Kleber Nunes | Asacom
Para mitigar os efeitos da emergência climática, ASA defende democratizar acesso à água e fortalecer a agroecologia
Painel em parceria com a Rama envolveu agricultores/as, técnicos/as e representantes do governo federal na Cúpula dos Povos, em Belém (PA)
Com o tema “Água e agroecologia: diálogos com os territórios nas perspectivas de ações de mitigação aos efeitos da emergência climática”, a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) levou para a Cúpula dos Povos o debate sobre o futuro do planeta a partir dos olhares do território mais seco do Brasil. A atividade realizada em parceria com a Rede de Agroecologia do Maranhão (Rama), na quinta-feira (13), lotou uma das salas do campus da Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém (PA).
O painel contou com a participação da coordenadora executiva da ASA, Ivi Aliana, e foi mediado pelo membro da coordenação política da Rama, Raimundo Alves. Também estiveram presentes no debate os agricultores e integrantes da Rama, Maria José e Wesley Paiva, e a representante da Plataforma Semiáridos da América Latina e do Grande Chaco Argentino, Antonella Sleiman.
Do governo federal, participaram o diretor de Combate à Desertificação do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Alexandre Pires, e a secretária nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sesan) do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), Lilian Rahal.
Acesso à água fortalece a agroecologia
Em sua exposição, Ivi apresentou o Semiárido brasileiro que compreende cerca de 70% da região Nordeste e parte do norte de Minas Gerais e Espírito Santo. Entre as características, a coordenadora salientou a presença dos biomas Cerrado e Caatinga, sendo este genuinamente brasileiro. Dados como “o semiárido mais populoso do mundo” com 31 milhões de habitantes e também “o mais chuvoso do planeta” com precipitações anuais que variam entre 200 a 800 mm também foram destacados.
De acordo com Ivi, foi observando as dinâmicas naturais deste território desafiador que os povos do Semiárido entenderam que o equívoco histórico do estado brasileiro de combater a seca não contribuía com o desenvolvimento sustentável da região, ao contrário, acelerava sua degradação. Assim, a partir do respeito aos saberes ancestrais e da auto-organização, homens e mulheres da região elaboraram estratégias e ações de mitigação como alternativa à construção de grandes obras de concentração de água.
“Os povos do Semiárido [brasileiro] foram amadurecendo essa ideia de que chove, mas não durante todo o ano. Então, precisamos guardar essa água perto de nós e mudar a lógica da política que [historicamente] vinha sendo desenvolvida nesse território que era a dos grandes reservatórios. Surge o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) e a água passa a ser conduzida para uma política pública de forma descentralizada”, afirmou.

Ações de mitigação conjuntas
A experiência das organizações sociais da Rede ASA com a implementação de políticas públicas de democratização do acesso à água, levou à criação de novos programas que fortalecem a produção de alimentos saudáveis, como o Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2) e Programa Sementes do Semiárido. Segundo Ivi, são ações que pavimentam a caminhada da agroecologia, mas para isso não podem ser isoladas.
“Junto com os processos de formação e intercâmbio de experiências a gente vai se juntando a outros territórios entendendo que o caminho para incidir sobre o que a gente tem vivido com as mudanças climáticas é uma ação coletiva. A gente não pode pensar em fazer uma ação de mitigação ou enfrentamento aos efeitos da emergência climática olhando só para o nosso local as ações precisam estar interligadas assim como os biomas estão interligados”, defendeu Ivi.
Foi observando que as chuvas estavam ficando cada vez mais irregulares, que Wesley Paiva entendeu o que eram os efeitos da emergência climática. Cansados de perder tudo que plantavam, ora pela falta de chuvas, ora pelo excesso de precipitações em pouco espaço de tempo, ele e outros agricultores começaram a implementar as chamadas barraginhas, que ajudam a conter as enxurradas e servem de reservatório para irrigação.
“A gente começava a plantar e não conseguia colher. Então, a comunidade inteira, mesmo sem conhecer o sistema de barraginhas, se disponibilizou para ajudar e abraçou o projeto. Já começamos a ver resultados, como os animais que não apareciam há muito tempo e hoje estão voltando para as nossas áreas”, comemorou.
Cooperação mútua entre os biomas
O diretor de Combate à Desertificação do MMA, Alexandre Pires, lembrou que a seca não é mais um fenômeno climático apenas do Semiárido, esse tipo de evento vem se tornando cada vez mais comum nas regiões Sul, Sudeste e Norte, com destaque para a Amazônia.
Diante desse cenário, ele defendeu a troca de conhecimentos entre os povos dos mais diferentes biomas, tendo como exemplo a experiência que as comunidades do interior do Nordeste e norte de Minas Gerais vêm fazendo há pelo menos três décadas. Esse intercâmbio também deve ser feito entre o Brasil e outros países, sobretudo, do Sul global.
“Os povos do Semiárido convivem há séculos com processos de seca e essa população aprendeu com os ciclos climáticos que geraram saberes e conhecimentos, e por isso têm muito a ensinar ao Brasil dentro de um processo de cooperação. Eu acho que essa é a perspectiva, a de uma construção muito potente entre os povos desses biomas fantásticos que temos”, argumentou Pires.

Para a agroecologia, mais políticas públicas
A secretária nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sesan) do Ministério do MDS, Lilian Rahal, destacou a importância da parceria entre as famílias agricultoras, por meio das organizações, e o governo brasileiro. Ela reforçou que, assim como foi com o Programa Cisternas, essa soma de esforços é crucial para fomentar mais estratégias de mitigação aos efeitos da emergência climática e fortalecer a agroecologia.
“Avançando cada vez mais para essa ideia de que a água é necessária também para a produção de alimentos, dessedentação animal, para a vida no território. Além da água de consumo, a gente precisa ter outras águas que permitam que as famílias do campo tenham a oportunidade de produzir alimentos e gerar renda, enfim, de bem-viver”, afirmou Lilian.


