Emergência climática: quais caminhos apontados pela agroecologia e convivência com o Semiárido?

Congresso Brasileiro de Agroecologia, que acontece em outubro no Semiárido, joga luz na importância da convivência das pessoas com todos os biomas e reforça a construção de conhecimentos a partir de várias fontes

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Verônica Pragana

O que o Semiárido brasileiro tem a dizer sobre o enfrentamento às mudanças climáticas? Quais conhecimentos as experiências agroecológicas acumulam neste território que devem ser compartilhadas com as demais regiões afetadas pela emergência climática?

Estas questões (entre outras) atraíram, pela primeira vez, o Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA) para o Semiárido brasileiro. Em Juazeiro (BA), o CBA acontecerá no campus da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e em vários outros espaços da cidade, de 15 a 18 de outubro.

Não é à toa que o evento acontece na semana do Dia Mundial da Alimentação (16). Afinal, a agroecologia tem um importante papel tanto na promoção da segurança alimentar e nutricional, como na democratização do acesso ao alimento saudável

“A agroecologia é uma ferramenta de transformação social e ecológica. E é também uma ciência dos lugares, cujos princípios e conceitos fazem sentido quando estão conectados a um bioma, contexto sociocultural, nas experiências das pessoas que vivem e manejam esse ambiente como lugar de vida”, explica Claudia Schmitt, uma das diretoras da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia), instituição que promove o Congresso.

A programação tem vários momentos abertos ao público não inscrito no Congresso, como dois festivais, um de cinema e outro com outras linguagens culturais, e a feira da biodiversidade. Saiba mais: https://cba.aba-agroecologia.org.br/

Agroecologia e convivência como resposta à emergência climática

Nesta 13ª edição do Congresso, que é bianual, o evento traz como lema “Agroecologia, Convivência com os Territórios Brasileiros e Justiça Climática”. No Semiárido, a agroecologia se entrelaça completamente com a lógica da convivência com o território. Esta lógica tem promovido uma grande transformação socioambiental na região.

Segundo Cícero Félix, da coordenação executiva da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA Brasil), hoje, se vislumbra como “possibilidade real a saída do Semiárido da condição de ‘território faminto’ para o que mais produz alimentos saudáveis no país”. 

E o que está na raiz dessa transformação social em curso é uma mudança radical na lógica das políticas públicas, que deixaram de ser baseadas na negação do clima. “Foi quando avançamos no sentido de políticas estruturantes, passando a democratizar o acesso à água e criando uma rede de amparo que permitiu às famílias da região passar pelas grandes secas com mais resiliência”, assegura. 

Cícero lembra que, no final dos anos 1970 e início de 1980, houve uma grande seca que tirou a vida de 1 milhão de pessoas no Semiárido por falta de água e comida. Já, na segunda década dos anos 2000, houve outra grande estiagem que, apesar da população ter dobrado de tamanho, não fez nenhuma vítima fatal na região.


Construção do conhecimento

Se o envolvimento das famílias agricultoras e comunidades tradicionais na construção do conhecimento é imprescindível para o projeto político da convivência com o Semiárido, na agroecologia esse envolvimento também é essencial.

Por isso que no 13º Congresso Brasileiro de Agroecologia, o conhecimento tradicional – forjado na lida da terra, na observação dos resultados e do comportamento da natureza e do que é vivo – tem lugar privilegiado. Dentre os destaques, o Terreiro de Inovações Camponesas (foto acima) é um espaço para apresentação das inovações metodológicas e tecnológicas, dentre outras, de quem pratica a agroecologia.

“No CBA, buscamos potencializar as redes de produção de conhecimento a partir de encontros, trocas de experiências e diálogos. Este ano, temos um Congresso muito interessante com o fortalecimento do Terreiro de Inovações Camponesas, o Encontro de Agricultores/as Experimentadores/as, os relatos de experiências em várias linguagens e em vários espaços”, conta Cláudia.


Dados inéditos

Durante o evento, será lançada, pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), uma publicação com um mapeamento inédito que revela como a agroecologia está enfrentando as mudanças climáticas no país e reestruturando os sistemas alimentares diretamente nos território.

Intitulado “Agroecologia, Território e Justiça Climática”, o mapeamento traz percepções, por parte das pessoas envolvidas nas experiências, do impacto das mudanças climáticas na produção de alimentos, na saúde da população e no meio ambiente.

No levantamento, 56,3% das experiências apontaram, por exemplo, que as mudanças climáticas são responsáveis pela diminuição da produção e 48,1% pela perda de alimentos.

Por outro lado, a pesquisa também identificou a percepção das pessoas envolvidas nas experiências sobre como suas práticas contribuem com o enfrentamento das mudanças climáticas, seja no âmbito da adaptação, da mitigação ou da promoção da justiça climática. 

Entre as práticas citadas, destacam-se o manejo e a conservação do solo (70,7%) e da água (42%), a diversificação dos sistemas produtivos (63%), o plantio de árvores e reflorestamento (56,9%), a compostagem (52,7%) e o tratamento ecológico de esgotos (26,2%).

O mapeamento foi realizado de abril a junho de 2025 e identificou 503 experiências agroecológicas desenvolvidas em 307 municípios, mobilizando mais de 20 mil pessoas de, pelo menos, 28 grupos, entre os quais: agricultoras/es familiares, camponesas/es, educadoras/es, estudantes, agricultoras/es urbanos, jovens, povos indígenas, quilombolas, povos e comunidades tradicionais.

Em direção ao ponto de não retorno

Mais de um terço das experiências mapeadas (36,2%) afirmaram ter percebido o desaparecimento de espécies e variedades vegetais nativas e quase um quinto (19,7%) de espécies e variedades vegetais agrícolas

“O desaparecimento destas espécies desequilibra os sistemas agroalimentares, assim como produz significativa perda biocultural”, destaca o texto de divulgação do estudo.

Segundo Cícero Félix, da ASA, a perda de animais e vegetais indica que a humanidade se dirige para o ponto de não retorno, para um caminho sem volta. 

“E quem tá tomando a decisão de ir por este caminho? Nós da agroecologia e do campo da convivência com Semiárido estamos propondo outros caminhos, mostrando que são possíveis e capazes de gerar bons resultados, preservando o bem comum”, pontua.

E continua: “Por isso é tão importante para nós refletir com a sociedade sobre este caminho e envolvê-la para mudar esta rota suicida. O nosso desafio é conectar os acontecimentos atuais com os conhecimentos que temos produzido”.

Um dos acontecimentos atuais diz respeito à produção de energia renovável a partir da energia dos ventos e do sol. Vendida como uma solução para evitar a liberação dos gases do efeito estufa, a energia renovável traz uma série de impactos que não são divulgados.

 Hoje, essa geração de energia elétrica tem sido feita a partir do modelo centralizado de produção industrial, que causa uma série de perturbações à vida no campo de humanos e não-humanos. “Provoca desmatamento, expulsa pessoas, concentra renda… É um conhecimento aplicado para fazer o mal. A produção de conhecimento, em geral com recursos públicos, precisa estar a serviço do bem público e não de um pequeno grupo que detém o poder econômico”, pontua Cícero.

Na contrapartida disso, a ASA lançou um programa que descentraliza a produção de energia fotovoltaica com a instalação de 1 milhão de tetos solares nas residências rurais do Semiárido. A iniciativa está na fase de captação de recursos.


Quem está por trás do CBA

O Congresso é construído por uma ampla frente de parceiros nacionais e internacionais. Nesta edição, é realizado pela Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), com organização local da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa), do Serviço de Assessoria a Organizações Populares (Sasop), da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), da Universidade do Estado da Bahia (Uneb de Juazeiro), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do Movimento dos Pequenos e Pequenas Agricultoras (MPA), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano (IFSertãoPE) e da Rede de Agroecologia Povos da Mata. 

O Congresso conta com o apoio do Governo Federal por meio dos Ministérios da Saúde, Igualdade Racial, Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, e Desenvolvimento e  Assistência Social, Família e Combate à Fome, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e FioTec, Governo do Estado da Bahia, por meio do Programa Bahia sem Fome e Bahia Turismo; e Prefeitura Municipal de Juazeiro.

Conta também com a contribuição de representantes de diversas organizações, redes e articulações da sociedade civil, instituições de ensino, movimentos sociais populares e comunidades tradicionais.

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