Dia das Juventudes
12.08.2021
Juventudes do Semiárido: diversidade, protagonismo e certeza do que precisa avançar

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Por Érica Daiane Costa | ASACom

Foto: XVII Enecult

De Queimadas, na Paraíba, a Juazeiro, na Bahia. Do Movimento Sindical e Cooperativismo à Comunicação Popular e Educomunicação. Quando se fala de juventudes no Brasil, é inegável a diversidade. São pessoas com idade entre 15 e 29 anos, faixa etária que define o que é ser jovem, segundo o Estatuto da Juventude, previsto na Lei nº 12.852/2013. Além da diversidade, esse público corresponde a uma parcela significativa da população brasileira, 49,95 milhões de pessoas, como afirma a pesquisa Juventudes que Contam: Percepções e Políticas Públicas, divulgada em junho deste ano pela Fundação Getúlio Vargas (FGV Social).

Entretanto, as juventudes, em linhas gerais, não costumam ser foco de políticas públicas efetivas, nem de grandes investimentos previstos nos orçamentos públicos, seja dos municípios, estados ou em âmbito federal. Para ajudar a refletir sobre este segmento, foi instituído pela ONU (Organização das Nações Unidas), em 1999, 12 de agosto como o Dia Internacional da Juventude. Em entrevista à ASACom, dois jovens dão sentido à importância de se fazer reflexões políticas em datas como essa.
 
Conheça abaixo as alegrias, atuação e desafios de muitos/as jovens do Semiárido a partir de Manuela Ferreira, baiana do Vale do Salitre, em Juazeiro (BA), educomunicadora do Coletivo Carrapicho Virtual, estudante de Ciências Sociais, que acabou de ingressar na universidade, aos 18 anos, e Mateus Nascimento, paraibano de 25 anos, morador do Sítio Soares, no município de Queimadas, que está como vice-presidente da CooperBorborema, uma Cooperativa que foi criada em julho deste ano e trabalha com derivados de milho livre de transgênicos, o milho da paixão, dentre outros produtos. A partir dos perfis de Manu e Mateus é possível compreender porque o ideal é tratar juventudes, no plural.

 

Manuela Ferreira, entrevistadaASACom - Quem é Manuela Ferreira?

Manuela - Eu sou Manuela Ferreira, sou uma jovem estudante do campo, educomunicadora, faço parte do Coletivo Carrapicho Virtual, um Coletivo de educomunicação que atua aqui no Vale do Salitre, no interior de Juazeiro, Bahia. E atualmente estou ocupando outros espaços como o da universidade, construindo essas pontes de conhecimento, levando a minha trajetória enquanto pessoa que está nos movimentos sociais, nos movimentos de comunicação popular e educomunicação, e também levando os saberes populares que eu consegui adquirir durante a minha vida, na minha comunidade, bem como a defesa do Semiárido, defesa de que a gente possa conviver com o Semiárido e lutar por políticas públicas para a juventude do campo.

Mateus Nascimento, entrevistadoASACom - Quem é Mateus Nascimento?

Mateus – Mateus Manassés Bezerra Nascimento, é um jovem de 25 anos, morador de uma comunidade rural, apaixonado por essa comunidade, biólogo por formação e agricultor por natureza. Desde pequeno fui muito incentivado, pela minha vó e pelo meu pai, a estar nesse meio do plantio e, principalmente, na criação. E além de tudo, uma pessoa que busca sempre transformar sua realidade de vida pra melhor, e além da sua tetando um pouco também transformar a realidade da sua comunidade local, principalmente a população de agricultores. E uma pessoa muito grata pelas oportunidades que o movimento sindical me propôs e me propõe até hoje, esse espaço de discussão, esses espaços políticos e esse espaço de motivação.

ASACom - Considerando o contexto em que você vive, quais as alegrias de ser jovem?

Manuela – Uma das alegrias que partilho é justamente esse contato que até o momento está sendo possível que é de estar na Universidade e também estar inserida na minha comunidade. Então, essa minha ligação com o território em que eu estou inserida me fortalece e só me faz entender que o conhecimento e as experiências não estão desvinculadas, muito pelo contrário, elas têm que se interligar, sobretudo quando se trata de povo. Ser jovem no Semiárido, mesmo diante das dificuldades, também é ter a alegria de acreditar que a gente pode construir um Semiárido diverso, com oportunidades diversas, que permitam uma segurança e uma vida próspera para aqueles e aquelas que moram neste território, sobretudo jovens. Essa é minha alegria... de partilhar a cultura popular, a cultura que vem do povo, da massa, essa diversidade existente, numa terra que é fértil, ao contrário do que diz, por exemplo, a grande mídia. Ter contato com a terra, como esse solo fértil, é uma das alegrias que me faz construir a cada dia e acreditar que é possível um Semiárido mais diverso e que tenham pessoas que realmente o representem e que defendam, de verdade.

Mateus – A alegria de ser jovem, principalmente, é ter uma esperança de longos dias de vida. Eu tenho esperança de chegar a 100 anos, eu tenho 25, faltam 75 anos (risos). Então ter essa longa vida e principalmente ter energia, ter saúde, ter satisfação e ter muita vontade de lutar pra ver a transformação social acontecer, seja na nossa comunidade local, mas seja também numa realidade de país. Eu sonho de ver ainda pessoas não serem julgadas pela sua cor, pela sua condição sexual, pelo seu cabelo, pelo seu corpo, pelo seu sexo. Nem que eu esteja com uns 80 anos, que eu tenha essa alegria de poder ter a chance de ver essa sociedade transformada... por nossas mãos.

ASAcom - Ainda é muito comum a reprodução de um discurso de que “a juventude não quer nada”. Para você, de onde vem isso?

Manuela - A meu ver esse discurso é histórico e carregado de muito significado. Eu acredito que esse discurso venha muito numa tentativa de não haver renovação nos espaços de poder, é uma tentativa de silenciamento da juventude que vem se mostrando, desde muito tempo, enquanto uma juventude que reivindica e que está totalmente interessada em discutir políticas públicas, em estar em espaços de decisões, né? Cada vez mais chegando nas universidades e incluindo discussões que são pautadas, muitas vezes, nas suas comunidades, como um conhecimento que deve ser estudado, pesquisado e ser referenciado e que, inclusive, haja um retorno para a comunidade. (…) Acho que a juventude vai se mostrando cada dia mais com ideias novas, com possibilidades, enfim... então essa tentativa de dizer que não se tem interesse por parte da juventude é mais uma vez uma forma de dizer ‘olha, não tem espaço, não tem como’ e manter sempre a velha política, aquelas velhas decisões, sempre um olhar engessado.

Mateus – Eu acredito que esse discurso de que a juventude não quer nada é algo cultural, já vem de geração em geração. Sempre os mais velhos com esse discurso formado e que hoje a gente batalha muito pra quebrar. Muitos adultos hoje acreditam que o jovem não quer nada, o jovem só quer criminalização, o jovem só quer droga, o jovem só quer bebida, o jovem não quer trabalhar, o jovem não quer estudar, desacreditando que esse jovem possa ocupar lugar de liderança, lugar de destaque na nossa sociedade, como um presidente de sindicato, um líder na comunidade, como um empreendedor bem desenvolvido, como um professor, como seja o que for. Muitas pessoas ainda pensam que essa juventude não é capaz, mas a gente tá desconstruindo esse paradigma pouco a pouco, mostrando, na prática, que nós, juventude, a gente quer sim mudança e a gente quer conseguir também nosso lugar na sociedade.

ASAcom - Nos meios de comunicação, quando se fala em Nordeste, Semiárido, pouco ou nada se fala no protagonismo das juventudes, da juventude rural menos ainda. Por onde anda a/o jovem rural? O que tem feito?

Manuela – Eu acho que a juventude muito tem feito, sobretudo no Semiárido. A gente vê projetos que estão dando certo, coletivos que vêm se formando, discutindo a comunicação popular, a educomunicação. O que eu vejo é que não há investimentos para essa juventude do campo, essa juventude rural, que quer oportunidades para além da convivência somente com a roça, mas que muitos querem tá inseridos nesse espaço da roça, da plantação, da agricultura familiar, mas com outras oportunidades, trabalhar em outras áreas que incluam isso, que possa gerar renda pra sua família. Tem a juventude do campo que quer ser professora, quer ser professor, quer ser uma cientista social, quer ser um pesquisador, um antropólogo ou uma antropóloga, quer ser um médico, advogado, advogada, mas que não quer perder esse vínculo com a comunidade, que quer fazer pesquisa, quer estudar, entender seu povo. Mas como a gente quer essa juventude sendo protagonista deste espaço e levando esse reconhecimento, se não há investimento no local? Fazer por conta própria é bem mais complicado, o caminho é mais longo e trabalhoso. A partir do momento que há investimento e um olhar para essa juventude do campo, ela vai se mostrar mais presente nos espaços de decisões e mais atuante. Quando não se investe, tampouco vai ter uma juventude que se reconhece, que se enxerga nas raízes do seu lugar.

Mateus – O jovem rural tá no campo, sim, produzindo, o jovem rural tá estudando. O jovem rural tem uma dupla carga de trabalho, em que vai pra escola e quando chega vai plantar uma palma, vai limpar um mato, vai colher um milho, vai dá ração às cabras, vai dá ração aos porcos, vai deitar galinha, vai cuidar dos pintos. Essa juventude tá sim no campo produzindo, a questão é que essa juventude está sendo silenciada, essa juventude está sendo escondida. Quem tá ficando, às vezes, com o protagonismo são os próprios pais, que produzem junto, mas no momento de declarar isso, sonega. E também outra questão é que por ser visto como uma profissão desqualificada, o próprio jovem agricultor não se reconhece ou não se identifica como agricultor, como produtor rural, às vezes tem vergonha dessa profissão, às vezes tem vergonha dos pais serem agricultores, às vezes os próprios pais têm vergonha de serem agricultores, pedindo que os filhos estudem para não ter uma vida e uma profissão como a deles. Então isso gera uma frustração nessa juventude e pouco a pouco vai se escondendo e vai se desviando dessa profissão e contribuindo também pra uma mídia, uma comunicação que tenta também, infelizmente, ofuscar esse jovem.

ASAcom - A partir do seu lugar de fala, quais os principais desafios enfrentados hoje pelas juventudes do Semiárido?

Manuela – As dificuldades são tantas, né? Acesso à internet, por exemplo. Nesse período de pandemia, acessar aula online tá sendo uma das maiores dificuldades e até mesmo outras articulações onlines, porque é uma internet que não é de qualidade, é uma internet que tem fazer escolhas para utilizar. Numa casa são mais de três aparelhos conectados, quando se tem uma internet, quando não são dados móveis. Então, como que essa juventude vai ter acesso a uma informação verdadeira, espalhar essa informação pra sua comunidade, se a internet não permite ter acesso a várias fontes? Essa questão de se locomover pra cidade pra estudar e retornar pra sua comunidade, muitos e muitas têm que optar por morar lá [na cidade], e se distanciar de todo convívio com a comunidade, porque não tem como retornar [diariamente]. Uma educação que não é contextualizada [é outro desafio], que não vai discutir o que é o Semiárido, o solo que tá pisando e a importância de defender isso, qual o bioma que tá rodeando a gente, como que a gente compõem o mundo a partir das nossas vivências. Uma das dificuldades é discutir a educomunicação, a comunicação popular, que isso esteja integrado no ambiente escolar. A Caatinga, a gente vê uma certa exploração ainda mais feroz, o agronegócio invadindo as comunidades e essa é uma das dificuldades que afeta diretamente a juventude, que muitas vezes, por ser uma única opção, tem que trabalhar pra receber uma diária, valor que não contempla seu trabalho, enquanto poderia tá trabalhando em outras áreas como o ecoturismo de base comunitária e outras áreas de desenvolvimento consciente. Então os enfrentamentos das juventudes do Semiárido são enormes, a gente se coloca nesse lugar de reivindicação, mas entende que tem muito que avançar ainda.

Mateus – A juventude hoje, no Semiárido principalmente, luta com um grande desafio que é a questão da posse de terra. Hoje, poucos jovens têm terra disponível para trabalhar. Quando os pais têm uma terrinha um pouco maior, tomam conta de tudo e, às vezes, não deixam esse jovem, de maneira autônoma, exercer suas atividades. Às vezes, também esses pais já não têm terra, trabalham em terras de terceiros. Às vezes essas terras são vendidas, impossibilitando que esse jovem também desenvolva essa agricultura. Não se faz agricultura sem ter a terra. Outro desafio é a dificuldade de acessar políticas públicas, como um financiamento do Agro Amigo, por exemplo. Através da DAP Jovem – DAP: Declaração de Aptidão ao Pronaf – infelizmente essa juventude não pode tá acessando nenhuma linha de crédito pelo Agro Amigo. Na maioria das famílias, às vezes os pais, que são titulares da DAP, fazem as DAP’s, os filhos não têm direito de serem agregados. Tem o direito de fazer uma DAP Jovem, mas infelizmente essa DAP não dá acesso a nenhuma linha de crédito. É um desafio muito grande que a gente enfrenta, é acessar o Agro Amigo enquanto juventude sólo, sem precisar de tá ligado a nossa família. Às vezes, a gente tem anseios diferentes dos nossos pais: às vezes eu quero fazer um Agro Amigo para apoiar uma criação de cabras, às vezes é um desejo que minha mãe e meu pai não tem, mas eu enquanto juventude tenho. Então falta muito essa autonomia através do acesso às políticas públicas. Outro desafio para a juventude hoje é ela ocupar lugares de lideranças dentro dos seus sindicatos, dentro de suas associações. Tem muitos sindicatos pelegos ainda, em que direções antigas não abrem mão do poder e não agregam novos membros, principalmente a juventude, para tá ocupando lugares de decisões, lugares de liderança. Então se esse contexto mudasse, a juventude camponesa tinha mais chance de tá atuando, protagonizando a mudança das próprias vidas e de sua comunidade, local, municipal e de forma geral.