No Dia Mundial da Alimentação, painel reforça a importância das sementes crioulas e reforma agrária para o futuro dos alimentos

Painel no 13º CBA celebrou a diversidade, a memória afetiva e o papel das mulheres na preservação das sementes do Semiárido

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Gabriela Reis/Rede de Comunicadoras/es do Semiárido

Na manhã desta quinta-feira (16), Dia Mundial da Alimentação e segundo dia do 13º Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA), o campus da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), em Juazeiro (BA), reuniu pessoas de diferentes regiões do Brasil. A sala do Painel 3, “Cultivar e Proteger a Diversidade do Sistema Agroalimentar”, estava cheia, com agricultoras/es, guardiãs/ãos de sementes, pesquisadoras/es e ativistas compartilhando histórias e saberes. O espaço, marcado pelo encontro de vozes do sertão nordestino, da Amazônia e dos manguezais, tornou-se um ponto de convergência para discutir soberania alimentar.

Roselita Vitor, agricultora e coordenadora executiva da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), abriu o painel com uma reflexão: “Quando falamos de sistema alimentar, falamos de memória afetiva. É aquela comida que a gente comia na infância.” Suas palavras conectam alimentação à identidade e ao pertencimento. O feijão-de-corda cozido na lenha, a macaxeira assada, o umbu colhido no quintal, esses sabores carregam a memória de um povo que resiste a um modelo agrícola que prioriza o lucro acima da vida.

Para Roselita, as sementes crioulas, preservadas por comunidades rurais, são centrais nessa resistência. “As sementes têm memória de como se adaptar às regiões, mas também têm a conexão das mulheres,” destacou, apontando o papel das guardiãs na preservação da diversidade genética. Uma única família, exemplificou a agricultora, pode cultivar 28 tipos de macaxeira, cada um com sabor, textura e história próprios.

Marilene Nascimento, da ASA Paraíba, acrescentou: “Precisamos entender que as coisas não estão dissociadas. Os animais precisam da vegetação, a vegetação é alimento e remédio para eles. Pensar em sistema alimentar é considerar que está tudo conectado.” 

Alternativa ao agronegócio

As palavras de Marilene desenham um sistema agroalimentar que vai além de plantar e colher, envolvendo relações entre terra, água, sementes e pessoas. Essa perspectiva contrasta com o avanço do agronegócio no Brasil, que, com monoculturas de soja, milho e cana, tem tomado territórios, expulsado comunidades e comprometido a soberania alimentar. A lógica do lucro, que transforma sementes em patentes e terras em commodities, ameaça a diversidade genética e cultural que sustenta uma alimentação de qualidade e acessível.

O agronegócio, além de concentrar terras, também restringe o acesso à água. Projetos de irrigação e a instalação de usinas de energia eólica e solar em territórios tradicionais, muitas vezes apresentados como sustentáveis, têm deslocado famílias agricultoras e limitado a produção de alimentos.

“Falar de soberania alimentar é também falar de reforma agrária: é terra, sementes crioulas e água,” reforçou Roselita.

Sem esses elementos, comunidades rurais perdem a capacidade de produzir alimentos que nutrem o corpo e a cultura, ficando reféns de um sistema alimentar industrializado que padroniza sabores e apaga histórias.

As sementes crioulas, tema destacado no painel, transcendem sua função agrícola. Jaqueline Andrade, da Terra de Direitos, destacou que elas carregam saberes tradicionais e práticas ancestrais. Ao longo de gerações, comunidades rurais selecionaram e armazenaram sementes de plantas adaptadas ao clima do Semiárido ou às chuvas da Amazônia. Essas sementes guardam a memória de um povo que dialoga com a terra, resistindo a secas, pragas e mudanças climáticas.

“Fortalecer a rede de guardiões e guardiãs de sementes crioulas é fundamental para a soberania alimentar,” afirmou Fernanda Testa Monteiro, pesquisadora do Grupo de Estudos em Territórios, Sociobiodiversidade e Agriculturas Tradicionais.

O painel, moderado por André Burigo, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), contou com contribuições de Patrícia Goulart Bustamante, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), e Marciano Toledo, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).

Eles reforçaram que soberania alimentar não é apenas garantir comida na mesa, mas assegurar que ela tenha qualidade, história e justiça. É o direito de decidir o que plantar, como cultivar e para quem produzir. Num Brasil marcado pelo avanço do agronegócio, com desmatamento, agrotóxicos e desigualdade, o 13º CBA é um espaço de resistência. É a celebração das sementes que guardam memórias, das mulheres que as protegem e das comunidades que, apesar das adversidades, cultivam a esperança de um sistema alimentar diverso.

13º CBA

Nesta 13ª edição, em Juazeiro (BA), o CBA é realizado pela Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), com organização local da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa), do Serviço de Assessoria a Organizações Populares (Sasop), da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), da Universidade do Estado da Bahia (Uneb de Juazeiro), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do Movimento dos Pequenos e Pequenas Agricultoras (MPA), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano (IFSertãoPE) e Rede de Agroecologia Povos da Mata . 

O Congresso conta patrocínio da Fundação Banco do Brasil e do  BNDES e apoio do Governo Federal por meio dos Ministérios da Saúde, Igualdade Racial, Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, e Desenvolvimento e  Assistência Social, Família e Combate à Fome, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e FioTec, e Prefeitura Municipal de Juazeiro; e Governo do Estado da Bahia, por meio do Programa Bahia sem Fome e Bahia Turismo.

Conta também com a contribuição de representantes de diversas organizações, redes e articulações da sociedade civil, instituições de ensino, movimentos sociais populares e comunidades tradicionais.

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