Bonecas de caroá para combater pobreza

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Da fibra do caroá típico da caatinga, bonecas, jogos americanos para mesas e painéis decorativos; do angico, da aroeira e do mastruz, pomadas e tinturas medicinais; do catolé, bolsas; de todo o artesanato e medicamento produzido, uma alternativa de trabalho e renda para os dias secos nos quais vivem as mais de 4 mil pessoas da comunidade quilombola de Conceição das Crioulas, em Salgueiro, município do Sertão Central de Pernambuco, localizado a 518 quilômetros do Recife.

Apesar de a atividade econômica principal na comunidade ainda ser a agricultura, o artesanato surgiu como forma de garantir qualidade de vida aos moradores da região nos períodos de fortes estiagens e mostrar, como diz a moradora de Conceição Centro, Valdeci Maria da Silva, que o Sertão também tem vida e beleza.

“Os sertanejos sempre foram vistos como sofridos, mas o Sertão não é um lugar ruim e triste. O segredo é aprender a viver melhor onde quer que a gente esteja”, afirma.

E é com esta filosofia de otimismo e com a busca de alternativas para o sustento que a comunidade de Conceição das Crioulas destaca-se na luta pela superação da pobreza que abate muitas comunidades quilombolas rurais brasileiras e nordestinas.

Nesta luta, Conceição das Crioulas está em sintonia com um dos temas prioritários o debatidos na Rio+20 – o de desenvolvimento para combate à pobreza. As comunidades tradicionais estão entre as mais pobres do Brasil e são privados, muitas vezes, de direitos sociais – seja pela distância dos seus povoados ou falta de compensação de um passado escravo e de segregação.

Em Conceição das Crioulas, as bonecas de caroá – planta típica da caatinga brasileira pertencente à família das bromélias – são uma marca da comunidade. Com a produção delas, o povo quilombola tem ajudado no sustento das famílias. Elas representam mulheres que promoveram ou promovem a cultura, a história e tradição dos quilombolas locais. Entre as personagens criadas estão Francisca Ferreira (umas das primeiras negras a chegar à comunidade, em 1816), Mãe Magá (parteira), Madinha Lourdes (ceramista), Zefinha (mulher guerreira que criou 10 filhos sozinha), Dona Liosa e Ana Belo (historiadoras), Generosa (que luta pelos direitos dos quilombolas), Antônia (fiadora de algodão, uma das principais atividades da comunidade em seu início) e Lourdinha (professora).

Autoestima

Segundo Valdeci Maria, desde criança os artesãos que usam as espécies nativas aprendem a manejar a planta de forma que só utilizem o que será necessário no artesanato, mantendo a planta viva. “Usamos técnicas de manejo que permitem que a gente possa continuar pra sempre contando com essas espécies”, observa.

A autoestima parece não ter deixado nunca aquele lugar que tenta se esconder do mundo, que fica 45 quilômetros de caatinga adentro partindo do centro de Salgueiro. Há dois anos, Valdeci sofreu um acidente de carro na estrada que liga Conceição das Crioulas a Salgueiro e, apesar de ainda estar tentando recuperar os movimentos das pernas, sorri muito e não perde as esperanças. “Consegui de volta os movimentos dos braços e retomei imediatamente a produção das bonecas de caroá”, informa, enquanto trabalha. Parece ter orgulho da produção.

História secular de cobrança de direitos sociais

Todos os moradores têm pelo menos duas atividades. A professora Maria de Lourdes da Silva, ou boneca Lourdinha, que ensina jovens e adultos desde 1996, faz peças de cerâmica. O filho dela, Allyson Martins da Silva, é monitor de esporte e lazer na escola municipal local e pinta, nas peças de tecido das costureiras, as imagens das dez bonecas de caroá. “Lourdinha foi uma das primeiras mulheres daqui a batalhar por professores da comunidade nas escolas locais”, diz Valcedi. Até 1996, todos os professores vinham de fora. Hoje, dos cerca de 40 existentes, só dois não moram em Conceição das Crioulas.

Com as secas, as famílias aprenderam a armazenar o fruto de sua produção, voltada para o milho, o feijão, o jerimum, a abóbora e frutas como melancia, pinha, acerola, mamão, umbu. As polpas das frutas são feitas e vendias para o governo federal nos programas de alimentação, como o PAA e PNAE.

Todo o artesanato produzido segue para uma lojinha no centro da comunidade ou é feito sob encomendas por moradores de outras regiões do estado e fora dele. Eles também estão são quase sempre expostos em grandes feiras, como a Fenneart.

A história de Conceição das CSrioulas começou no início do século XIX, quando seis negras escravas que conquistaram a liberdade chegaram à região e arrendaram uma área de aproximadamente 18 quilômetros em quadra. Produziam e fiavam o algodão no local e vendiam o fruto dessa produção na cidade de Flores. Com a renda, conquistaram o direito à posse das terras. E mais: respeito. Hoje, é uma das comunidades mais respeitadas pela cobrança de direitos humanos dentro do estado de Pernambuco.

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