Por Adriana Amâncio - Asacom
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Ainda bem pequena, no Sítio Serra Alta, região rural do município de Queimadas (PB), a jovem apicultora Marcelânea Machado via o pai cumprir um ritual diário: sair para trabalhar “alugado”, por uma diária “bem baixa” por sinal, e, à noite, ao chegar, ia colher o mel das abelhas, atividade que complementava a renda da casa. Aos dez anos, ela começa a ajudar o pai, que não deixou de ensinar, segundo ela, nenhum detalhe de como fazer o melhor manejo das abelhas. Na época, o trabalho era rústico, sem equipamentos, e as ferroadas eram enfrentadas na “raça”. Apenas dois anos depois, após partilhar as colmeias com outro apicultor, a família teve acesso aos equipamentos de segurança, fazendo rodízio com o novo parceiro de cultivo.
Hoje, 16 anos depois, ela se diferencia na apicultura por diversas razões. Primeiro, porque é uma das poucas jovens mulheres a desempenhar o trabalho; segundo, por que é uma referência no compartilhamento da sua experiência na área em intercâmbios e outras atividades formativas; e terceiro, porque aliou o conhecimento técnico com a formação política e, hoje, é uma das coordenadoras da Rede de Jovens Apicultores/as do Polo da Borborema.
"A gente, às vezes, escuta: ‘ah, você é a única mulher jovem que gosta de fazer, que gosta de trabalhar com a apicultura, que tem coragem de trabalhar com apicultura! Porque tem homens que não têm coragem de fazer apicultura, imagina mulher!’ Depende do interesse da pessoa, o meu interesse sempre foi… me virar! Eu não sei qual é o meu medo. Tenho que descobrir do que eu tenho medo ainda”, afirma Marcelânea.
Medo e limitação realmente são duas palavras que não existem no vocabulário de Marcelânea, que ampliou a sua experiência produtiva para além da apicultura. “Eu mesmo crio ovelhas, comprei uma chocadeira, agora, comprei uma moto forrageira para auxiliar na alimentação dos meus animais”, reforça.
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Ampliando a visão sobre o valor da apicultura_ A habilidade de Marcelânea com o cultivo de abelhas se fortaleceu bem mais em 2015, ano em que a jovem recebeu o convite para entrar no Sindicato dos/as Trabalhadores/as Rurais de Queimadas, na região da Borborema. Como forma de incentivar as atividades produtivas desempenhadas pelos/as jovens agricultoras/es, o Sindicato se organizava em núcleos produtivos.
Na época, Marcelânea passou a integrar o Núcleo de Reflorestamento, formado por apicultores/as e viveiristas. Neste espaço, cada produtor/a recebeu equipamentos de segurança, caixas e viveiros para produção de espécies da flora que alimentam as abelhas, além de uma centrífuga usada no beneficiamento dos produtos. O grupo ainda foi contemplado com capacitações e intercâmbios sobre manejo de abelhas.
A consolidação da experiência veio por meio da criação da Rede de Jovens Apicultores/as da Borborema. No total, são 26 integrantes entre apicultores/as, viveiristas e criadores/as de animais, que pertencem aos municípios de Queimadas, Remígio, Areial, Esperança, Solânea, Montadas e Lagoa Seca. O espaço, coordenado pela jovem Marcelânea e por Edson Johny, conta com apenas quatro jovens mulheres. A articulação surgiu no âmbito do Polo da Borborema, uma rede formada por 13 sindicatos e outras cerca de 150 organizações que trabalham pela convivência com o Semiárido.
O núcleo geral, composto por representantes de cada uma destas redes, se reúne periodicamente para discutir demandas e projetos de interesse dos/as jovens produtores/as. Com a pandemia, as atividades estão sendo realizadas de forma online, porém, mantendo a periodicidade bimensal. Além de integrar a coordenação, a jovem apicultora facilita oficinas e recebe grupos de produtores/as em intercâmbios. Ela conta que a experiência política e técnica aprofundou a sua visão sobre o valor da apicultura.
“Quando a gente começou, [a apicultura] era uma das rendas principais, apesar de que naquela época o valor do litro de mel era muito baixo. Hoje, continua sendo uma renda importante, a diferença é que antes a gente colhia mais porque o inverno era bem melhor. A apicultura é um símbolo de superação, de busca, de luta, de força, de organização. Se a gente for parar para ver uma colmeia, vamos ver que ela é extremamente organizada e a gente vai tirando isso pra nossa vida. É um símbolo de cuidado com a natureza e com o próximo. É uma alternativa de renda para que os jovens não viagem para fora e se tornem escravos das empresas nas grandes cidades. Fugindo da questão da renda, as abelhas são muito importantes, pois sem abelhas não podemos viver por muito tempo”, reflete.
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Sustentabilidade financeira _ Com o intuito de não depender exclusivamente dos projetos sociais e das políticas públicas oriundas das gestões municipais, estaduais e federais, a Rede de Jovens Apicultores/as criou um Fundo Rotativo Solidário. O seu funcionamento é garantido pela contribuição mensal de R$ 5 realizada por cada participante. Mensalmente, as/os colaboradores/as se reúnem para decidirem como o recurso será investido. Os critérios de discussão envolvem as demandas do grupo e a possibilidade da aquisição assegurar um benefício coletivo.
“Pode chegar um dia da pessoa precisar comprar o seu equipamento e não ter como comprar. Então a gente reúne o Fundo Rotativo Solidário, decide como vai fazer para comprar o equipamento para a pessoa não ter que parar de produzir. E como a gente sabe que tem mudanças de governo e geralmente os projetos nem sempre acontecem de novo, então já que a gente estava na dinâmica, precisava se preparar. E também para incluir outros jovens, pois se aparecer um jovem que queira criar, a gente pode reunir o fundo e comprar equipamentos também, desde que ele [o grupo] decida”, esclarece.
As dificuldades enfrentadas _ Mesmo quem não utiliza agrotóxicos nas plantações, mas cultiva abelhas próximas a regiões onde há presença de pesticidas, pode sofrer com impactos na produção. Este é o caso de Marcelânea, que mantinha apiários em áreas próximas a grandes fazendas da região. O uso dos agrotóxicos nestas áreas acabou com os enxames da jovem. Além disso, o desmatamento promovido nestas regiões também afastou as abelhas em função da ausência de flores para a polinização. A escassez de chuvas dos últimos anos foi a gota d’ água dentre os fatores que reduziram a produção.
“As abelhas pousam em todas as árvores que estiverem ali perto da sua colmeia. A gente busca preservar elas em nossa propriedade, mas não é suficiente e quando a gente tem o acesso a uma planta que está com veneno, acaba prejudicando também. Antes, a gente costumava colher quatro vezes no ano, 160 litros em cada vez. Mas, agora, a gente tira duas vezes no ano. Choveu, as plantas vão florescer, a gente espera um período e colhe, se não chover, as plantas não vão dar flores e, com isso, a gente diminui ou até mesmo não colhe”, explica.
O dono da grande fazenda localizada nos arredores da área de Marcelânea faleceu e os filhos que assumiram a propriedade interromperam o uso do veneno. Segundo a jovem, “o desmatamento na área foi grande, por isso, nem tem onde colocar mais veneno”. Uma estratégia adotada pela Rede de Jovens Apicultores/as para combater a derrubada da Caatinga é a produção e o plantio de mudas, desenvolvida pelos próprios apicultores/as que também são viveiristas. Além disso, todo o cultivo realizado pela rede é livre de agrotóxicos. As duas coletas de mel anuais acontecem sempre entre os meses de maio e junho, após a primeira florada; e de outubro e dezembro, ao final da segunda florada. A quantidade total de mel fica em torno de 120 a 150 litros.
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