Ceará será pioneiro na implementação de 191 tecnologias sociais de saneamento rural com apoio da SDA e MDS

Iniciativa inédita alia saneamento rural, produção de alimentos e convivência com o Semiárido

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João Caetano e Dani Guerra | Fórum Cearense pela Vida no Semiárido

No Semiárido brasileiro, mais de 90% dos domicílios rurais não contam com saneamento adequado. A maior parte dos dejetos é lançada diretamente no meio ambiente ou destinada a fossas rudimentares, sem oferecer segurança sanitária. De acordo com observações do Instituto Antônio Conselheiro (IAC), organização da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) no Ceará, uma família no Semiárido chega a produzir, em média, mais de 80 mil litros de esgoto por ano. Esse dado reforça a urgência de soluções sustentáveis, como já apontava o Programa Nacional de Saneamento Rural (PNSR, 2019). 

Para enfrentar esse cenário, o Ceará dará um passo inédito. A Secretaria do Desenvolvimento Agrário (SDA), o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) e organizações da sociedade civil iniciarão a implementação de 191 sistemas de saneamento rural no Estado, com soluções como o reúso de água cinza e a fossa ecológica. Essa decisão estratégica do Governo Federal teve como referência a experiência da unidade demonstrativa do IAC, em Senador Pompeu, que comprovou a eficácia dessas tecnologias e resultou em seu reconhecimento como política pública federal, por meio da Instrução Normativa nº 36/2024 do MDS.

“A ação reafirma o papel do Ceará como referência nacional em políticas públicas de saneamento rural, integrando soluções ecológicas, conhecimento popular e inovação social em benefício direto das famílias agricultoras”, afirma o secretário da SDA, Moisés Braz. 

De acordo com o gestor, o papel da SDA foi fundamental no processo. “Nossos técnicos da Coordenadoria do Abastecimento de Água e Esgotamento (COÁGUA) trabalharam para que o Governo Federal, através do MDS, enxergasse a importância socioambiental destas tecnologias a fim de que elas se transformassem em política pública”, reconheceu.

“A tecnologia de recuso é uma inovação que busca qualificar ainda mais as ações do Programa Cisternas e melhorar a qualidade de vida no Semiárido. Trata-se de uma solução com múltiplos benefícios, uma vez que viabiliza o tratamento de parte do esgoto da casa, ao mesmo tempo em que amplia o acesso à água para a família produzir alimentos saudáveis”, comenta Vitor Santana, Coordenador-Geral de Acesso à Água no MDS. 

Como funcionam as tecnologias

A experiência localizada na comunidade Muxinató, no município de Senador Pompeu, na família de Francisco Linhares e Antônia do Carmo Góes, mostra como tecnologias sociais simples e de baixo custo podem transformar a realidade do Semiárido. No quintal da família, foram implementados dois sistemas: o reuso de água cinza e a fossa ecológica.

“O saneamento rural é uma conquista de extrema importância para nós, que moramos no espaço do campo, entendendo a necessidade de um descarte adequado para as águas cinzas. É também uma questão de saúde pública, já que estamos dando um destino correto para essas águas e evitando, assim, a proliferação de doenças. Outro aspecto que podemos salientar é o quanto evitamos o desperdício da água em meio à crise climática, focando na importância de gerenciar os recursos hídricos que compõem o entorno de nossas casas. Políticas públicas voltadas à educação das famílias para melhor aproveitar a água, capacitação e comunicação popular são algumas das formas de escutar as diversas populações do campo, valorizar seus saberes e oportunizar melhores condições de vida. Que o Semiárido seja, a cada dia, um lugar melhor de viver!”, comenta Glauceane Magalhães, professora, agricultora e beneficiária do programa.

A água do dia a dia, que vem do banho, da pia e da lavagem de roupas, geralmente é descartada sem nenhum aproveitamento. Essa água, chamada de água cinza, pode se tornar uma grande aliada quando passa por um sistema de filtragem. No caso da família, com o reúso, a água é conduzida até uma caixa de gordura, onde ficam retidos óleos e resíduos. Depois, segue para filtro biológico que contém seixo, brita, areia, serragem e húmus, que retiram impurezas e odores. A água limpa resultante vai para um reservatório e, em seguida, para a caixa d’água, de onde é distribuída para irrigar hortas, quintais e árvores frutíferas. O que antes era desperdício, hoje é sinônimo de produção de alimentos, economia de água e mais vida no quintal.

Sistema de reuso de águas cinzas | Foto: Acervo Instituto Antônio Conselheiro (IAC)

a fossa ecológica oferece uma alternativa segura e sustentável para tratar o esgoto doméstico. Diferente das fossas comuns, que muitas vezes contaminam o solo e a água, ela imita os próprios processos da natureza. O esgoto passa por câmaras de fermentação, onde microrganismos decompõem a matéria orgânica e eliminam agentes nocivos. Depois, atravessa camadas de pedras, brita e areia, até chegar ao solo, onde plantas absorvem nutrientes e ajudam na filtragem final. Assim, o que antes poderia causar doenças e poluição, agora se transforma em água limpa devolvida ao ambiente e até em adubo orgânico.

Fossa ecológica | Foto: Acervo Instituto Antônio Conselheiro (IAC)

Essa combinação de tecnologias constitui o sistema de saneamento rural que será implementado pela SDA e o MDS em parceria com as organizações da sociedade civil.

O saneamento conectado ao reuso das águas servidas é uma grande resposta para o enfrentamento às consequências da emergência climática. Precisamos, cada vez mais, cuidar e manejar bem as águas disponíveis nesta região do Brasil. A ASA nasceu para pautar a sociedade brasileira e o Estado brasileiro a partir de um novo paradigma de convivência com o Semiárido, garantindo os direitos constitucionais desta população. Isso significa avançar na perspectiva do saneamento rural, apropriado às diversas realidades do Semiárido, e incidir na construção de políticas públicas, na sua execução e no controle social dessas políticas. Por isso, é fundamental que a ASA esteja envolvida em todas as fases desse processo de construção da política pública”, comenta Cícero Félix, da coordenação executiva da ASA

Primeira etapa: Quixeramobim 

Entre os dias 2 e 5 de setembro, a comunidade de Santo Amaro, em Quixeramobim, receberá a primeira oficina prática de construção dessas tecnologias. Na ocasião, será instalado um sistema no quintal da família de Antônio de Pádua de Almeida Oliveira e Francisca Camêlo de Almeida Oliveira (Carola). 

A atividade reunirá organizações da sociedade civil, representantes da SDA e do MDS, com o objetivo de fortalecer experiências de convivência com o Semiárido e ampliar o acesso a soluções de saneamento rural sustentáveis. 

Com essa iniciativa, o Ceará se torna pioneiro em tecnologias sociais de saneamento rural, mostrando que é possível conviver com o Semiárido de forma digna, saudável e produtiva. 

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