Milhos da Paixão
01.10.2019 PB
Pesquisa aponta Borborema como zona de conservação no país e descobre quatro raças de milho endêmicas

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Por Comunicação da ASPTA

A pesquisa denominada “Raças de Milho das Terras Baixas da América do Sul”, realizada entre 2017 e 2018 no Brasil e no Uruguai, concluiu que das 15 raças identificadas no nosso país, pelo menos quatro só são encontradas no território da Borborema, Agreste da Paraíba. O estudo foi realizado pelo Interabio – Grupo Interdisciplinar de Estudos da Agrobiodiversidade associado à Universidade de São Paulo – USP e pela Universidade da República do Uruguai, em parceria com a AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia e o Polo da Borborema, uma rede de 13 sindicatos de trabalhadores rurais, que há mais de 20 atuam pelo fortalecimento de um território agroecológico. Atualmente, na região existe uma rede de 62 Bancos de Sementes Comunitários, articulados pela Comissão de Sementes do Polo.

No mês de setembro, os resultados do estudo foram socializados com cerca de 100 representantes dos bancos de sementes da Borborema durante um encontro de guardiãs e guardiões das “Sementes da Paixão”, nome que recebem na Paraíba as sementes crioulas, selecionadas e preservadas pelas famílias agricultoras há várias gerações.

Estiveram à frente do trabalho, as pesquisadoras Flaviane Malaquias Costa, do Laboratório de Genética Ecológica de Plantas do Departamento de Genética da USP e Natália Almeida, professora da Universidade da República do Uruguai. O estudo considera a raça como um indicador de diversidade e a partir da relevância do milho para a humanidade e seus inúmeros usos, a pesquisa teve como objetivos descobrir quais são as raças de milho existentes atualmente, se surgiram novas raças e se regiões como a do Polo podem ser consideradas microcentros de diversidade.

De acordo com as pesquisadoras, o último levantamento sobre raças de milho data do ano 1977 e havia identificado 12 raças de milho e 32 sub-raças no Brasil e regiões adjacentes. Aqui participaram da pesquisa atual os estados do Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Acre, Rondônia, Minas Gerais e Paraíba. “O nosso critério de escolha dos locais foi o de trabalhar onde já existiam trajetórias de conservação das sementes. Realizamos entrevistas e coletas de espigas, buscando entender as formas de plantio, os sistemas consorciados e as distintas estratégias de armazenamento”, explica Natália Almeida.

Resultados na Borborema - Na Paraíba, foram entrevistados 20 guardiões e guardiãs de sementes de sete municípios (Alagoa Nova, Arara, Esperança, Montadas, Queimadas, Remígio e Solânea). Ao todo, 68 variedades foram mapeadas, destas, 58 foram coletadas e 48 caracterizadas. A pesquisa analisou 17 características principais das espigas e dos grãos, tais como: arranjo e números por fileira, cores, tipos, formatos, comprimento e diâmetro, entre outras. Das 15 raças e suas 359 variedades existentes no Brasil, 68 são encontradas na Borborema, o que significa um percentual de 18% do que foi mapeado e uma média de duas variedades conservadas por agricultor. 58% das variedades são consideradas raras, por serem únicas.

Outro dado que chamou a atenção, foi o número de nomes das variedades, dos 124 encontrados no Brasil, 17 são da Borborema e 76% dos nomes das variedades são exclusivos da região, o que aponta para uma expressiva diversidade local. Com relação à cor dos grãos, das 11 identificadas no Brasil (amarelo, alaranjado, amarelo claro, vermelho, preto e branco), seis existem na Borborema. Com relação ao tipo de grão, dos oito identificados (dentado, semi-dentado, semi-duro, duro, pipoca e farináceo), seis também são encontrados no território.

“Podemos afirmar com certeza que a região do Polo da Borborema é uma zona de conservação da biodiversidade no Brasil. Espero que o território possa usar estas informações para dar passos cada vez maiores”, comentou Natália Araújo.

Origem das Sementes - A pesquisa também analisou a origem desta diversidade de sementes e concluiu que as principais fontes são internas, ou seja, são herdadas pelos pais e avós (34%) ou conseguidas através dos bancos de sementes (31%), o que segundo as pesquisadoras é um indicador de que os guardiões tem conseguido êxito na preservação deste enorme patrimônio genético. A pesquisa também concluiu que o destino das sementes é a alimentação humana, ou seja, a garantia da segurança alimentar, sendo 34% para o autoconsumo da família e 34% para alimentação animal.

Raças exclusivas da Borborema - Das 15 raças de milho caracterizadas pelo estudo, nove são antigas, ou seja, já haviam sido identificadas no levantamento de 1977 e seis são novas. Das quatro raças que só podem ser encontradas na Borborema, duas são antigas (pontas e cateto) e duas são novas (farinácea e dentada).

“Este é um sinal de que estamos conseguindo proteger raças que não são conhecidas no Brasil, nossa responsabilidade só aumenta e a pesquisa é importante para que a gente faça essa descoberta juntos”, comentou Euzébio Cavalcanti, guardião do Assentamento Queimadas, integrante da Comissão de Sementes do Polo da Borborema e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Remígio-PB.

Material coletado - As pesquisadoras informaram que como todas as análises estão concluídas, as sementes coletadas encontram-se guardadas na câmara fria da universidade à inteira disposição das famílias agricultoras, para o caso da necessidade de resgate devido á perda de alguma variedade. “Pelos Bancos de Sementes Comunitários não circulam apenas sementes, circulam histórias, saberes, solidariedade e vemos como é cada vez mais necessário que haja pesquisas solidárias e não ‘solitárias’”, completou Natália.