8 de Março
09.03.2017 PB
Cinco mil mulheres do território da Borborema (PB) marcham pelo fim da cultura do estupro e contra a Reforma da Previdência

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Por Comunicação da ASPTA

A Marcha levou às ruas do município de Alagoa Nova um grito pela liberdade das mulheres e contra a cultura do estupro | Foto: Verônica Pragana/Asacom

Ontem (8), a 8ª Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, organizada pelo Polo da Borborema, uma articulação de 14 sindicatos de trabalhadores rurais da região da Borborema na Paraíba em parceria com a AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia, levou às ruas do município de Alagoa Nova, no Brejo Paraibano, um grito pela liberdade das mulheres e contra a chamada ‘cultura do estupro’, que é quando em uma sociedade, a violência sexual é naturalizada por meio da culpabilização das vítimas.

Outra grande pauta trazida pela Marcha em 2017 foi o repúdio à reforma da Previdência Social proposta pelo governo de Michel Temer (PMDB), por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016, que atualmente está em discussão no Congresso Nacional. Para as mulheres, a proposta significa um forte retrocesso no que diz respeito a direitos já conquistados, como a diferença de idade mínima para aposentadoria entre homens e mulheres de cinco anos a menos para as mulheres, a acumulação dos benefícios de pensão por morte e a aposentadoria e até a própria condição de segurado especial para trabalhadores e trabalhadoras rurais.

A programação teve início às 8h, na Lagoa do Parque Manoel Pereira, no bairro Mário Lima, onde se concentrou as trabalhadoras rurais vindas dos municípios do Polo e de outras regiões da Paraíba e até estados vizinhos. Daniele Duarte, da direção do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais de Alagoa Nova, fez a abertura oficial da VIII Marcha: “Nós não viemos aqui para nos amostrar, cada mulher que está aqui sabe muito bem o que viemos fazer. E nós estamos radiantes de felicidade por receber um evento tão grandioso como esse aqui no nosso município. Lutamos pela vida das mulheres e pela agroecologia”, disse.

Alessandra Luna, secretária de mulheres da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e da coordenação da Marcha das Margaridas, fez uma fala sobre o significado do 8 de março em uma conjuntura política de avanço do conservadorismo e retrocesso com a retirada de direitos, a partir da proposta de reforma da Previdência: “O 8 de março de 2017 é mais que nunca, um dia de luta contra os retrocessos como essa reforma da Previdência. Sabemos que esse é só mais um passo na consolidação do golpe que foi dado, mas não podemos aceitar que se iguale, por exemplo, a idade entre homens e mulheres para aposentadoria. Como ter direitos iguais se nós não conquistamos ainda condições iguais? Quem é mulher sabe que as condições não são iguais, sente o peso da sua jornada de trabalho. Então fazer esse corte raso, só pela idade, é acabar com uma das poucas políticas que temos de reparação. Dizer para as populações mais pobres que você só vai se aposentar aos 65 anos, é o mesmo que dizer que você vai morrer sem o direito de se aposentar. Quem está propondo isso não sabe o que é viver com um salário mínimo. Você não poder acumular a pensão por morte e a aposentadoria também, quando a gente sabe que é um direito adquirido pela pessoa que morreu”, afirmou a liderança.

A peça “Zefinha não tem culpa!”, do Grupo de Teatro Amador do Polo da Borborema, imita a vida real para provocar a visão crítica das mulheres | Foto: Luciano Silveira/Arquivo: ASPTA

Após as falas, houve a apresentação da peça “Zefinha não tem culpa!” encenada pelo Grupo de Teatro Amador do Polo da Borborema. Esse ano, a peça trouxe a história de uma jovem agricultora que é abusada e estuprada por um conhecido de sua família. Mesmo vítima, Zefinha é acusada de ter ‘provocado o estuprador’ ao usar uma roupa curta e andar sozinha, sofrendo dessa forma uma dupla violência. No entanto, através de uma rede de apoio e acolhimento à jovem, sua família consegue perceber que em casos de violência sexual contra as mulheres só existe um culpado: o homem que estupra. Ao final, o estuprador é punido. Após a peça, as mulheres da coordenação do Polo perguntam à plateia: “O que aconteceu com Zefinha poderia acontecer com uma de nossas filhas? Com nossa vizinha? Vocês acham que ela tem culpa? Então de quem é a culpa?”

Após a peça, as mulheres saíram em caminhada pelas ruas da cidade. Foi feita uma parada no meio do percurso para uma homenagem à Margarida Maria Alves, sindicalista assassinada a tiros a mando de latifundiários da região em 1983. Margarida dedicou sua vida à luta pelos direitos dos trabalhadores rurais e, em especial, às mulheres. Presidente do sindicato rural do município vizinho, Alagoa Grande, a memória da liderança inspira até hoje a luta camponesa por mais direitos.

Dona Quinca (à esquerda), que lutou ao lado de Margarida, resgatou a trajetória da companheira e reafirmou a luta para manter as conquistas de Margarida | Foto: Luciano Silveira/ASPTA

Segurando flores em apologia ao seu nome, um grupo de mulheres cantou a letra “Canção pra Margarida” do cantor e compositor de Zé Vicente. A agricultora Maria de Lourdes de Sousa ou dona ‘Quinca’ como é conhecida, de 66 anos, liderança do sindicato dos trabalhadores rurais de Alagoa Nova, que lutou ao lado de Margarida, fez uma fala resgatando a trajetória da companheira sindicalista e reafirmando o compromisso de seguir lutando para manter as conquistas de Margarida. Quase 40 anos depois de sua morte, as mulheres se encontram novamente no Brejo Paraibano para voltar a lutar, agora pela manutenção dos direitos já conquistados. Surgiram mulheres segurando enxadas com lenços lilás que gritaram palavras de ordem e de rechaço à reforma da Previdência. Foram lembrados os nomes dos 11 deputados federais paraibanos que ainda não se posicionaram contra a proposta na Câmara dos Deputados, exigindo o voto contrário.

A caminhada seguiu até a Praça João Pessoa, no Centro de Alagoa Nova, onde em um segundo palco montado no local houve o show de Lia de Itamaracá, acompanhada pelas também cirandeiras conhecidas como “As filhas de Baracho”, considerado o Rei da Ciranda. Com muita animação, as participantes da marcha dançaram ao ritmo da ciranda e do coco de roda. Visitaram ainda a feira de “sabores e saberes” com venda e exposição de produtos e experiências de mulheres trabalhadoras dos municípios do Polo da Borborema.

A mística de encerramento mostrou um grupo de mulheres que tem uma caminhada histórica de luta e resistência pela agricultura familiar na região. Empunhando suas enxadas, elas gritaram “Margarida virou 100, Margarida virou mil, Margarida virou milhão!”. Em um gesto simbólico, as mulheres de idade entregaram suas enxadas para mulheres jovens para dizer que a luta de Margarida precisa continuar pelas mãos da juventude. “A gente quer sair daqui levando a mensagem de que a enxada não é um símbolo de sofrimento. Mas o nosso instrumento de trabalho, na nossa missão de produzir o alimento. Pra nós, ela é sagrada e símbolo de luta, de vida e de esperança”, afirmou Roselita Vitor, da coordenação do Polo.

Para Adriana Galvão Freire, assessora técnica da AS-PTA e da coordenação da Marcha, um dos grandes legados das oito edições da Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia é a consolidação do protagonismo das mulheres na luta política assumida pelo Polo da Borborema, a partir de sua atuação no movimento sindical: “Hoje em dia, as mulheres estão cada vez mais presentes nos espaços de poder, na presidência e nas direções dos sindicatos e das associações, como gestoras de fundos rotativos solidários e de feiras agroecológicas. Hoje, os sindicatos do território não têm mulheres em seus espaços por uma questão de cota, mas sim porque entendem a importância e o papel das mulheres na construção do seu projeto político”, frisou.