Onde o quintal produtivo se fortalece, a fome recua

ASA celebra os frutos do projeto Quintais das Margaridas com colheita de aprendizados para seguir influenciando a política pública direcionada às mulheres rurais.

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Verônica Pragana | Asacom

Depois de 13 meses de trabalho duro para transformar o Quintais das Margaridas, uma iniciativa pública inédita, em realidade concreta, mais de 100 mulheres do Semiárido se reuniram no agreste de Pernambuco, na semana passada (de 15 a 18 de julho) para celebrar e avaliar a ação.

Nascido a partir das reivindicações da Marcha das Margaridas, o projeto faz parte do Programa Quintais Produtivos das Mulheres Rurais, que é resultado de um Acordo de Cooperação Técnica entre os ministérios do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) e do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES).

Em todo o país, a previsão do Programa Quintais Produtivos das Mulheres Rurais é apoiar a estruturação de 92 mil quintais até 2026. Além disso, está previsto o fomento produtivo para aquisição de insumos e equipamentos e assessoria técnica para comercialização da produção.

Agricultora pousa para foto ao lado do seu chiqueiro construído com recursos do Projeto Quintais das Margaridas.
Luciana Emilia da Silva, contemplada pelo Projeto Quintais das Margaridas, estruturou sua criação de suínos. Foto: Luciana Ourique/ASA.

No Nordeste, essa iniciativa foi orquestrada pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), que entrega 100% dos quintais no mês que vem. Nos nove estados da região, 1.120 quintais foram fortalecidos a partir das formações e intercâmbios e da melhorias na infra-estrutura. E quem pôs a mão na massa foram 14 organizações da sociedade civil que fazem parte da rede ASA e atuam em territórios rurais da Bahia ao Maranhão.

“A ASA foi responsável por mais de 50% da meta do primeiro edital do programa, lançado em setembro de 2023, que tinha um total de dois mil quintais produtivos em todo o país”, destaca Maitê Maronhas, que esteve à frente da ação pela Articulação.

Ela reforça que, com esta contribuição, a ASA tem muito o que dizer para aperfeiçoar esta política pública nos campos metodológico, administrativo e financeiro.

Contra a fome, os quintais

“De cada coisa se produz um pouco. E de cada coisa se colhe um pouco também. Meu marido nunca foi fichado [carteira de trabalho assinada] e tenho 20 anos de barraca”, conta Suzana dos Santos, de 46 anos, mãe de 10 filhos, que mora no município de Teofilândia, na Bahia, e também vende os alimentos saudáveis do seu quintal na comunidade. “De casa em casa, vendo um mói de coentro e um pé de alface”.

“O quintal chegou pra mim como uma nova forma de vida”, assegura Mirtes Silva, que se autodeclara viúva e mãe solo, do município de Afogados da Ingazeira, em Pernambuco.

“Muitas vezes ouvi as mulheres dizerem: ‘Nunca deixo esse quintal porque esse quintal tá ajudando minha sobrevivência, inclusive, minha luta’. Porque em alguns momentos, por falta de estímulo, elas deixam de lado o cuidado com este espaço”, comentou Eliana de Lima, representante legal da ACB, ONG que atua na região do Crato, no Ceará.

“Esse é o primeiro projeto da ASA voltado diretamente pras mulheres. É um passo histórico que teve o início marcado por desafios, muitos deles por conta do recurso curto. Mas avaliamos que tinha tudo para dar certo, porque o que ele faz não é novo. É uma ação que potencializa o que as mulheres já fazem”, afirmou Márcia Muniz, do GT de Mulheres da ASA e da ONG Sasop.

E complementa: “Os quintais possibilitam que as mulheres tenham renda e isso é importante não só pelo recurso, mas pela autonomia, inclusive pra participar de reuniões [dos coletivos que fazem parte] que precisam de grana pro deslocamento.”

Nas ruas

Na terça-feira (15), um ato público em Caruaru, também no agreste pernambucano, iniciou a celebração de encerramento do projeto Quintais. O ato também anunciou o lançamento do Plano Safra 2025 e as entregas do projeto Jandaíras, uma parceria entre MDA e Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), que atendeu grupos produtivos de mulheres nos estados do Nordeste e Minas Gerais. 

Várias mulheres sentadas na plateia do Ato de encerramento do Projeto Quintais das Margaridas.
Ato de encerramento do Projeto Quintais das Margaridas, em Caruaru (PE). Foto: Luciana Ourique/ASA.

“Celebrar não é não é só fazer festa, mas é se comprometer com a luta das mulheres por mais e mais políticas públicas que atendem a realidade das mulheres”, dispara Naidison de Quintella, da coordenação nacional da ASA, no palco onde estavam algumas autoridades como o ministro do MDA, Paulo Teixeira, e a secretária-executiva da pasta, Fernanda Maquiaveli, além de parlamentares estaduais, Doriel Barros e Rosa Amorim, o deputado federal, Carlos Veras, representantes da Fetape, do Movimento dos Sem Terra (MST), do Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR) e de bancos públicos que vão liberar os créditos previstos no Plano Safra.

“Os quintais estão começando a funcionar e precisam que os bancos do Nordeste e do Brasil abram as portas para elas (as mulheres agricultoras) a partir do Plano Safra. Estas mulheres donas dos quintais produtivos também precisam que as prefeituras abram as portas da alimentação escolar. Não podemos produzir sem ter a quem vender. As políticas precisam conversar”, destacou Naidison, deixando um recado diretamente para as agricultoras: “Busquem bancos, prefeituras, (política de) ATER, ONGs, quem for, pra tornar os quintais cada vez mais fortes.”

O discurso de Naidison foi seguido da fala de uma das coordenadoras do MMTR no Nordeste, Elizete Maria da Silva. “Não conheço uma mulher trabalhadora rural que queira sair do campo. Precisamos de políticas públicas que nos dê oportunidades”. Por sua vez, o ministro Paulo Teixeira assegurou: “Vai ter mais quintais produtivos”.

Agricultora fala no microfone em um palco durante o Ato de encerramento do Projeto Quintais das Margaridas, em Caruaru (PE)
Ato de encerramento do Projeto Quintais das Margaridas, em Caruaru (PE). Foto: Luciana Ourique/ASA

Em Gravatá

Do dia 16 a 18, foi a vez das mais de 100 mulheres debaterem e avaliarem o projeto. A maioria delas veio da Bahia ao Maranhão, que são as agricultoras e técnicas das organizações executoras. Mas, participaram também a professora da UFRPE, Andrea Buto, e representantes de coletivos e projetos feministas, como o Grupo de Trabalho da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e do Núcleo Jurema.

Este é o segundo grande encontro de mulheres da ASA. O primeiro aconteceu em 2014, na Paraíba, quando foi realizado o Encontro Nacional de Agricultoras Experimentadoras. 

“Os nossos aprendizados vão retroalimentar nossos espaços, como a própria ASA, o GT de Mulheres e a comissão municipal, que é um importante espaço de articulação política da ASA e das mulheres”, atesta Glória Batista, da coordenação executiva nacional da ASA. “Precisamos semear os aprendizados para colher novos frutos”, complementa ela.

“O segundo movimento é pra fora e visa influenciar uma política nacional voltada para mulheres rurais, que se inicia com este programa dos quintais produtivos. Pra isso, é fundamental afinar ainda mais a conexão da ASA com outros movimentos de mulheres. Nossa luta está só começando”, diz lembrando que foi pela força política da Marcha das Margaridas de 2023, que levou mais de 100 mil mulheres para as ruas de Brasília.

Na foto mulheres em um auditório conversam sobre o Projeto Quintais das Margaridas.
Evento de comemoração e avaliação do Projeto Quintais das Margaridas. Foto: Verônica Pragana/Asa.

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