Sara Brito | ASACom
Nos últimos anos, o Semiárido brasileiro tem sido invadido pelos mega empreendimentos de geração de energias renováveis, que, utilizam-se do discurso do “desenvolvimento”, mas comprometem o bem-viver de comunidades inteiras. São, muitas vezes, empresas estrangeiras que encontram ali, além da abundância de recursos naturais, um ambiente sem proteção ou fiscalização governamental, o que facilita a sua inserção no território.
O aumento da demanda por inteligência artificial no mundo todo coloca a necessidade de construção de outro tipo de empreendimento: os data centers – estruturas gigantescas que abrigam supercomputadores e necessitam de uma enorme quantidade de energia e água para funcionar. E, mais uma vez, o Semiárido é visto como um lugar propício para essas instalações. Muitos desses projetos já estão em fase de autorização, como o data center da empresa chinesa TikTok, que deverá ser construído em Caucaia, no Ceará.
De um lado, as empresas estrangeiras se mobilizam pelos seus interesses, do outro, o governo federal articula vários ministérios para a elaboração de uma política nacional de data centers, incorporando as demandas do setor privado para atrair investimentos. Apesar de sua importância na avaliação e orientação a respeito dos impactos da implantação de empreendimentos desse porte, o Ministério do Meio Ambiente, no entanto, não foi incluído nessas discussões.
Diante desse cenário preocupante, a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) promoveu, no dia 24 de julho, o debate Comunicação em defesa dos territórios no Semiárido. Com a participação de cerca de 80 pessoas da rede e convidadas, o encontro teve como objetivo o compartilhamento de estratégias de comunicação e informação para a mobilização dos territórios.
“Não é de hoje que essa questão vem afetando a nossa realidade aqui no Semiárido. E a gente percebe essa realidade dos grandes empreendimentos que são de diferentes ordens, energias renováveis, mas também tem aspectos ligados à mineração, à siderurgia e agora, nos últimos tempos, a inteligência artificial e os data centers. Um dos pontos que têm sido importantes para nós da ASA é o acesso a conteúdos e a informações que subsidiem a nossa ação como articulação, para defender o nosso território”, disse Waneska Bonfim, integrante da coordenação executiva da ASA.
Um das convidadas presentes no encontro foi Laís Martins, repórter do The Intercept que investiga a chegada dos data centers ao Brasil e produziu a série de reportagens “A Boiada da IA”. “O data center do TikTok vai consumir de energia em um dia o que 2,2 milhões de pessoas consomem, isso é quase a população de Fortaleza. Se o data center fosse uma cidade, seria a sétima cidade que mais consome energia no Brasil”, afirmou Laís. Ela destacou que um empreendimento deste tamanho gera impactos em diferentes níveis e que, portanto, deveria ser discutido com a população, a nível local e nacional. “O que a gente defende com essas reportagens é que a população tenha acesso à informação para que a população faça parte desse processo de decisão”.

O The Intercept é um portal de mídia independente e tem se debruçado sobre os impactos da instalação de mega empreendimentos no território brasileiro. Mas de forma geral, a mídia hegemônica (os grandes veículos de imprensa no Brasil) não está preocupada em visibilizar informações contextualizadas aprofundadas, nem as opiniões e demandas de grupos sociais historicamente excluídos e comunidades atingidas. Foi o que constatou a pesquisa Vozes Silenciadas, realizada pelo Intervozes, organização que trabalha pela efetivação do direito humano à comunicação no Brasil. A pesquisa foi apresentada no debate por Nataly Queiroz, integrante do coletivo.
“Esses grandes veículos de comunicação, e nisso se incluem também as big techs, é a galera que movimenta o dinheiro. São os donos das estruturas que nós disputamos também para construir novas narrativas e novas visões de mundo. Ter essa compreensão nos faz entender que, a partir do nosso campo, a gente pode criar outras narrativas, utilizando formas muito variadas de dialogar com aqueles públicos que são estratégicos para a nossa luta”, disse Nataly.
“As estratégias de comunicação fazem parte de toda ação política. A comunicação vai estar lá em nível de prioridade no mesmo patamar da articulação. Isso é fundamental para que a gente consiga também potencializar essas vozes, que são tão relevantes para a construção da justiça socioambiental e climática”, concluiu ela.
O destaque para a comunicação na mobilização e articulação política está bem representado na experiência da campanha Borborema Agroecológica não é lugar de parque eólico, apresentada no encontro por Maria do Céu, integrante da coordenação do Pólo da Borborema, organização que integra a ASA.
Muitas famílias que vivem em comunidades rurais no território enfrentam o assédio de empresas para instalação de usinas de energia eólica em suas comunidades. No geral, as empresas propõem contratos abusivos e não explicam os impactos negativos gerados por esses empreendimentos. “As empresas batem na porta dos agricultores. Elas pegam o mapa e vão direto naquela comunidade. Então, se aquele agricultor ou agricultora, que está lá na sua propriedade, não tiver essas informações dos impactos, dos prejuízos que ele pode ter a partir do momento que é instalado [um empreendimento], ele vai se prejudicar. Os direitos deles vão ser retirados a partir dali naquele contrato. A gente tem que chegar antes com a informação”, explicou Maria do Céu.
Nessa experiência no Semiárido paraibano, com as ameaças das empresas de geração de energia eólica, a comunicação e diálogo com as comunidades foi pensada estrategicamente. A conscientização a respeito dos impactos da instalação de usinas de geração de energia eólica no território passou a pautar a Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia, mobilização de mulheres que acontece anualmente no território. Foram utilizados materiais impressos, programas de rádio, teatro, cultura popular, conversas, audiências públicas, intercâmbios e formações.
Maria do Céu destacou a importância da articulação política andar de mãos dadas com a comunicação para a defesa do território da Borborema. “Se não fosse o nosso movimento da Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia ter enfrentado essa temática dentro desse território, a gente já tinha parque eólico aqui dentro”, afirmou ela.
PL da Devastação
O cenário de ameaças de megaempreendimentos aos territórios do Semiárido tende a se agravar com a aprovação do Projeto de Lei (PL) 2159/21 pelo Congresso. Conhecida como PL da Devastação, a proposta dos deputados e senadores desmonta o licenciamento ambiental no Brasil e compromete a proteção ambiental e a saúde pública.
Com a aprovação do PL, será permitido o “autolicenciamento”, ou seja, grandes empreendimentos podem conseguir licenças baseadas em sua própria palavra, sem a necessidade de análises técnicas prévias. Também será criada a LAE (Licença Ambiental Especial) que permitirá que o governo federal acelere o licenciamento de empreendimentos considerados estratégicos, mesmo que possam causar “significativa degradação do meio ambiente”.
Data centers e usinas para geração de energias renováveis poderão ser enquadradas na LAE e ser instaladas, inclusive em territórios indígenas ou quilombolas ainda em processo de demarcação ou homologação, por serem assuntos prioritários para o governo federal.
As ações estratégicas de comunicação em defesa dos territórios precisam continuar e movimentos e articulações estão neste momento pedindo o veto total do presidente Lula ao PL. Nas redes sociais, cresce a campanha #VetaTudoLula.
Você pode pressionar agora para que o projeto seja vetado. Acesse https://pldadevastacao.org/