Educação Contextualizada
14.09.2016
Educação contextualizada é um novo projeto de Semiárido

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Por Elka Macedo - Asacom

Educadoras e educadores do Semiárido debatem luzes para educação contextualizada | Foto: Amanda Sampaio

À luz da teoria de Paulo Freire, dezenas de educadoras e educadores populares de todo o Semiárido iniciaram nesta terça-feira, 13, em Teresina no Piauí a reflexão sobre a importância de se construir e fortalecer uma educação que seja libertadora e efetiva. E “esperançar” foi o verbo que deu o tom inicial do Encontro Nacional de Educação Contextualizada para a Convivência com o Semiárido, realizado pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA).

“Precisamos esperançar no sentido que Paulo Freire dizia: esperançar é juntar-se com outros e outras para fazer de outro modo. E estamos aqui hoje tentando manter o verbo esperançar para continuar a luta e é este o objetivo da ASA de construir uma educação como processo de vida e com uma perspectiva de inserir na sociedade pessoas novas para que possamos combater as tantas desesperanças”, enfatizou o Coordenador executivo da ASA pelo estado do Piauí, Carlos Humberto.

O projeto de educação que é mote do evento reitera a relevância da execução do Programa Cisterna nas Escolas, que até o momento permitiu que 4.580 escolas rurais do Semiárido tivessem acesso à água de qualidade por meio da cisterna de placas. “O Programa que era só para captar água revelou o retrato do abandono das nossas escolas não só do ponto vista metodológico e didático, mas de infraestrutura. O êxito do Programa fortalece a força politica das nossas comunidades. Faz com que a escola conheça a comunidade e a comunidade reconheça a escola num processo que a não educação escondeu”, reflete Carlos Humberto.

A mesa de abertura contou também com a apresentação da experiência em educação da Escola Municipal Liberato Vieira, localizada na comunidade Brejo da Fortaleza, município de Ipiranda do Piauí, que a partir de ações simples como hortas escolares conseguiu envolver estudantes, professores e comunidade. A estudante e amiga da escola Verônica Fontes de Souza que vivenciou a mudança na localidade destacou o conselho que sempre ouviu de uma de suas professoras. “É como ela diz: Não vamos ligar somente para o que a professora diz na escola, vamos nos importar com a nossa comunidade porque é dela que vocês vão avançar o aprendizado de vocês, porque se não conhecermos a realidade de nossa comunidade jamais poderemos ser sabedores de nossa ciência”.

A Rede de Educação do Semiárido (Resab) também protagonizou esse primeiro momento. Vera Maria Oliveira Carneiro que faz parte da Rede enfatizou que é preciso que a educação contextualizada seja mais que um discurso. “Nós trabalhamos com uma proposta de educação contextualizada que além de perpassar pelos conteúdos para transformação dos sujeitos a partir da proposta de convivência com o Semiárido, precisa se transformar em uma politica pública de educação. A educação contextualizada vai desde o ensino fundamental até à universidade para que a escola não seja só uma repassadora de conteúdo, mas da construção de uma nova sociedade e de um novo Semiárido”, disse.

Miguel Arroio fala da importância de pensar uma educação que liberte | Foto: Paula Andréas

Neste contexto, o pesquisador e professor Miguel Arroyo, convidado para falar sobre “o papel da educação popular na transformação social”, salientou o quanto é necessário transformar a realidade por meio da educação e provocou os presentes a pensar além. “Educação do Semiárido é outro projeto de Semiárido, é outro projeto de campo, é outro projeto de sociedade. Só lutar por um outro projeto de Semiárido sem pensar um outro projeto de sociedade é pensar pequeno, pois se queremos alargar a nossa concepção de educação contextualizada não pode ser para que fique fechada neste contexto, ao contrário, colocar este contexto em outro projeto de campo que sirva para a dignidade do bem viver”.

A fala do estudioso baseou-se em três principais palavras: vida, cultura e Semiárido. Para ele, a escola hoje não fala de vida, mas apenas de ensinar e aprender e por isso estamos ameaçando o direito à vida. Além disso, Arroyo explica que “a escola está muito centrada no conhecimento e menos na cultura, e o direito à cultura é muito mais radical do que o direito ao conhecimento. 80% dos conteúdos dos currículos são de saberes inúteis. E um saber que não ajuda a entender-me para que me serve?”.

Educação e contexto político - Às vésperas das eleições municipais, 14 dias após o impeachment da presidenta eleita Dilma Rousseff e com o país gerido por um governo ilegítimo, seria impossível não falar na conjuntura política do país que tem cada dia mais afetado diretamente a classe trabalhadora. “Este é um momento de reflexão para nós e importante do ponto de vista político, social e econômico. Nós vivemos um momento de desafios, mas também de grandes oportunidades. Nós estamos firmes no nosso objetivo de construir um país melhor. O importante é não desistir dos nossos sonhos, e falar de sonho e caminhada é falar de educação e o Programa Cisterna nas Escolas foi um sonho realizado para muitas famílias” destacou Carlos Humberto que também trouxe números sobre o fechamento de escolas rurais, que somam 38 mil unidades em cinco anos.

Os retrocessos não iniciaram agora e segundo Miguel Arroyo, mais do que nunca precisamos retomar ensinamentos e sermos mais radicais. “É hora de retomar Paulo Freire com toda radicalidade, pois os saberes dele são de experiências feitas. Precisamos pensar como Paulo Freire pode nos inspirar. Olhemos para Paulo Freire e para sua radicalidade política, mas olhemos também para a repolitização e radicalização política que vem dos movimentos do campo. Se alimentem troquem experiências, lutas e ideais”, disse.

Ele reforça o fato de ainda termos ações e políticas que não consideram o povo como sujeito de direitos. “A Constituição diz que o povo tem direito aos saberes elementares. Quais são os termos que nós usamos? Educação primária, educação fundamental, educação básica, salário básico, casa básica, saúde básica... é isso, enquanto não mudar o olhar sobre o povo, não mudará o sentido da educação nem muito menos as politicas de direitos”.

Encontro - O evento segue até esta quinta-feira, 15, e na programação haverá momentos de partilha de saberes, além de trabalhos em grupos baseados nos seguintes temas e experiências: Educação gênero e sexualidade; Escola Família Agrícola; Educação e agroecologia; Educação e povos tradicionais; Políticas públicas e educação; relação entre o direito à terra e a educação.