“Nós sabemos cuidar do que é nosso!”

Durante plenária sobre inovação camponesa, agricultoras/es mostram como práticas locais têm contribuído para a solução de problemas globais

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Fernanda Cruz | ASACom

Iracema Lima vive na comunidade de Malhada da Areia, em Juazeiro (BA), mesmo território que acolhe a 13ª edição do Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA). Lá a comunidade mantém viva uma forma ancestral de convivência com o Semiárido, baseada no uso coletivo da terra, na ajuda mútua entre famílias e na proteção dos bens comuns da natureza, porém bastante ameaçada pelo agronegócio e pela crise climática: os fundos e fechos de pasto. 

Foi um pouco dessa experiência de uso e cuidado coletivo da terra, a partir do recaatingamento, que Iracema compartilhou na plenária das/os Agricultoras/es Experimentadoras/es que falou sobre “Inovação Camponesa na Construção de Sistemas Resilientes às Mudanças Climáticas e Produção de Alimentos”, na tarde desta sexta-feira (17). 

“É muito bom falar da gente. Falar do nosso modo de vida. Tenho muito orgulho de saber que o que a gente faz serve pra outros lugares, até para outros países”, conta a agricultora, que já recebeu visitantes de sete países para conhecer a experiência. 

Assim como Iracema, Adailma Ezequiel Pereira, de Queimadas (PB), também mostrou como práticas locais podem contribuir para a sustentabilidade de quem vive no campo. Ela explicou que foi feito um processo de formação local e de fortalecimento e valorização de práticas já existentes a partir do resgate da história das próprias comunidades. Elementos como: a constituição do grupo; como as pessoas vinham lidando com as secas ao longo dos anos; quais os bens comuns existentes. E também os espaços de uso comum: posto de saúde, escola, etc. 

Tudo isso ocorreu no período da pandemia do coronavírus e gerou um trabalho de experimentação no arredor de casa, a partir de tecnologias simples: reúso de água, telas para pequenos animais e canteiros econômicos, valorização de pequenos animais, fogão agroecológico, diversidade produtiva, incluindo plantas forrageiras. 

Já Romualdo José Macedo, mais conhecido como seu Dadinho, da Zona da Mata Mineira, mostrou como vem se organizando e resistindo aos eventos climáticos extremos, a partir dos Sistemas Agroflorestais, mais conhecidos como SAFs. 

Mapeamento

O que essas experiências têm em comum é que a solução para os problemas não estão fora do seu território nem precisaram de intervenções complexas, como aponta o Mapeamento Agroecologia, Território e Justiça Climática, organizado pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).

A pesquisa-ação, que chegou em aproximadamente 500 territórios e envolveu mais de 20 mil pessoas, identificou, entre outros dados, que a construção de sistemas alimentares estão baseadas em valores de cooperação, solidariedade e complementaridade com a natureza; 35% das experiências reafirmam a responsabilidade da agroecologia na promoção da segurança alimentar; e um reconhecimento de que suas práticas contribuem para o enfrentamento das mudanças climáticas, seja no âmbito da adaptação, mitigação ou promoção da justiça climática. 

“Ninguém aqui falou sozinho da sua experiência, todo mundo falou de coletivo, todo mundo falou de organização, de rede, de sindicatos, de associações, ou seja, inovação camponesa é uma coletividade construída no território, nessas saídas. Nós não teremos soluções globais para os problemas globais. As soluções para os problemas globais são locais, mas não só a partir de uma única solução”, destaca Paulo Petersen, integrante da AS-PTA e da ANA. 

Os resultados do mapeamento também colocam em cheque a narrativa do agronegócio de ser responsável por alimentar o país. Além de não cumprir esse papel, o estudo mostra que as grandes empresas e corporações são responsáveis por propagar conflitos, impulsionar o uso de agrotóxico (55,5%), os monocultivos (42,3%) e a contaminação por transgênicos (24,5%). 

Helena Rodrigues, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e integrante do GT de Agroecologia e Justiça Climática da ANA, explica que “cuidar da natureza é um dos princípios da produção de alimentos na agroecologia e entender que transformar os sistemas alimentares é fundamental porque o problema da fome, da insegurança alimentar e nutricional e o problema das mudanças climáticas são os mesmos. A gente precisa saber olhar para isso de forma integrada e inclusive entender como a agroecologia está respondendo a tudo isso de forma integrada desde os territórios”.

Para Paulo Petersen, a inovação camponesa precisa ser valorizada como elemento estratégico para o enfrentamento do problema da soberania alimentar.

“Não tem uma solução para o clima e outra para a alimentação, mas a solução é a mesma, é o fortalecimento das comunidades, das organizações. Agora, nós estamos dentro de um congresso científico que está dialogando com instituições de pesquisa, universidades, temos muitas unidades da Embrapa aqui, nós temos institutos federais, escolas, que estão interessados em se juntar nessa luta”, defendeu Petersen. 

O Mapeamento Agroecologia, Território e Justiça Climática está disponível neste link e é um importante instrumento de mobilização dos territórios.

“É fundamental a gente ter esse material que combina informações quantitativas e qualitativas para dialogar com pessoas que são de movimentos sociais, são da pauta ambientalista, mas não necessariamente conhecem a agroecologia”, explicou Helena. 

📺 Assista ao episódio da TV Semiárido sobre as inovações camponesas no 13º CBA:

13º CBA

Nesta 13ª edição, em Juazeiro (BA), o CBA é realizado pela Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), com organização local da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa), do Serviço de Assessoria a Organizações Populares (Sasop), da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), da Universidade do Estado da Bahia (Uneb de Juazeiro), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do Movimento dos Pequenos e Pequenas Agricultoras (MPA), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano (IFSertãoPE) e Rede de Agroecologia Povos da Mata . 

O Congresso conta patrocínio da Fundação Banco do Brasil e do  BNDES e apoio do Governo Federal por meio dos Ministérios da Saúde, Igualdade Racial, Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, e Desenvolvimento e  Assistência Social, Família e Combate à Fome, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e FioTec, e Prefeitura Municipal de Juazeiro; e Governo do Estado da Bahia, por meio do Programa Bahia sem Fome e Bahia Turismo.

Conta também com a contribuição de representantes de diversas organizações, redes e articulações da sociedade civil, instituições de ensino, movimentos sociais populares e comunidades tradicionais.

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