Preservando as sementes e perpetuando a cultura

A experiência dos guardiões de sementes nativas do Apodi (RN) e dos Cocais (PI)

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Chico Elpídio exibe orgulhoso suas sementes da resistência

“Eu sou a essência da vida. Sou o princípio de todas as coisas. Na cadeia alimentar, eu sou pré-primária, porque não nasci, mas quando nasço, todos viventes da terra dependem de mim (…) me tem como principal alimento”. Os versos do agricultor Antônio Rodrigues do Rosário, mais conhecido como Golinha, inspiraram o debate da oficina ‘Construção de autonomia na produção e conservação de sementes nativas no Semiárido’.

A oficina reuniu experiências da região do Apodi, no Rio Grande do Norte, e dos Cocais, no Piauí. Uma delas foi a de Golinha, que vive no Assentamento Tabuleiro Grande (RN). Ele vive na região desde que nasceu e, atualmente, guarda mais de 200 tipos de sementes nativas. “Não podemos deixar que a mãe natureza deixe de produzir o que a gente necessita. A semente de milho e do feijão é desde a época do meu pai, que morreu com quase 1 século de vida”.

O sindicato da região tem a proposta de estruturar um banco de semente, que será chamado de ‘banco mãe’, que fortalecerá os bancos familiares da região frente aos desafios das sementes transgênicas, da política de distribuição de sementes e da falta de uma politica pública estadual que envolva essa discussão.

Seu José Ferreira, de Pedro Segundo, no Piauí, também é um guardião das sementes nativas. Ele explica que aprendeu há muito tempo a guardar as sementes na garrafa com areia. “É só misturar uma medida de areia com uma da semente e areia novamente, mas tem que ser areia lavada, limpa e peneirada. Com essa mistura não aparece bicho na semente”, garante ele.

O agricultor ambientalista Chico Elpídio, também do Rio Grande do Norte, apresentou algumas das suas sementes e a propriedade de cada uma delas. “A favela, da raiz ao espinho dá para alguma coisa; a coronha é uma planta medicinal que atua nos processos de hemorragia; e o amendoim cará-cará é afrodisíaco”, explica.

No momento, a preocupação dele está centrada no risco da legislação impedi-lo de compartilhar suas sementes com outras pessoas. “Assisti uma palestra em Caicó e uma pessoa do Ibama disse que eu poderia ser preso um dia por distribuir minhas sementes, mas eu posso ser preso e quando eu for solto, vou continuar a distribuir minhas sementes”.

Ana Carolina, da Terra de Direitos, explica que “a legislação é confusa em alguns trechos, mas o artigo 115 do decreto 5123, esclarece essa questão ao dizer que os agricultores são livres para trocar, distribuir e até comercializar as sementes, sendo nativas ou não”.

A necessidade de mais estudos sobre as leis que regem os direitos dos agricultores a respeito de sementes e mudas foi um dos encaminhamentos do grupo. Além disso, a oficina apontou a necessidade de fortalecer as  experiências  com sementes  realizada nos estados para que ela possa ser de conhecimento de todos para o bem do povo; fortalecer os  intercâmbio de agricultores e agricultoras experimentadores; catalogar as sementes – onde estão , como são armazenadas e quem são esses guardiões; valorizar a importância do papel das mulheres na conservação e preservação das sementes; fazer uma moção de repúdio a semente de feijão transgênico da Embrapa; e dar continuidade da discussão do tema das sementes na ASA.

 

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