800 agricultores e agricultoras participam do Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA), em Juazeiro (BA)

O CBA sediará, pela primeira vez, o Encontro Nacional de Agricultoras e Agricultores Experimentadores, além de contar com outros espaços de diálogo entre saberes populares e acadêmicos, como o Terreiro de Inovações Camponesas e os Tapiris de Saberes. 

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Lívia Alcântara | Asacom

A cada dois anos é realizado o Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA), um espaço de encontro entre agricultores, técnicos, pesquisadores, organizações da sociedade civil e formuladores de políticas públicas. Em sua 13ª edição, o evento, que ocorre entre os dias 15 e 18 de outubro de 2025, na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), em Juazeiro, receberá cerca de 3 mil pessoas, sendo 800 agricultores/as e, destes, 200 integram a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA). Embora o congresso sempre tenha contado com a presença destes importantes atores da agricultura familiar, essa participação vem sendo fortalecida ao longo dos anos. 

“Sempre houve presença de agricultores no CBA. Mas a participação foi se aprimorando pouco a pouco, com a criação de dispositivos metodológicos e formatos organizativos apropriados para possibilitar a criação de um ambiente de diálogo de saberes. Esse é um grande desafio”, comenta Paulo Petersen, integrante da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), organização que realiza o evento. 

Além do Terreiro de Inovações Camponesas, que é uma grande exposição de tecnologias e inovações desenvolvidas pelos/as agricultores/as, o CBA sediará o 7º  Encontro Nacional de Agricultoras e Agricultores Experimentadores, organizado pela ASA com o apoio do Ministério do Desenvolvimento, Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) e a Feira da Agrobiodiversidade. Neste ano, outra novidade será  a apresentação de trabalhos com o tema da inovação camponesa. 

Inovação camponesa: produção de alimentos saudáveis e resiliência climática

O Encontro Nacional de Agricultoras e Agricultores Experimentadores ocorre desde 2009 e, pela primeira vez , será realizado dentro do CBA. Para Roselita Victor, integrante da coordenação executiva da ASA pelo estado da Paraíba, essa junção entre as duas iniciativas reforça o papel dos agricultores como sujeitos produtores de conhecimento:

“Esse será um momento político muito importante. Primeiro, porque para nós, agricultores e agricultoras, não há um saber que se sobrepõe ao outro. O saber de quem faz na prática a agroecologia é tão importante quanto o de quem pesquisa e estuda a agroecologia na academia. Segundo, os agricultores e as agricultoras, na sua história, são pesquisadores e pesquisadoras por natureza. Eles  trocam conhecimento, trocam experiências com seus vizinhos, nas suas comunidades”, defende Roselita Victor. 

O evento, em sintonia com o tema do CBA “Agroecologia, Convivência com os Territórios Brasileiros e Justiça Climática”, às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30) e na semana do Dia Mundial de Alimentação, pretende conectar a inovação camponesa à produção de alimentos saudáveis e à resiliência climática. Para Roselita Victor, o Semiárido brasileiro tem muito a contribuir com este debate, pela sua experiência em produzir de alimentos agroecológicos a partir de tecnologias, técnicas e conhecimentos que promovem a adaptação climática:

“O Semiárido brasileiro tem uma lição para dizer para o restante do Brasil. Nós fomos lendo e entendendo que a seca é um fenômeno natural dessa região. Se aqui a maior parte do tempo é um período de seca, mas tem um período que chove, como é que a gente aproveita o período? Os agricultores e as agricultoras sempre nos ensinaram isso: a gente precisa armazenar no período que chove. Eles sempre armazenam as sementes, as forragens, o alimento para comida. E plantavam a palma porque se sabia que ela segurava água para esse período”, explica Roselita.

Na foto vemos dois agricultores conversando, um deles com a camisa do 3º Encontro Nacional de Agricultores e Agricultoras Experimentadores.
3º Encontro Nacional de Agricultores e Agricultoras Experimentadores em Campina Grande/PB, 2013.

Terreiro de Inovações Camponesas

Tecnologias de armazenamento de água e de geração de energia, como a cisterna e o biodigestor, sistemas de saneamento rural; experimentos com Sistemas Agroflorestais (SAFs), meliponicultura e composteira; máquinas de extração de óleo de licuri e babaçu; beneficiamento de produtos da Caatinga, fábrica de polpa de frutas; e experiências de assessoria para agricultores/as e de comunicação popular. Essas são algumas das 89 experiências sistematizadas por agricultores/as que estarão presentes no Terreiro de Inovações Camponesas. O espaço é uma grande feira de ciências, onde as e os agricultores, apresentam tecnologias e inovações que vêm desenvolvendo em seus agroecossistemas. 

Joseane Maria da Silva, de 39 anos, por exemplo, sairá de sua comunidade, Barreiro, em Carnaíba (PE) para apresentar a experiência de reciclagem do grupo de mulheres Rosa do Sertão. Já Érica Lourenço, uma jovem de 23 anos da comunidade Camará, município de Santana do Acaraú (CE), irá para o CBA pela segunda vez apresentar a experiência do Núcleo de Apoio ao Trabalhador (NAT), uma associação que presta serviço contábil e jurídico a associações comunitárias rurais. 

“Eu acho que a grande curiosidade é justamente trabalharmos com burocracias, porque a gente percebe que na agricultura para subsistência é muito comum agricultores de idade que têm dificuldade em acessar a tecnologia, que tem problemas com a burocracia, com a documentação. A gente é uma grande ponte entre tudo que é da comunidade e as necessidades que estão fora dela”, comenta animada, Érica Lourenço.

Na foto vemos uma agricultora explicando para a outra um banner durante o Terreiro de Inovações Camponesa.
Terreiro de Inovações Camponesa durante o 11º Congresso Brasileiro de Agroecologia em Aracau (SE), em 2020. Foto: João Marcos.

Maria Helena Santos, de 31 anos, da comunidade do Bom Jesus, no município de Porteirinha (MG), irá apresentar uma experiência que ela viu nascer, a fábrica de polpa de frutas protagonizada por jovens que vende para todo o Brasil. 

“Como jovem agricultora do campo, sei que isso é muito desafiador, mostrar essa experiência me instiga muito porque eu posso levar esperanças nos corações de mais jovens para que eles possam permanecer no campo”, comenta Maria Helena. 

Essa forma de compartilhar conhecimento, de agricultor para agricultor, nasceu inspirada no movimento Campesino a Campesino, quando representantes da AS-PTA, uma organização que atua no território do Pólo da Borborema (PB), e agricultoras e agricultores foram para a Guatemala. O primeiro Terreiro de Inovações aconteceu em 2009 em Aldeia (PE). Dez anos depois, ele foi incorporado no CBA e esteve presente em suas duas últimas edições. 

Na série de podcast Rádio CBA, Paulo Petersen defende que a riqueza da metodologia do Terreiro de Inovações está em se criar uma agenda de inovações a partir do conhecimento e da experimentação dos próprios agricultores:  

“Parte-se da ideia que os agricultores, antes de incorporar as novidades em seus agroecossistemas, experimentam. Não existe a difusão de inovações e tecnologias universais, elas são sempre ajustadas aos contextos específicos em que elas são utilizadas”, defende Paulo. 

Para saber mais sobre o Terreiro de Inovações, escute a série de podcast Rádio CBA. 

Feira da Agrobiodiversidade 

No dia 17 (sexta-feira), como parte da programação do Encontro Nacional de Agricultoras e Agricultores Experimentadores e do Terreiro de Inovação Camponesa, guardiões e guardiãs de sementes irão se encontrar para conversar sobre resgate, conservação, produção, multiplicação, armazenamento, gestão e comercialização de sementes crioulas. 

Um dos pontos importantes desse debate é a defesa do milho crioulo ameaçado pelo avanço das plantações transgênicas. Durante a feira, serão realizados testes transgenia e divulgadas campanhas contra a contaminação transgênica.

“A semente crioula é uma inovação que fundou a agricultura”, explica Rafaela Barros, assessora técnica do Programa Agrobiodiversidade do Semiárido da ASA/Embrapa, uma das organizadoras da feira, ao comentar sobre a importância do manejo que as e os guardiões da agrobiodiversidade fazem das espécies crioulas.

A participação na Feira da Agrobiodiversidade não requer inscrições prévias. Todos são convidados a levarem sementes, mudas e outros materiais propagativos para trocarem, além de participarem dos debates. 

Jovem atrás de uma mesa com sementes crioulas.
IV Feira da Agrobiodiversidade no Semiárido Show. Vagner Golçalves/IRPAA.

Tapiris dos saberes

Os Tapiris dos Saberes são espaços para apresentação de trabalhos, estudos, investigações e experimentos sobre agroecologia e que conectam o conhecimento científico com a produção de conhecimento dos territórios. Diferente dos congressos clássicos, nele, as e os agricultores também são convidados a apresentarem seus estudos, pesquisas e experimentações. 

A grande novidade nesta edição do CBA é a criação do eixo temático (18): “Inovações camponesas e tecnologias sociais promovendo agroecologia”, que teve ao todo 112 trabalhos selecionados em quatro modalidades:

  • Resumo expandido técnico científico (49), que apresentam resultados de pesquisas e estudos inovadores sobre agroecologia; 
  • Relato de experiência técnica (43), que descrevem projetos e ações desenvolvidas por instituições de ensino, pesquisa ou extensão, em parceria com a sociedade civil; 
  • Relato de experiência popular em texto (7) e relato de experiência popular em vídeo (13), que são, como o próprio nome diz, relatos apresentados pelos agricultores em texto ou em vídeo. 
Na foto, duas mulheres mostram uma maquete com experimentos tecnológicos no semiárido.
Agricultoras de Cubati (PB) no Terreiro de Inovações Camponesa durante o 11º Congresso Brasileiro de Agroecologia em Aracaju (SE), em 2020. Foto: Simone Benevides.

Programação do 7º Encontro Nacional de Agricultores/as Experimentadores/as

15/10 – QUARTA-FEIRA 

16h às 17h15 – Abertura do VII Encontro Nacional de Agricultoras e Agricultores Experimentadores.
Local: Tenda Catingueira

17h30 às 19h – Abertura do Terreiro de Inovações Camponesas.
Local: Terreiro de Inovações Camponesas  

16/10 – QUINTA-FEIRA 

14h – 15h – Travessia pelo Terreiro de Inovações Camponesa.
Local: Terreiro de Inovações Camponesa 

15h – 16h – Plenária: Agricultoras e agricultores experimentadores, inovação camponesa e produção de alimentos saudáveis e na promoção de segurança e soberania alimentar.
Local: Tenda Catingueira.

17/10 – SEXTA-FEIRA 

14h – 16h – Plenária: Inovação camponesa na construção de sistemas resilientes às mudanças climáticas e produção de alimentos.
Local: Tenda Catingueira.

16h – 18h – Travessia pelo Terreiro de Inovação Camponesa.
Local: Terreiro de Inovações Camponesa 

17h – 19h30 – Feira da Agrobiodiversidade: Troca de Sementes.
Local: Feira de Saberes e Sabores e Feira da Agrobiodiversidade.

18/10 – SÁBADO

9h – 10h – Travessia pelo Terreiro de Inovação Camponesa.
Local: Terreiro de Inovações Camponesa 

10h – 11h30 – Plenária 3: Políticas Públicas e Inovações Camponesas.
Local: Tenda Catingueira

11h30 – 12h – Mística de Encerramento do Encontro Nacional de Agricultoras e Agricultores Experimentadores.
Local: Tenda Catingueira.

Ciência, comida e arte

A programação completa do Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA) pode ser conferida no site e conta com debates, rodas de conversas, apresentação de trabalhos científicos, comercialização de produtos, experimentações culinárias na Cozinha das Tradições, além do 3º Festival Internacional de Cinema Agroecológico (FicaEco) e do 2º Festival de Arte e Cultura da Agroecologia (FACA), que abrangem cinema, música, exposições, dança, literatura e teatro.

Quem está por trás do CBA

O Congresso é construído por uma ampla frente de parceiros nacionais e internacionais. Nesta edição, é realizado pela Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), com organização local da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa), do Serviço de Assessoria a Organizações Populares (Sasop), da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), da Universidade do Estado da Bahia (Uneb de Juazeiro), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do Movimento dos Pequenos e Pequenas Agricultoras (MPA), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano (IFSertãoPE) e da Rede de Agroecologia Povos da Mata. 

O Congresso conta com o apoio do Governo Federal por meio dos Ministérios da Saúde, Igualdade Racial, Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, e Desenvolvimento e  Assistência Social, Família e Combate à Fome, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e FioTec, Governo do Estado da Bahia, por meio do Programa Bahia sem Fome e Bahia Turismo; e Prefeitura Municipal de Juazeiro.

Conta também com a contribuição de representantes de diversas organizações, redes e articulações da sociedade civil, instituições de ensino, movimentos sociais populares e comunidades tradicionais.

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