Por Gabriel Lopo - Oximity
Os Donos da Mídia não nasceram no século XXI. Tão pouco em 88, ou proximidades. São consequência de um longo processo de desenvolvimento histórico da comunicação em um país marcado pela desigualdade. Ameaçam o desenvolvimento plural da comunicação
A Democratização da Comunicação no Brasil é um longo debate que envolve Estado, iniciativa privada, movimentos sociais e a sociedade civil. A Constituição Federal de 1988 foi um grande marco para redemocratização brasileira e formulações a respeito do poder de outorga.
Os artigos Constitucionais 54º e 55º são consideráveis avanços para garantir a natureza democrática do exercício político. Infelizmente as múltiplas interpretações da Lei e a inconstitucional ligação dos Deputados e Senadores com as mídias marcam contradições no leque da difusão de informações, fragilizando a comunicação no Brasil.
A Constituição Federal de 1988, quando de sua formulação, foi influenciada por inúmeros elementos e marcou um importante momento da história do Brasil. Alguns dos avanços para a comunicação naquele tempo foram os artigos 54º e 55º e as providencias para concessão de outorgar ficaram mais robustas.
Os Artigos 54º e 55º são relevantes para tratar a comunicação no Brasil. Eles inferem diretamente na relação dos Deputados e Senadores com as diversas mídias. O Artigo 54º dispõe que os Deputados e Senadores não poderão firmar ou manter contrato com empresa concessionária de serviço público –as empresas de telecomunicações e de radiodifusão trabalham sob concessão de serviço público -. O Artigo 55º dispõe que o Deputado ou Senador que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo 54º perderão o mandato.
De acordo com o levantamento feito pelo projeto Donos da Mídia, no Brasil, 271 políticos são sócios ou diretores de 324 veículos de comunicação. Foram cruzados dados da Agência Nacional de Telecomunicações com a lista de prefeitos, governadores, deputados e senadores, mapeando quais deles são proprietários de veículo de comunicação. Ainda de acordo com os dados, 54% são prefeitos, 20% deputados estaduais, 17% deputados federais e 7% senadores.
A direção dos veículos de comunicação não condiz com a natureza do cargo político. Não só o subjetivo imaginário social, como consideráveis parcelas da população ficam reféns do Coronelismo e Cartório Midiático. O exercício do controle sobre parte do eleitorado, geram elites e oligarquias políticas regionais. A história do desenvolvimento nacional aponta que a concentração de poder – e a comunicação entra nesse lobby - em elites e oligarquias regionais apenas aprofunda as contradições e as desigualdades já existentes no Brasil.
Gradativamente, esses fatos apontam para outro problema que é a liberação de outorgas. O Estado é responsável pela regulação das faixas de espectro eletromagnético por onde passam os sinais de televisão e rádio. Ou seja, o Espectro é algo público e para “explora-lo”, as empresas precisam de uma concessão de outorga. Portanto, quando conquistam a outorga as empresas passam a ser concessionárias de serviço público. Antes da Constituição de 88 as outorgas eram liberadas pelo Poder Executivo Federal, através da Secretaria de Comunicação Social.
Uma reivindicação da encabeçada pela Federação Nacional dos Jornalistas provocou mudanças no processo de liberação de outorga. O poder de outorga passou a ser partilhado entre Poder Executivo e Legislativo. O processo tramita pelo Ministério da Comunicação, Secretaria de Relações Institucionais e pelo Congresso Nacional.
No Congresso Nacional o processo passa pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), em seguida para Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que tem poder terminal sobre a confirmação da outorga. O processo dá entrada no Senado, passa por comissões similares e depois recebe ou não a autorização de funcionamento.
Diante desse contexto, a partilha do poder de outorga ainda não apresentou a eficiência esperada. Um claro exemplo é a concessão de outorgas para rádios comerciais, destaque para as rádios regionais. Os mesmos deputados, sócios ou diretores de veículos de comunicação de radiodifusão, são os mesmos deputados que aprovam a concessão de outorga para seus veículos. Não somente os veículos de radiodifusão diretamente ligados aos Deputados e Senadores, mas também de outros políticos como os prefeitos.
Basicamente, um prefeito, sócio ou diretor de uma rádio em sua região procura conseguir a concessão de outorga. Para isso, articula a base política de seu partido na Câmara, no Senado, dependendo do campo político articula suas alianças na esfera Executiva, para que a outorga seja liberada. Logo após um período, esse prefeito pode estar colaborano para a dominação oligárquica de sua região. Não é estranho, portanto, que 54% dos políticos sócios ou diretores de veículos de comunicação sejam prefeitos.
As falhas do atual processo de liberação de outorga devem ser problematizadas. A concessão de outorga é uma questão séria, envolve a difusão de informação e a formação de opinião de grandes parcelas populacionais. Quando a concessão passa a ser exercida com critérios de afinidade política e econômica entre os agentes públicos, abre-se margem para privação do direito à comunicação diversificada e plural e o poder de dominação ganha espaço.
Ações já têm sido tomadas para reverter esse quadro. Em 2015, procuradores de São Paulo receberam uma Representação solicitando o cancelamento das concessões, permissões e autorizações de radiodifusão outorgadas a pessoas jurídicas que possuam políticos titulares de mandato eletivo como sócios ou associados.
A Representação, assinada por diversas entidades da sociedade civil, reclama a atuação do Ministério Público Federal sobre o assunto. Está disponível no site do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC). Ações solicitando o cancelamento das licenças sob controle de três deputados federais de São Paulo já foram encaminhadas. Os deputados são Antônio Bulhões (PRB); Baleia Rossi (PMDB) e Beto Mansur (PRB). A iniciativa, de acordo com FNDC seguirá para os demais estados.
Logo, é a partir desse leque da comunicação no Brasil que se percebe a necessidade de reformular e democratizar a comunicação. Os novos tempos exigem novos códigos e novos marcos regulatórios. Muitas vezes nossos olhares ficam difusos e alienados ao tema, consequência de sua irrelevante abordagem nos grandes veículos. Propor soluções é uma tarefa ainda difícil, porque exige experiência e uma conduta amadurecida por parte de quem propõe. No entanto, o primeiro passo é sem dúvidas o questionamento.
Os Donos da Mídia não nasceram no século XXI. Tão pouco em 88, ou proximidades. São consequência de um longo processo de desenvolvimento histórico da comunicação em um país marcado pela desigualdade. Até mesmo a má distribuição fundiária - um dos principais problemas dos países em desenvolvimento para historiador Eric Hobsbawm - influência no controle dos meios de comunicação regionais. A existência desses Donos da Mídia ameaça o desenvolvimento plural e polivalente da comunicação.
Também, não será “hoje”, o dia em qual será conquistada a plena democratização da comunicação no Brasil. É provável, que em alguns anos a Constituição seja reformulada, será então o momento de lançar propostas mais “ousadas” para uma nova comunicação no país. Antemão, existem iniciativas interessantes, como a Lei da Mídia Democrática o – polêmico – Marco Civil da internet, o projeto Donos da Mídia, que são reflexos dos esforços desempenhados por diversos setores sociais.
Por conseguinte, foram abordados três importantes aspectos da comunicação no Brasil. Uma tentativa de elucidar interessados no assunto. Espero que os caminhos a serem trilhados apontem não só uma nova perspectiva e parâmetros para a comunicação, como também, um novo projeto de sociedade (Estado, Mercado e Povo) digno de uma Mídia diversificada, plural e democrática.
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