Por Kleber Nunes | ASACom

Depois de voltar para o campo, no Assentamento 8 de Março, na zona rural de Teresina (PI), Lucimara Ferreira, de 53 anos, reencontrou suas raízes na agricultura familiar. Foram pelo menos oito anos plantando para subsistência dela e dos dois filhos, até que veio o diagnóstico de câncer de mama. O tratamento foi um sucesso e a saúde da agricultora foi restabelecida, mas o desgaste do processo tirou dela o prazer de “mexer com a terra”.
“Há 10 anos, voltei para a zona rural. Fazia roça em meio hectare plantando, por exemplo, milho, feijão, macaxeira e quiabo, e criava galinhas para consumo próprio. Em 2023, recebi a notícia do câncer de mama; fiz o tratamento, deu tudo certo, mas fiquei muito para baixo. Estava sem rumo, parei de plantar e tive que vender os animais”, conta Lucimara.
Filha de agricultores do município de Barras (PI) onde nasceu, Lucimara redescobriu a importância da terra e das sementes com a chegada dos “Quintais das Margaridas” em sua comunidade. O projeto faz parte do Programa Quintais Produtivos das Mulheres Rurais, do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), em parceria com a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
“A chegada desse projeto foi uma alegria. Com ele eu descobri a força de vontade para retomar minhas coisas. As meninas envolvidas não vêm só para ensinar, elas são amigas e acabaram se tornando minha rede de apoio. Sempre tive vontade de trabalhar com horta, mas depois da doença não tinha mais iniciativa própria nem quem me desse essa força, elas deram e o programa foi transformador para mim”, afirma.
Lucimara é uma das 27 mulheres, em Teresina, acompanhadas pela Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Piauí (FETAG-PI) que receberão, nesta sexta-feira (28), os primeiros quintais produtivos finalizados pelo Projeto Quintais das Margaridas. Serão realizadas as assinaturas do termo de recebimento e a entrega das placas de identificação das áreas de produção.
“Aprendemos tudo como, por exemplo, quando a semente está boa para plantar e também a preencher a caderneta agroecológica, onde anotamos o que produzimos, vendemos, consumimos e doamos. Agora vou retomar a criação de galinhas e estou reiniciando a horta com feijão e tudo que é de verdura. Com certeza vou comercializar meus produtos. Esse projeto trouxe mudanças para a minha vida tanto na parte da saúde, quanto na financeira”, diz Lucimara.
MULHERES PROTAGONISTAS
Ao todo, o Projeto Quintais das Margaridas entregará até junho 1.024 quintais produtivos, nos nove estados do Nordeste, com áreas para galinheiros, viveiros de mudas, currais, sistemas agroflorestais e de irrigação, pocilgas e equipamentos para beneficiamento de alimentos. As atividades e a assistência técnica são executadas por 14 organizações sociais.
De acordo com a coordenadora executiva da ASA Rejane Silva, o Quintais das Margaridas evidencia a força de auto-organização das mulheres e como elas são potentes no processo de convivência com o Semiárido. Essa contribuição das agricultoras, segundo ela, promove uma verdadeira transformação em toda a comunidade, indo além da implementação de tecnologias para a produção de alimentos e atingindo as estruturas sociais no meio rural.
“Elas passam por vários momentos coletivos de formação. Então, passam a ver possibilidades olhando para as ações que existem em suas comunidades e começa a fluir, a partir desse momento, uma organização maior entre elas. Quando se juntam, a gente vê essa questão da coletividade e do fortalecimento participativo. Por isso, o Projeto Quintais das Margaridas não é só a infraestrutura dos quintais, mas é a participação da mulher na comunidade, fortalecendo a convivência com o Semiárido”, avalia Rejane.
O Projeto Quintais das Margaridas é uma ação de governo que nasceu da construção dos movimentos feministas, em especial, da Marcha das Margaridas, que une segurança alimentar e resiliência climática. Por isso, o projeto que, até 2026 deve implantar 92 mil áreas produtivas no entorno da casa de agricultoras familiares, é um exemplo de sucesso quando o assunto é o empoderamento e a autonomia das mulheres do campo. Contudo, Rejane enfatiza, que a iniciativa deve estimular mais políticas públicas para as agricultoras.
“O maior resultado é a felicidade dessas mulheres em estar nesses espaços produzindo mais e com diversidade e avançando na questão da comercialização e da alimentação da própria família. O Projeto Quintais das Margaridas também abre espaço para outras políticas, como as de crédito com linhas de financiamento para que essa mulher e essa família possam melhorar ainda mais os seus quintais”, destaca Rejane.
ORGANIZAÇÕES EXECUTORAS DO PROGRAMA QUINTAIS PRODUTIVOS DAS MULHERES RURAIS - PROJETO QUINTAIS DAS MARGARIDAS
Alagoas
Associação de Agricultores Alternativos - AAGRA
Bahia
Cooperativa Rede de Produtoras da Bahia
Articulação Sindical Rural da Região do Lago Sobradinho
Ceará
Associação Cristã de Base (ACB)
Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador e à Trabalhadora (Cetra)
Maranhão
Associação Solidariedade Libertadora Área de Codó (Assolib)
Paraíba
AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia
Programa de Aplicação de Tecnologias Apropriadas (Patac)
Pernambuco
Casa da Mulher do Nordeste
Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste (MMTR-NE)
Piauí
Centro de Educação Ambiental e Assessoria (CEAA)
Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores(as) Familiares dos Estado do Piauí (Fetag-PI)
Rio Grande do Norte
Centro Feminista 8 de Março
Sergipe
Sociedade de Apoio Sócio Ambientalista e Cultural (Sasac)
NOTÍCIAS RELACIONADAS
Reconhecimento internacional22.08.2017 | Programa Cisternas ganha prêmio como uma das políticas públicas mais relevantes no combate à desertificação |
Agroecologia31.08.2016 PB | Articulação do Semiárido Paraibano promove oficina para debater relações de gênero e feminismo |
Acesso à Água06.10.2015 BA | Rio São Francisco: sua importância cultural, econômica e social estão sob ameaça |
RUMO AO IV ENA01.03.2018 | Na contramão do agronegócio, agroecologia valoriza saberes e garante direitos dos povos |
Lata d´água na cabeça até quando?15.09.2017 | Premiado pela ONU, Programa Cisternas pode ter corte de 92% no orçamento para 2018 |
Reconhecimento21.07.2017 | Política pública que promove a convivência com o semiárido brasileiro é selecionada para prêmio internacional |