Kleber Nunes e Sara Brito | ASACom
Recém-saído do Mapa da Fome, o Brasil tem nas casas e bancos comunitários de sementes crioulas a oportunidade de fortalecer e inspirar novas políticas públicas de promoção da soberania e segurança alimentar. Ao mesmo tempo que podem ser estratégicos para colocar comida de verdade no prato dos mais pobres, esses espaços de salvaguarda da agrobiodiversidade também são centrais no combate aos efeitos da emergência climática no Semiárido.
Durante o seminário virtual “Casas de Sementes no Semiárido: boas práticas e fortalecimento local”, agricultores guardiões de sementes, pesquisadores, técnicos, membros de instituições públicas e representantes do governo federal refletiram sobre os temas. O evento promovido, na quarta-feira (6), pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) analisou os desafios e apontou perspectivas, que incluem a retomada do Programa Sementes do Semiárido, lançado há 10 anos pela ASA.
O webinar foi uma iniciativa da carta acordo firmada entre a Associação Programa Um Milhão de Cisternas (AP1MC) — personalidade jurídica da ASA — e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), no âmbito do Projeto “Revertendo o Processo de Desertificação nas Áreas Suscetíveis do Brasil: Práticas Agroflorestais Sustentáveis e Conservação da Biodiversidade” (Redeser), sob coordenação e supervisão técnica do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).
“Essa ação só está sendo possível porque no início desse governo nós colocamos no horizonte três objetivos importantes para avançar na proteção desse patrimônio tão importante para os povos do Semiárido que são as sementes: levantar a situação das casas e bancos de sementes, retomar a ação dessas experiências e reabastecer esses espaços para ampliar o seu alcance”, declarou o presidente da AP1MC e coordenador executivo da ASA, Cícero Félix.
Estudo
Entre as ações do Redeser, portanto, está o mapeamento das casas e bancos de sementes que resistem ou existiam no Semiárido, que compreende o interior do Nordeste e o norte de Minas Gerais. Esse trabalho resultou no “Diagnóstico Avaliativo das Casas e Bancos Comunitários de Sementes do Semiárido”. A apresentação detalhada dos dados abriu e subsidiou o seminário, que foi a última atividade desta parceria.

De acordo com o estudo inédito da ASA, foram identificadas 875 unidades distribuídas nos estados da Bahia (228), Ceará (141), Pernambuco (122), Paraíba (103), Rio Grande do Norte (72), Piauí (71), Alagoas (55), Minas Gerais (42) e Sergipe (41). Desse total, 373 seguem em funcionamento após resistirem à pandemia de Covid-19 e ao desmonte das políticas públicas patrocinado pelos governos Temer e Bolsonaro.
Em relação à diversidade de espécies, o levantamento revelou que as casas e bancos de sementes são responsáveis por preservar 38 espécies e 522 variedades crioulas. Destaque para o feijão (272 variedades), milho (108), fava (74), além de espécies nativas, florestais, hortaliças, de roçado e frutíferas.
Para o coordenador técnico do Projeto Redeser na FAO, Manoel Timbó, os resultados do diagnóstico, que incluem dados sobre infraestrutura e gestão, fazem parte de um esforço coletivo de quase oito meses para qualificar as casas e bancos comunitários de sementes. “Esse é o início da cooperação para o fortalecimento da agricultura resiliente e da gestão sustentável da Caatinga e, com isso, o combate à desertificação”, afirmou.
Para Timbó, o documento final com resultados e recomendações geradas a partir do estudo poderá subsidiar políticas públicas. “Esses resultados sistematizados irão orientar tomadores de decisão, governos, parceiros, movimentos sociais, em como é que isso pode apoiar futuras políticas públicas e fortalecer as políticas que já existem. O Redeser está deixando esse válido levantamento da realidade atual desses bancos e casas de sementes”, pontuou.

Na avaliação da pesquisadora da Embrapa Alimentos e Territórios, Paola Cortez, o levantamento tem um valor incomensurável, uma vez que o material lança luz sobre um patrimônio dos povos do Semiárido em um contexto de crise climática, e reforça o quanto as sementes crioulas são fundamentais para o futuro da humanidade.
“A partir desse relatório podemos tirar pistas para trabalhar com os agricultores, aprimorar os programas futuros e, principalmente, para políticas públicas. Esse trabalho com sementes crioulas presta uma variedade de serviços agroecossistêmicos: conservação da agrobiodiversidade, adaptação e resiliência a mudanças climáticas, soberania e segurança alimentar”, disse Paola.
Transição agroalimentar
As casas e os bancos comunitários de sementes crioulas também despontam como instrumentos estratégicos aliados a outras tecnologias para ajudar a tornar o Brasil um país de referência em transição agroalimentar. De acordo com o Observatório do Clima, o agronegócio é responsável por 75% das emissões dos gases de efeito estufa.
Segundo a diretora do Departamento de Promoção da Inclusão Produtiva Rural e Acesso à Água da Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sesan), do Ministério de Desenvolvimento Social e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), Camile Sahb, uma das ações para essa transição será a implementação de 229 casas ou bancos comunitários de sementes associados à cisterna calçadão de 30 mil litros no Semiárido. O termo de cooperação foi assinado entre o MDS e a AP1MC.
“Com isso a gente já começa a trazer uma resposta para esses resultados que foram identificados nessa avaliação que é falta de água em 90% das casas já existentes. E fica também o compromisso do ministério de olhar para esses dados e ver como consegue atender essas casas de sementes que já existem com a possibilidade da implantação de cisternas e adequações necessárias para que resolva essa questão da falta de acesso hídrico”, anunciou Camile.
O diretor do Departamento de Combate à Desertificação do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Alexandre Pires, acrescentou que o “Diagnóstico Avaliativo das Casas e Bancos Comunitários de Sementes do Semiárido” reafirma a necessidade de investimentos mais permanentes do estado brasileiro.
“É preciso garantir o sucesso de uma política pública que assegure o patrimônio genético da agrobiodiversidade como uma política para segurança alimentar e nutricional dos povos que historicamente estiveram no contexto de fome e miséria como é a população do Semiárido brasileiro”, defendeu Alexandre.

O diretor também destacou a importância do olhar para as espécies nativas da Caatinga que também podem ser preservadas e multiplicadas pelos bancos de sementes.
“Há dados que mostram que uma das grandes dificuldades do processo de restauração, não só na Caatinga, mas nos outros biomas brasileiros, é a disponibilidade de sementes. Então essa rede de casas de sementes podem ter um potencial gigante de agregar as sementes de espécies nativas da Caatinga, também com a possibilidade de comercialização para a demanda de projetos de restauração e reflorestamento”, concluiu.
Durante o seminário, também foram apresentadas duas experiências de boas práticas em manejo de agrobiodiversidade mapeadas no Diagnóstico. A experiência do projeto Sementes da Fartura, patrimônio genético dos povos do Semiárido piauiense, junto com o grupo de Guardiões e guardiãs mirins da Casa de Sementes da Fartura Lauro Chaves dos Santos, do Assentamento Pedra Branca, no município de Pedro II (PI). E a experiência da Rede Estadual de Sementes da Resistência de Alagoas, junto com a comercialização de sementes crioulas pela COPPABACS, organização da ASA no estado.
O seminário “Casas de Sementes no Semiárido: boas práticas e fortalecimento local” foi transmitido pelo canal da ASA no YouTube e está disponível na íntegra, em duas partes. Assista abaixo: