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Água conquistada tem valor diferente de água conseguida em troca de algo | Foto: Eline Luz |
A chegada da água nas comunidades rurais do Semiárido brasileiro, através das tecnologias sociais que acumulam água da chuva, tem saciado não só a sede por água de beber ou produzir alimentos e criar animais. Essa água também sacia a alma sedenta que sonha com uma vida digna, com comida farta e saudável nas refeições da família, com filhos estudando numa instituição com ensino contextualizado, com serviços de saúde pública de qualidade, com a permanência dos jovens na sua terra com oportunidades de trabalho.
Mas não basta ter água disponível em casa e na comunidade para que a sede da alma seja amenizada. É preciso unir a oferta deste recurso imprescindível à vida com o gostinho da conquista de um direito. Água que vem através de trocas, como o do voto ou de outros favores, não provoca a mesma transformação trazida pela água que brota do suor de famílias e da mobilização comunitária.
“Através de sua metodologia, a ação da ASA desperta as famílias para a possibilidade de se organizarem para a conquista de novos direitos que talvez, até aquele momento, não eram vistos como possibilidade. Com a conquista da água, as famílias começam a debater outros direitos e a procurar caminhos para acessá-los”, explica Cleusa da Silva Alves, integrante da Coordenação Executiva da ASA-Bahia e do grupo de assessoria da Cáritas Regional Nordeste 3.
A metodologia da ASA preza pela educação como caminho para o despertar da consciência política e cidadã de cada família agricultora. Nos processos formativos que acontecem nos cursos, sistematizações de experiências e intercâmbios entre agricultores e agricultoras, os participantes aprendem algo que vai muito além da gestão e uso da água.
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“A ASA me possibilitou vida nova a partir da construção da minha autonomia”, afirma Renilda dos Santos | Foto: Acervo ASA-SE |
“Eu aprendi a discutir, avaliar, propor, discordar”, destaca a coordenadora da Comissão da ASA no município sergipano de Poço Verde, Renilda Maria dos Santos. “A ASA me transformou como ser humano, me possibilitou vida nova a partir da construção da minha autonomia. A ASA estimula as comunidades a desenvolver suas potencialidades. Quem sonha com a criação de pequenos animais, por exemplo, tem um pequeno-grande empurrãozinho da ASA e pode mudar sua vida”, assegura ela, que já foi membro de três conselhos municipais, um importante espaço de controle social de políticas públicas, onde ela se sentia desgastada por estar sempre sozinha tentando discutir e avaliar as decisões antes de tomá-las.
Desde que a ASA chegou em Poço Verde, em 2000, que Renilda faz parte do Conselho Municipal e se envolve dos pés à cabeça com as dinâmicas de mobilização e formação das famílias agricultoras. “Nós estimulamos famílias, que vivem isoladas, desestimuladas, a se sentir parte do programa, a exercitar o seu poder de decisão”, ressalta ela.
“As próprias famílias dizem que a ASA chega de uma forma diferente dos programas governamentais. A grande diferença está no envolvimento delas nos processos de tomada de decisão, desde a primeira fase dos nossos programas. As famílias são consideradas sujeitos e protagonistas, dialogamos com elas. O processo de capacitação, por exemplo, não traz um saber que é repassado de cima para baixo, mas ele leva em consideração o saber acumulado das famílias que já têm sua vivência”, destaca Cleusa.
Ela também ressalta, como uma consequência desse jeito de atuar da ASA, a incidência política das pessoas envolvidas na dinâmica da ASA: “A participação dos representantes das associações ligadas à ASA são muito maior e com mais qualidade nos conselhos. Eles estão discutindo questões importantes para as comunidades, como a produção, a necessidade de uma assistência técnica voltada para uma produção diversificada, saneamento básico, habitação rural, um espaço organizado na feira para a venda da produção orgânica”.
Outras histórias do Semiárido – Histórias de organização comunitária e ampliação da consciência de coletividade nas comunidades rurais desta região são muitas. Basta uma busca no banco de experiências do site da ASA para se encontrar relatos que vêm de vários cantos do nosso grande Semiárido.
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Membros da “Comunidade” de Riacho dos Currais | Foto: Acervo ASPA |
Da Paraíba, direto do município de São Bentinho, na região do Alto Sertão, sete comunidades estão unidas através da Associação Rural de Riacho dos Currais. Desde a sua fundação, em 2006, os sócios sabiam que a comunidade precisa estar unida, trabalhando juntas no desafio do dia a dia.
“Esse senso de união teve também a influência das cisternas. Quando criamos a associação, imediatamente, o P1MC começou a atuar no município”, comenta o fundador, ex-presidente e membro da associação, Manoel da Costa Almeida, que assumiu a Secretaria de Agricultura do município.
Ele destaca que as mobilizações da ASA no território do Alto Sertão, onde 52 municípios estão envolvidos na dinâmica da Articulação, os ajudaram a buscar outros conhecimentos. “O conhecimento deu um grande impulso na comunidade, onde já existia o desejo [de mudar], mas não sabíamos os caminhos a tomar. O P1MC e o P1+2 trouxeram a luz”, conta. Interessante dizer que Manoel chama Associação de “comunidade”. Para ele, Associação é mais um CNPJ do que um grupo de pessoas pensando no coletivo, no bem comum.
A “comunidade” que Manoel é membro tem várias conquistas concretas: em mutirão, construíram a capela da Divina Misericórdia; desenvolvem a apicultura como atividade de geração de renda; estruturaram um banco de sementes comunitário; além do P1MC, acessaram também o P1+2, que implementou através da parceria com a Associação as cisternas-calçadão e enxurrada, tanque de pedra e barragem subterrânea. A última conquista, cuja ideia surgiu numa visita de intercâmbio e foi impulsionada por uma capacitação feita com professores do curso de Engenharia de Alimentos da Universidade Federal da Paraíba, campus Pombal, é a atividade de beneficiamento de frutas.
Outra história vem de Pernambuco, do município de Bom Conselho, que sedia a Associação dos Pequenos Produtores da Agricultura Familiar do Sítio Água Branca. O presidente Ivaldo Bezerra Borges conta que a entidade estava desativada há muitos anos. “Depois da Associação, as pessoas se reuniam para fazer coisas juntas e, com as cisternas, se uniram bem mais. Temos um grupo de 12 pessoas que estão sempre trabalhando em regime de mutirão”, conta ele.
Valter Gonçalves da Silva, conhecido como Valtinho, é um dos que não faltam nos mutirões. “A gente vive esquecido e quando a gente se junta chama a atenção de um, de outro. E também é mais vantajoso trabalhar juntos. Se gasta menos, o trabalho fica mais fácil e as várias ideias ajudam no acerto bom do que a gente quer”, declara ele, dizendo que quando a construção das cisternas de produção finalizar, eles vão partir para trabalhar juntos na roça.