Programa Cisternas e adaptação às mudanças climáticas são temas de debate no primeiro dia do Semiárido Show

Em debate marcado pela comemoração de avanços do Programa Cisternas, MDS anuncia a meta de chegar a 1,5 milhões tecnologias construídas.

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Lívia Alcântara/Asacom e Lorena Simas/Irpaa

No primeiro dia do Semiárido Show, principal feira de inovação da agricultura familiar, que acontece em Petrolina (PE) de 26 a 29 de agosto, a conexão do Programa Cisternas com desafios impostos pelas mudanças climáticas foi tema de debate entre representantes da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), pesquisadores e o governo federal, representado pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) e pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA).

Para Alexandre Pires, Diretor de Combate à Desertificação, o Programa Cisternas, desde sua criação, é uma estratégia fundamental no combate à desertificação, que pode ser entendida como a perda de fertilidade do solo devido a sua degradação. Processo que vem sendo intensificado, principalmente no bioma Caatinga, por fatores como desmatamento, queimadas, uso inadequado do solo, e estiagens prolongadas.

“Já em 2004, o Plano Nacional de Desertificação estabeleceu uma série de metas para contribuir com o processo de combate à desertificação e adaptação climática. Uma das metas que o programa previu foi alcançar a construção de 1 milhão de cisternas”, destaca Alexandre Pires.

A estocagem de água para beber e plantar, incentivada pelo Programa Cisternas, junto com outras estratégias e tecnologias, como os bancos de sementes e os sistemas de reúso de água, permitem às famílias do Semiárido brasileiro produzirem de forma adaptada às condições climáticas do Semiárido e, ao mesmo tempo, cuidarem da perpetuação da biodiversidade nos biomas existentes ali.

A retomada do Programa Cisternas

Assinatura do termo de recebimento das cisternas pelas agricultoras Maria Marlene de Souza Santana (BA) e Maria Lindaci Sousa Lima (AL) durante celebração do Programa Cisternas no Semiárido Show. Foto: Rodolfo Rodrigo/ASA.

O evento foi marcado pela comemoração das quase 190 mil tecnologias hídricas em construção após a retomada do Programa Cisternas no atual governo. Cícero Félix, integrante da coordenação da ASA e do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA), relembra que no período do desgoverno, o programa só não foi destruído, pois já havia se tornado uma política de Estado, através de muita luta da sociedade civil organizada, da ASA, movimentos sociais e movimentos populares.

Cícero conta que durante o último período eleitoral, a ASA construiu um documento, tendo como ponto principal, a retomada imediata do Programa Cisternas, mas a entrega ao então candidato Lula não estava sendo fácil. “Onde Lula ia fazer campanha, tinha uma agricultora ou um agricultor falando pra ele enquanto candidato: presidente o senhor foi muito bom, mas não esqueça das cisternas! E foi assim em vários lugares. Então pensamos, o documento está sendo entregue por quem é de direito, os agricultores e agricultoras do Semiárido brasileiro”, conta Cícero entusiasmado com a força do povo nos processos de conquista de direitos. 

Representando simbolicamente essas famílias, as agricultoras Maria Marlene Santana (BA) e Maria Lindaci Lima (AL) assinaram os termos de recebimento das suas tecnologias.

“Mudou a minha vida! Hoje eu tenho água de qualidade, boa, sadia para eu beber. Antes era sofrido”, declarou dona Lindaci, que chama carinhosamente sua cisterna de “pombinha branca” e viajou de Mata Grande (AL) até o sertão de Pernambuco para participar do Semiárido Show.

Lilian Rahal (MDS) com a agricultora Maria Lindaci Sousa durante a celebração do Programa Cisternas no Semiárido Show. Foto: Vagner Gonçalves – Comunicação do IRPAA.

Ao seu lado, Clarice da Silva Duarte, da comunidade tradicional de Fundo de Pasto Curral Novo, município de Juazeiro (BA), comemorou o fato de hoje poder plantar após a chegada da sua cisterna de produção, mas lembrou que ainda nem todas as famílias possuem a tecnologia:

“Hoje nós temos a possibilidade de plantar, de cultivar coentro, alface, beterraba, tudo o que você quiser. Tem o viveiro, tem o galinheiro, tem o aprisco, tem a Bioágua, [sistema e reúso de águas cinzas]. Se todo mundo adquirisse essa cisterna não iria carregar mais lata d´ água na cabeça, porque ainda tem lugar que tem pessoa com lata na cabeça”.

Para Lilian Rahal, secretária Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o Programa Cisternas faz parte de um conjunto de políticas públicas do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome que visam garantir a segurança alimentar e reduzir a pobreza e extrema pobreza. Na ocasião, ela anunciou a meta de chegar a 1,5 milhões de cisternas construídas no próximo ano:

“Quando a gente chegou a 1 milhão de cisternas, a gente viu que não era o bastante. A gente espera chegar ao ano que vem em 1,5 milhões de famílias”, projeta Lilian Rahal.

Novos rumos

O Programa Cisternas, embora tenha nascido a partir da experiência de agricultoras e agricultores da ASA, foi adaptado para outras regiões do país, como para a Amazônia e para o sul do Brasil. A política pública também é uma referência para outros países do mundo comprometidos em reduzir a pobreza e a fome.

Inspirado na experiência de troca de saberes entre agricultores, que está na base da forma de trabalhar da ASA, Alexandre Pires quer encampar um programa de intercâmbios entre governos, pesquisadores e comunidades vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas.

“O contexto das mudanças climáticas no Brasil e no mundo hoje, está exigindo da gente a formatação de um programa de intercâmbio de experiências sobre resiliência e adaptação às mudanças climáticas do Semiárido brasileiro com outras regiões do Brasil e do Mundo”, frisa Alexandre Pires.

Alexandre Pires, Diretor de Combate à Desertificação fala sobre a importância do Programa Cisternas para adaptação climática, durante Semiárido Show. Foto: Vagner Gonçalves – Comunicação do IRPAA.

Pesquisa científica à serviço do Semiárido

Durante o evento, que buscou fazer um balanço do Programa Cisternas, Breno Sampaio, pesquisador do Grupo de Assessoria, Planejamento e Pesquisa Econômica da Universidade Federal de Pernambuco (GAPPE/ UFPE) apresentou um cruzamento de grandes bases dados que demonstram o impacto socioeconômico da chegada das cisternas na vida das famílias do Semiárido.

Professor Breno Sampaio, durante apresenta avaliaçãodo Programa Cisternas no Semiárido Show. Foto: Vagner Gonçalves – Comunicação do IRPAA.

Segundo suas investigações, além de reduzir o tempo gasto por mulheres e meninas para buscar água longe de casa, as cisternas provocaram uma redução de 18% da taxa de mortalidade e de 13 a 22% na taxa de migração. Além disso, impactam positivamente no mercado de trabalho. Os dados apontam um aumento de 16% no emprego formal e 8% em salário mensal, após a chegada das tecnologias.

Embora muitos destes impactos sejam conhecidos, a pesquisa conduzida por Breno Sampaio combina análises de bases de dados do país inteiro com um longo recorte temporal de análise, conectando o Programa Cisternas com outros indicadores como mortalidade, renda, emprego, estudos, dentre outros. 

“Existem diversos indicadores que se você não tiver uma grande massa de dados, você não consegue identificar. Pensa em mortalidade, você dá um programa para 100 pessoas e daqui um ano nenhuma das 100 morreu. Significa que o programa é super efetivo em reduzir a mortalidade? Não, porque o evento da morte é um evento raro, então você precisa de muita observação, milhões de informações para poder identificar estes efeitos”, explica o pesquisador Breno Sampaio.

Para além da avaliação de políticas públicas, pesquisadoras e pesquisadores da Embrapa têm sido aliados importantes da Convivência com o Semiárido e se empenhado no aprimoramento de tecnologias sociais e desenvolvimento de técnicas de plantio e criação de animais para a agricultura familiar. Pedro Gama, que há 40 anos é pesquisador da Embrapa e foi parceiro no desenvolvimento do Programa Cisternas, lembrou o quanto a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária aprendeu a produzir conhecimento juntamente com os agricultores:

“Não bastava gerar a pesquisa, divulgar e o agricultor adotar. A gente aprendeu logo que não era assim, que era preciso interagir”, relembra Pedro Gama.

Para Lilian Rahal, o Programa Cisternas é uma experiência exitosa, em grande parte, porque foi desenvolvida pela sociedade civil em parceria com o poder público e pesquisadores: “Essa parceria com a sociedade civil nos permite chegar onde nem sempre o poder público consegue chegar sozinho”.

Celebração e balanço do Programa Cisternas no Semiárido Show. Foto: Vagner Gonçalves – Comunicação do IRPAA.

Confira a vídeo reportagem sobre o Semiárido Show

O Semiárido Show

O Semiárido Show é realizado pela Embrapa e, nesta edição, conta com a parceria do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa). Os patrocinadores do evento são: Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome; Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar; Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação; Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES); Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf); Banco do Nordeste; Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene); Companhia Nacional de Abastecimento (Conab); Banco do Brasil; e Governo do Estado da Bahia.

Celebração e balanço do Programa Cisternas no Semiárido Show. Foto: Vagner Gonçalves – Comunicação do IRPAA.

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