Por Neto Santos - comunicador FPCSA
Quando se faz o cálculo dos seis últimos anos com chuvas abaixo da média no Semiárido Brasileiro, significa dizer que já se passam mais de mil e cem dias em que as famílias agricultoras lutam, criam e se mobilizam para conviver com um fenômeno que se mistura com a história deste mesmo povo: as fortes estiagens.
E como explicar diante de tanto tempo com poucas chuvas ver um povo com sua semente crioula guardada? Uma carne de bode na panela temperada com um cheiro verde, produzido no quintal de casa? E na mesa um doce caseiro quase sempre exclusivo daquela comunidade ou região? Pra ver ou sentir como é possível isso acontecer na mesa de tantas famílias, se faz necessário ir até as pequenas propriedades para uma boa prosa com a família.
Nas comunidades rurais do Semiárido é fácil encontrar ao lado da casa ou quintal, uma tecnologia de captação de água e ver também que isso é possível graças à maneira de conviver com a realidade local, aproveitando de maneira sustentável o que a natureza oferece.
Esta matéria traz o exemplo de três famílias da região norte do Piauí que com muita simplicidade, contam o que precisa ser feito para garantir o alimento da família e também gerar renda, utilizando técnicas que consomem pouca água e fazendo o planejamento da propriedade. O exemplo vem dos municípios de Milton Brandão e Pedro II, localizados no território dos Cocais, região norte do Piauí a pouco mais de 200 km da capital, Teresina.
Começamos pela família de dona Ana Lúcia e seu Francisco das Chagas que reside na comunidade Palmeira dos Ferreiras, a 18 km do município de Pedro II. Na casa da família vivem 05 pessoas. Juntos, eles trabalham diariamente na produção familiar.
Dois fatos são marcantes nesta propriedade: o primeiro deles é que a família trabalhou por mais de 20 anos para um fazendeiro, mas que por anos se planejou para ter sua terra própria. “Tudo que a gente ganhava, a gente ia juntando até que um dia foi possível comprar algumas hectares de terra, depois disso dialogamos com o patrão, entregamos nossos trabalhos bem direitinho, deixamos boas amizades com nosso ex-patrão e viemos morar na nossa terra própria”, disse dona Ana Lúcia.
O segundo fato foi o anseio de produzir hortaliças na propriedade para o consumo da família e também para garantir uma renda extra. Porém, diante do sonho havia a pouca oferta de água. Para alcançar a meta, a família resolveu lutar por uma horta sombreada - prática de produção agroecológica que economiza até 50% no consumo de água. O desejo foi realizado, e atualmente a família de dona Ana Lúcia e seu Francisco das Chagas têm uma horta sombreada, produz para o consumo familiar e também comercializa nas comunidades vizinhas. Além do quintal produtivo com várias fruteiras, a família cria bodes, galinhas e capote, (guiné).
No mesmo território, outra família vem dando exemplo de como superar e conviver com os tempos de estiagem. É a família de José Pascoal do Assentamento Barra do Rio, localizado no município de Milton Brandão. Pascoal disse que para continuar com seu quintal produtivo teve que fazer a substituição de algumas plantas. “Nós aqui tivemos que abandonar o plantio de alguns coqueiros e priorizar outras plantas. A água que um pé de coco consome por dia dá pra abastecer cinco outras fruteiras como a acerola e até a laranja”, disse. Pascoal e sua família também cultivam uma área de 30X12 metros de horta sombreada. É lá onde produzem cheiro verde e vendem para o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Um outro exemplo de fortalecimento da agricultura familiar vem do sítio agroecológico Barro dos Lopes a 09 km da sede do município de Pedro II onde a família de seu Raimundo Moreira de Oliveira, mais conhecido como seu Oliveira também ensina como conviver com as adversidades do clima. Lá a prática de produzir hortaliças é tão eficaz que mesmo diante das poucas chuvas dos últimos anos, a família vem ampliando sua produção. Primeiro, a família de seu Oliveira e dona Conceição, sua esposa resolveu plantar o milho e o feijão no modelo de roça agroecológica -sem queimadas e sem desmatar áreas nativas - pois todo ano o casal planta na mesma área e faz a cobertura da terra com folhas, o que ajuda as plantas suportarem até 25 dias sem chuva.
A produção deu tão certo que nunca mais seu Oliveira perdeu plantação. “Nem me lembro de quando perdemos uma plantação aqui. E todo ano produzimos feijão o suficiente para alimentar a família de um ano para o outro”, diz todo contente. Agora o novo amor de seu Oliveira e dona Conceição é a horta sombreada. “Aqui nós começamos com 50 canteiros entre cebolinha, alface e coentro. Hoje temos mais de 100 canteiros com essas culturas e se tivesse mais eu venderia tudo”, afirmou confiante o agricultor. Seu Oliveira abastece vários sacolões na cidade com alface, cebolinha e coentro.
Das três famílias aqui apresentadas, apenas seu Oliveira e dona Conceição do sítio agroecológico Barro dos Lopes já contam com as duas cisternas de placas para captação da água da chuva para o consumo humano e produção. As famílias de dona Ana Lúcia e também do José Pascoal ainda aguardam esse bem precioso ao lado de suas casas. “Eu conto os dias para ter uma cisterna em casa, sei que mais cedo ou mais tarde ela chega”, diz dona Ana Lúcia com um sorriso no rosto. A principal fonte de água que alimenta os quintais produtivos destas famílias ainda é o poço tubular. Com a chegada da cisterna de placa, todas essas histórias podem e devem ficar ainda melhor.
O modelo de roças sem fogo, com cobertura de folhas ou restos de palhas de carnaúbas para manter o chão úmido por mais tempo, tem se espalhado nos quintais da região. Nos últimos três anos, só no de município de Pedro II, já existem 16 unidades das hortas sombreadas – a tecnologia economiza até 50% de água, gera uma boa renda familiar, e dá oportunidade para que várias famílias tenham acesso a hortaliças sem agrotóxicos. Essas práticas são exemplo de que as poucas chuvas que tem caído na região Semiárida, nos últimos seis anos, não limitaram o saber, a capacidade, a esperança e a produção das famílias agricultoras.
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