. “Meus produtos são bem inovadores”, comenta ela que transforma a castanha em deliciosos alimentos nutritivos e a oferece em várias versões: cristalizada, na conserva salgada, doce de compota, granola com pequi e baru, outro fruto do Cerrado.

Seus produtos, que também resultam do beneficiamento de outros frutos, como o maracujá do mato, buriti e jenipapo, além do baru, não só diversificam as feiras que ela faz parte como também serviram como propaganda para a campanha de aprovação e sancionamento, em dezembro de 2024, da Lei Pró-Cerrado (15.089/25) que institui a Política Nacional para Manejo Sustentável dos Frutos do Cerrado.

E na Caatinga? “Não à toa, o umbuzeiro é considerada uma árvore sagrada do Sertão”, assegura Cristiane Ribeiro da Silva, agricultora, escritora e professora de Curaçá, no Sertão do São Francisco baiano. 

A palavra Umbu vem do tupi-guarani ‘y-mb-u’, que significa ‘árvore-que-dá-de-beber’. Na época das grandes estiagens, era comum se recorrer à água acumulada na raiz. “Por muitos anos, foi uma das primeiras alternativas à sede, porque a árvore é uma grande cisterna da natureza. A sua raiz é grandona e grossa. Quando se abre tem uma massa branca e muita água como nosso corpo. Essa água tem leve sabor de planta, como se fosse um chá suave”, conta Cristiane, acrescentando que, hoje em dia, não se busca mais a água acumulada na raiz, pra não danificar a planta. “Assim como não se quebra mais o galho para tirar os frutos. É possível colher sem prejudicar, porque entendemos que é necessário que a safra se complete e essa árvore continue dando frutos.

Segundo ela, o umbuzeiro também é uma alternativa à fome. Nos alimentamos não só do fruto. Até as folhas se come e “é gostosa”, assim como a raiz. “Mas hoje se evita tirar a raiz de uma árvore adulta. O que fazemos? Quando chove, nasce uma infinidade de pés nos apriscos. É dessas plantas jovens que se extrai a raiz e a transforma num palmito “maravilhoso” do qual se faz doce ou se come in natura.

Ainda tem o uso medicinal do umbuzeiro. “A sabedoria popular usa a entrecasca de forma milenar como um ótimo anti-inflamatório, antibiótico, cicatrizante tanto para pessoas, quanto para animais.” Os frutos representam fontes de renda para as mulheres e homens da Caatinga. Mas não é só isso.

A copa dela oferece uma sombra vasta que abriga os vaqueiros, funcionando como um abrigo do calor e um lugar de descanso. “A sombra de umbuzeiro abrigou os primeiros processos de associativismo, porque era debaixo dele que se faziam as reuniões comunitárias”, revela Cristiane que escreveu o livro “As Odetes: protagonismo sociopolítico através do trabalho com a terra”, sobre a história de sua comunidade Esfomeado II e, nele, há várias citações do umbuzeiro.

Para ter umbuzeiro para as próximas gerações – Uma percepção recorrente nas comunidade tradicionais de fundo e fecho de pasto, que existem na Caatinga baiana, principalmente no norte do Estado, é de que não há tantos pés de umbu jovens. “Numa Caatinga rala, se nasce uma plantinha e fica exposta aos animais, eles a deixam depenada. Os caprinos então tem paixão pelo umbuzeiro”, relata Cristiane.

Segundo ela, não se trata de uma árvore de fácil crescimento. Essa percepção da ameaça ao futuro do umbuzeiro foi uma dos elementos que fez nascer a ação de reecatingamento, que são concretizadas pelas comunidades caatingueiras com assessoria do IRPAA. “É um investimento muito baixo, mas uma alternativa para se ter umbuzeiros na Caatinga para as próximas gerações”, pontua a professora.

Série: Pessoas que Cuidam – Esses perfis fazem parte da série “Pessoas que Cuidam” que busca trazer reflexões sobre a preservação e a sociobiodiversidade do Semiárido brasileiro e do nosso planeta. A série destaca ações de cuidado e proteção desenvolvidas por famílias agricultoras, povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais.

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