A captação de água de chuva tem sido referência fundamental para as políticas de segurança alimentar apoiadas pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) no Semiárido brasileiro. O aproveitamento racional da água da chuva por estruturas descentralizadas de abastecimento, notadamente a tecnologia social de cisternas de placas, tem se constituído como alternativa viável de promoção da segurança alimentar e nutricional das famílias pobres dispersas em toda a extensa zona rural do Semiárido.
Nos primeiros anos de existência do MDS, foi priorizado o investimento na “primeira água” ou “água de beber”, ou seja, a água considerada como alimento fundamental para manutenção da vida. Em 2007, o MDS passou a apoiar projetos de “segunda água” ou “água de comer”, nos quais a água da chuva é utilizada para a pequena produção familiar de alimentos. Nesse contexto, o acesso à água é visto como recurso fundamental de processos produtivos locais, que podem contribuir para a segurança alimentar tanto pelo aumento da quantidade de alimentos produzidos como pela sua qualidade e diversificação.
Finalmente, em 2009, o MDS, em conjunto com o Ministério da Educação (MEC), apostou novamente na captação da água da chuva, dessa vez para atender escolas da zona rural da região. A água, nesse caso, deverá melhorar as condições de ensino das escolas sem acesso regular à água na região. É a chamada “Água de Educar”. Essa ação piloto, apoiada pelo MDS em parceria com o Governo da Bahia, sintetiza a concepção que vem sendo adotada nas ações de acesso à água para segurança alimentar, em que a cisterna de captação de água da chuva é o elemento mobilizador de um processo educativo mais ambicioso e de resgate da cidadania.
Na reestruturação do ministério, foi criada a Coordenação-Geral de Acesso à Água, demonstrando a importância que o tema assumiu no âmbito da política social. Hoje, a demanda por políticas de acesso à água ultrapassa os limites do Semiárido, notadamente dos ribeirinhos e agricultores do Norte do País e nas áreas de estiagem do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.
O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) também dá a devida importância ao assunto. Desde sua constituição, foi apoiador incondicional das propostas surgidas no seio da sociedade civil organizada, reunidas em torno da Articulação do Semiárido (ASA). Em 2008, organizou a plenária Água e Segurança Alimentar, abordando o tema em profundidade, com a participação do presidente da Agência Nacional de Águas (ANA) e do presidente do Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH), além de outros órgãos federais com investimento na área. Na ocasião, foi possível compreender a relação da segurança alimentar com a segurança hídrica, a dimensão do direito à água como garantidor de outros direitos e a necessidade de políticas permanentes que assegurem a disponibilidade de água para as gerações atual e futura em seus múltiplos usos.
Em 2009, a plenária sobre mudanças climáticas colocou na agenda nacional o alerta sobre a vulnerabilidade da população mais carente frente ao aquecimento global. O fenômeno pode agravar a situação daqueles com menos acesso à água e prejudicar milhares de agricultores familiares com a mudança do regime de chuvas.
A água, como não poderia deixar de ser, é um tema transversal. É elemento garantidor da vida no planeta, dos ecossistemas, do clima e do desenvolvimento econômico e social. O ciclo hidrológico promove a renovação da água, provendo águas superficiais e subterrâneas suficientes para atender às necessidades humanas e ecológicas. A natureza faz a sua parte, mas é importante que o homem faça a sua. Por falta de um gerenciamento adequado dos recursos hídricos, é crescente a perspectiva de escassez de disponibilidade água e do acirramento de conflitos e consequências sociais.
No Dia da Água, celebramos os avanços obtidos, que não foram poucos. Mas é preciso, sobretudo, reconhecer a enorme responsabilidade que se impõe a governo e sociedade. Primeiro, garantir o acesso à água potável para todo cidadão brasileiro. Segundo, alcançar o patamar adequado de consciência e atitude por parte do cidadão, e de políticas eficazes de recursos hídricos por parte do governo, para garantia da disponibilidade hoje e no futuro.
Algumas lições devem ser aprendidas pela experiência do MDS: a viabilidade das soluções descentralizadas de abastecimento, com destaque para a captação da água da chuva; a potencial contribuição da sociedade civil organizada na execução de políticas públicas; e a priorização da abordagem humana e social. Água é vida. E é pela vida, digna e cidadã, que o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome assume sua posição frente ao desafio da água.
*coordenador-geral de Acesso à Água da Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SESAN) do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS) e especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG).