Gleiceani Nogueira - ASACom
Painel debate políticas de inovação e ciência para promoção da agroecologia
Debate reuniu representantes do governo federal, de instituições de pesquisa e organizações da sociedade civil durante o 13º CBA

A valorização dos saberes territoriais e o papel da ciência na transição agroecológica foram temas centrais do painel 8, “Políticas de inovação, ciência e tecnologia voltadas à promoção da agroecologia”, realizado na última sexta-feira (17), na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), em Juazeiro (BA).
O encontro reuniu pessoas de universidades, representantes do governo, de instituições de pesquisa, de movimentos sociais e de organizações da sociedade civil durante o 13º Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA). A discussão buscou responder à pergunta norteadora: Como os institutos de ciência e as políticas públicas podem apoiar a transição agroecológica?
O debate destacou a importância da pesquisa e da inovação tecnológica articuladas com o conhecimento popular como estratégia fundamental para fortalecer a agricultura familiar. As reflexões partiram de experiências já consolidadas como os Núcleos de Agroecologia e o recém-criado Programa Nacional de Pesquisa e Inovação para a Agricultura Familiar e Agroecologia (PNPIAF).
Saberes locais como base da inovação camponesa

“É importante dizer que esse debate está todo pautado na perspectiva do Terreiro de Inovações Camponesas, ou seja, do lugar dos agricultores e agricultoras e de experiências que têm base nos territórios”, destacou Antônio Barbosa, coordenador do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA).
Ele ressaltou que as ações de convivência com o Semiárido construídas a partir do saber local e do diálogo entre sociedade civil e governo se transformaram em políticas públicas de grande escala, demonstrando como o conhecimento tradicional pode orientar processos de inovação científica.
Reforçando essa perspectiva, Gilson Lima, diretor da Fundação Banco do Brasil (FBB), enfatizou a importância do trabalho em rede para ampliar e fortalecer as experiências agroecológicas. Como exemplo, citou o Programa Ecoforte, que integra a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) e conta com financiamento da FBB.
“A gente não pode falar de ciência e tecnologia sem falar do conhecimento local. Esse é um aprendizado que devemos muito à ASA”, afirmou Lima, lembrando ainda a relevância de valorizar o protagonismo das mulheres, principais beneficiárias do Ecoforte.
Programa Nacional de Pesquisa e Inovação para a Agricultura Familiar e Agroecologia
Um dos pontos centrais do debate foi o Programa Nacional de Pesquisa e Inovação para a Agricultura Familiar e Agroecologia (PNPIAF), criado pelo governo federal por meio do Decreto nº 12.287/2024. A iniciativa busca fortalecer a agricultura familiar e a agroecologia por meio da pesquisa, da inovação e do desenvolvimento territorial sustentável.
Entre seus objetivos estão a ampliação da produção de alimentos saudáveis, a redução das desigualdades sociais, o combate às mudanças climáticas e o fortalecimento da economia rural de base local.
“A gente avalia que precisa avançar, mas que é essencial garantir o financiamento para pesquisa, sobretudo para a inovação camponesa. É investir em tecnologia, em ciência, em indústria, mas de forma territorializada. O PNPIAF tem muitas lacunas, mas hoje é uma ferramenta importante para fazermos coisas. Falta, no entanto, discutir a lógica de gestão e assegurar recursos”, destacou Barbosa.
O programa envolve diversos ministérios e instituições — entre eles o MDA, MCTI, MEC, MMA, Mapa e Embrapa — além de universidades, organizações da sociedade civil e entidades de assistência técnica.
Segundo Vivian Libório, da Diretoria de Inovação para Produção Familiar e Transição Agroecológica (SAF/MDA), o PNPIAF representa um passo importante ao promover a produção de conhecimento adaptado às realidades regionais.

“A gente está avançando. É a primeira vez que se pensa o desenvolvimento de tecnologias a partir dos biomas. Fizemos uma série de seminários regionais para mapear as demandas produtivas a partir das regiões e pensar tecnologias que articulem agricultura familiar, capacidade dos ICTs [Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação] e a indústria”, afirmou.
Aprendizados e desafios na inovação agroecológica
Encerrando o painel, a cientista e professora Irene Cardoso, representante da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia), fez uma síntese das reflexões e destacou os principais aprendizados. Para ela, é essencial identificar, sistematizar, adaptar coletivamente e comunicar as inovações e soluções construídas pelos povos e comunidades tradicionais e os camponeses e camponesas.

Foto: Gleiceani Nogueira/Arquivo ASA Brasil
“A gente precisa de programas e financiamento para que, coletivamente, possamos identificar, sistematizar e criar estratégias de comunicação dessas inovações. Isso tem que ser coletivo, não pode ficar só por conta da ASA. A gente já faz isso de alguma forma, mas precisa fazer com mais eficiência”, afirmou.
Irene também ressaltou a necessidade de pensar nos processos de industrialização, reprodução e comercialização das inovações dentro dos territórios.
“Vou dar um exemplo. Um agricultor inventou um resfriador de melado de açúcar mascavo e, para isso, precisou entender o funcionamento das polias. Depois de pronto — e muito eficiente — uma pequena indústria local já produziu dez unidades. Não é isso que a gente quer? A China não fez foi isso? A gente tem que industriar a partir dos territórios. Esse é um aprendizado que fica muito claro neste evento”, destacou.
Por fim, a professora chamou atenção para a necessidade de adequar os editais de financiamento de forma a não inibir a lógica das inovações locais e questionou o papel do SENAR nas políticas voltadas à agricultura familiar.
“O que o Senar faz? Ele não inibe só as inovações, inibe a cultura. Nós fizemos uma caravana no Espírito Santo: o bolo que comi no Norte foi o mesmo que comi no Sul, e se é uma coisa que a gente sabe fazer é broa diferente. Mas estava tudo igual, a mesma receitinha. Nós não queremos esse tipo de assistência técnica”, enfatizou.
Irene reafirmou ainda a posição dos movimentos e entidades da sociedade civil, que repudiam o Acordo de Cooperação Técnica (ACT) assinado entre o MDA e o SENAR, por se tratar de uma entidade historicamente voltada à produção em larga escala, sem alinhamento com os princípios da agroecologia.