Ecologia de saberes entrelaça conhecimentos ancestrais e acadêmicos no Terreiro de Inovações Camponesas

O espaço reúne 60 experiências de todo o país durante o 13º CBA; 47 são do Semiárido brasileiro, que segue inspirando com criatividade, resistência e tecnologias sociais.

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Miguel Cela | ASACom

Inovações camponesas são tecnologias, processos organizativos, métodos e engenhosidades criativas inventadas e usadas por agricultoras e agricultores com objetivo de melhorar o rendimento do trabalho com baixo impacto nos corpos e meio ambiente. As cisternas são exemplo vivo dessa experimentação. Criada por agricultores, hoje são mais de 1,2 milhão de reservatórios construídos em todo o Semiárido brasileiro, experiência que vem sendo replicada em outras regiões do país, como Amazônia e Centro-Oeste.

“Inovação para mim é a gente tá aprendendo uns com os outros, criando também formas de melhorar as condições de trabalho da gente e de aproveitar melhor a produção”, conta Florisval Costa, agricultor de Alagoas. Ele desenvolveu uma técnica para o beneficiamento das sementes de moringa, que precisam ser descascadas uma a uma antes da produção do óleo e de outros produtos.

“A primeira semana que eu comecei descascar [as sementes], batendo com pauzinho uma por uma, eu descasquei 1,5 L de sementes. Mas depois veio a ideia de fazer uma tecnologia simples para aproveitar melhor e fazer mais rápido”, conta. “Arrumei uma peneira de peneirar areia de pedreiro, peguei uma empenadeira, revesti com uma telazinha.” A peneira adaptada possibilitou que o agricultor descascasse seis vezes mais sementes: “eu consegui descascar 10 kg de sementes em um só dia”, quantidade suficiente para a produção de 1 L de óleo de moringa.

Seu Florisval está apresentando a inovação dele para descascar sementes de moringa. a inovação é uma peneira que, ao esfregar as sementes, elas caem descascadas.
Seu Florisval apresentando inovação para descascar sementes de moringa. Foto: Retake/Acervo ASA

Para Roselita Vitor, agricultora, sindicalista e coordenadora executiva da ASA, “trazer os agricultores e as agricultoras para esse momento, dentro do Congresso Brasileiro de Agroecologia [CBA], é também abrir um diálogo de saberes, de construção coletiva, de que um saber não sobrepõe o outro, mas que os saberes se completam, se ajudam, se constroem”.

Ao olhar para o Semiárido de hoje e comparar as paisagens e realidades com vinte ou trinta anos atrás, vemos a nítida transformação realizada no território. Pela estrada, cisternas de primeira e segunda águas foram construídas próximas às casas. Nas comunidades o verde toma conta dos canteiros e nenhuma gota de água é desperdiçada. O Semiárido mudou muito e a maior parte dessa transformação foi realizada pelas agricultoras e agricultores que vivem e resistem nos diferentes territórios.

“Quem mudou a Semiárido foram as experimentações dos agricultores e agricultoras”, ressalta Naidison Baptista, coordenador executivo da ASA. Relembrando a história da articulação, Naidison conta que a rede surgiu para ajudar a sistematizar e transformar esses conhecimentos em políticas públicas.

Para evidenciar as invenções e experimentações camponesas, desde 2019, a ASA realiza o Terreiro de Inovações Camponesas, metodologia posta em prática pela primeira vez durante o 5º Encontro Nacional de Agricultoras e Agricultores Experimentadores, realizado em Juazeiro do Norte, no Ceará, e que vem sendo adotada pelo CBA desde a 11ª edição, em 2019.

“As tecnologias inventadas pelos agricultores e agricultoras que transformaram o Semiárido brasileiro.” Naidison Baptista (ASA)

Com inscrições de todo o Brasil, este ano o Terreiro recebe 60 experiências. As do Semiárido somam 47, o que representa 78% do total. 

Veja o episódio da TV Semiárido sobre as invenções camponesas no 13º CBA!

Ecologia de saberes

A valorização dos conhecimentos de agricultores e agricultoras, povos indígenas, quilombolas, fundo e fecho de pasto, e outras comunidades tradicionais propõe um entrelaçamento entre os saberes. A vinculação de saberes da academia, do campo e da cidade contribuem para a construção de territórios mais justos e para a mitigação dos efeitos da emergência climática.

Adriela Dantas é agricultora e veio do Piauí para mostrar que é possível produzir remédios a partir de plantas e ervas medicinais gastando pouco, ou quase nada. “Tenho um quintal de plantas medicinais, juntamente com a minha família, e ali nós produzimos vários xaropes, garrafadas, tinturas e desidratamos ervas”, conta.

Participar do Terreiro é uma oportunidade de levar “a nossa experiência que lá tá só no nosso local, aqui a gente pode expandir para outros lugares”. A inovação de Adriela é a medicina alternativa: “levar saúde para as pessoas, aquilo que eles poderiam comprar em uma farmácia, muitas vezes eles têm o seu próprio quintal e eu posso falar para eles que podem cuidar da saúde sem estar gastando muito ou gastando quase nada”, finaliza.

“Um saber não sobrepõe o outro, mas se completam, se ajudam, se constroem.” Roselita Vitor (ASA)

Foto: Retake/Acervo ASA
Foto: Retake/Acervo ASA
Foto: Retake/Acervo ASA
Foto: Retake/Acervo ASA
Foto: Retake/Acervo ASA
Foto: Retake/Acervo ASA

Semiárido no Terreiro

Entre as experiências do Semiárido, estão práticas que envolvem o manejo agroflorestal e tecnologias de reuso de água, bioinsumos, agroindústrias familiares, comunicação popular e pessoas guardiãs de sementes crioulas.

O destaque é a presença de iniciativas vindas de Minas Gerais (17 experiências), Ceará e Paraíba (9 cada), além de Bahia (3), Alagoas (4), Maranhão (2), Piauí (1) e Pernambuco (1).

Cada invento é uma história de luta e resistência, reafirmando que as inovações também nascem nos quintais, nas cozinhas, nas comunidades e nas casas de sementes, onde o saber popular se alia à pesquisa e à experimentação cotidiana.

13º CBA

Nesta 13ª edição, em Juazeiro (BA), o CBA é realizado pela Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), com organização local da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa), do Serviço de Assessoria a Organizações Populares (Sasop), da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), da Universidade do Estado da Bahia (Uneb de Juazeiro), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do Movimento dos Pequenos e Pequenas Agricultoras (MPA), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano (IFSertãoPE) e Rede de Agroecologia Povos da Mata . 

O Congresso conta patrocínio da Fundação Banco do Brasil e do  BNDES e apoio do Governo Federal por meio dos Ministérios da Saúde, Igualdade Racial, Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, e Desenvolvimento e  Assistência Social, Família e Combate à Fome, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e FioTec, e Prefeitura Municipal de Juazeiro; e Governo do Estado da Bahia, por meio do Programa Bahia sem Fome e Bahia Turismo.

Conta também com a contribuição de representantes de diversas organizações, redes e articulações da sociedade civil, instituições de ensino, movimentos sociais populares e comunidades tradicionais.

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