Miguel Cela | ASACom
Carta Política do Encontro de Agricultoras e Agricultores Experimentadores destaca conhecimento e inovação como bens comuns
Depois de quatro dias, termina o 7º Encontro Nacional de Agricultoras e Agricultores Experimentadores.

Chega ao fim o 7º Encontro Nacional de Agricultoras e Agricultores Experimentadores. Depois de quatro dias de discussões e reflexões sobre agroecologia, convivência com os territórios e justiça climática, os participantes reafirmaram a importância do reconhecimento e do investimento nas inovações camponesas para o fortalecimento dos territórios e das práticas agroecológicas.
A plenária que celebrou a finalização do encontro contou com representação de agricultores, pesquisadores, movimentos sociais, redes e representantes do poder público. Além de apontar caminhos, também foi o momento de leitura da Carta Política do Encontro e de enlaçamento de memórias.
Irene Cardoso, professora e membra da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), lembrou o entendimento de inovação que une o Terreiro de Inovações Camponesas, o Encontro de Agricultoras/es Experimentadores e o Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA).
“Inovação para a gente não é só máquina, não é só equipamento. Inovação é processo, é metodologia. É o jeito da gente fazer as coisas. E as inovações são muito importantes porque a gente já aprendeu com Paulo Freire que nos territórios tem problema, mas também tem soluções”, afirmou.
Ao todo, foram 60 inventos apresentados no Terreiro de Inovações Camponesas. Desses, 47 vieram do Semiárido brasileiro. As engenhosidades têm o objetivo de melhorar e facilitar o trabalho com baixo custo e pouco ou nenhum impacto nos corpos e no meio ambiente.
A professora, entretanto, destaca a importância de garantir recursos para o financiamento das soluções baseadas nos territórios. “Não é justo alguns receberem tantos e outros tão poucos. Por exemplo, quando o Senar [Serviço Nacional de Aprendizagem Rural] recebe R$ 400 milhões, não vou discutir de onde vem ou para onde vai, mas os núcleos de agroecologia receberam R$ 24 milhões”, disse.
✸ Veja: Carta aberta à sociedade sobre o posicionamento dos Conselheiros/as da Sociedade Civil integrantes do CONDRAF em relação ao acordo de parceria entre MDA e SENAR.
A construção coletiva do conhecimento também foi destaque na fala de Paulo Petersen, da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). “O conhecimento sempre foi produzido e socializado livremente. Conhecimento não é mercadoria. Assim como nós dissemos que alimento não é mercadoria, não pode ser mercadoria. A terra não pode ser mercadoria.”
Com essa fala, Paulo trouxe o conceito de Bem Comum, uma compreensão de que os recursos naturais e culturais compartilhados por comunidades e grupos não podem ser geridos por uma pessoa ou apenas pelo Estado, mas em coletivo e em rede. Caminhando junto de Irene e das companheiras e companheiros de mesa, Petersen vincula a inovação camponesa à questão agrária:
“A trajetória de inovação do agronegócio hoje vai num sentido de que nós vamos para uma agricultura sem agricultoras e sem agricultores. É uma agricultura só baseada em grandes máquinas, é, robótica, drones, até falam de ‘bem-somos’. Se a gente fala de questão agrária, não existirá campesinato e muito menos inovação camponesa se não tiver acesso à natureza. E começa pela reforma agrária, pela distribuição da terra.”
A democratização da água realizada no Semiárido brasileiro com as cisternas, inovação camponesa para armazenamento das águas das chuvas, transformou a realidade da região. A água era um grande fator limitante e, para Petersen, a garantia desse recurso favoreceu novos inventos: “o Semiárido conseguiu fazer uma mudança e um grande movimento de inovação camponesa a partir do momento em que democratizou a água, que é a natureza. Ainda não conseguiu democratizar a terra”.
Poder público e financiamento estatal
O painel foi espaço de conexão e fortalecimento das relações entre sociedade civil e poder público. Zaré Augusto Brum, coordenador-geral de Pesquisa, Inovação e Patrimônio Genético do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), ressaltou os esforços “para que o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI) reconheça essa força, essa capacidade de produzir soluções tecnológicas conectadas com a vida e com o desenvolvimento dos territórios”.
“Se a gente conseguir colocar 15%, 20% desses recursos para financiar iniciativas que estão transformando a vida das pessoas nos territórios, a gente vai ter uma nova revolução no campo baseada na agroecologia e no conhecimento popular”, finalizou.
Também do MDA, Vanderley Ziger, Secretário de Agricultura Familiar e Agroecologia, reiterou o compromisso do ministério com a agenda discutida durante o encontro e o CBA. Para Ziger, “não faz sentido desenvolver um Pronaf [Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar] lá em Brasília que não chega na vida das famílias, que não chega para transformar a produção”.
Do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), Márcia Muchagata destacou duas políticas públicas realizadas em parceria com a sociedade civil: o Programa Cisternas e o Programa Cozinha Solidária. “A gente sabe que as cozinhas não são apenas espaços de alimentação, mas são espaços de aprendizado, de troca e de fortalecimento da sociedade.”
Sílvio Porto, diretor da Companhia Nacional de Abastecimento, apontou que “o primeiro grande desafio é enfrentar o monocultivo do pensamento que tem dentro do governo” e que as políticas públicas precisam ser inovadoras. Ele destacou a ASA como uma grande inovação da sociedade civil “desde o seu início, porque ela se articula na perspectiva de não só reivindicar a política, mas reivindicar a execução da política. Essa é a grande inovação que a ASA faz”.
Porto lembrou ainda que os insumos da alimentação servida pela cozinha do CBA vieram da agricultura familiar: “foram 30 toneladas de alimento, 47 tipos de alimentos diferentes aqui no Semiárido para mostrar que o Semiárido é vivo, que o Semiárido pulsa, que o Semiárido precisa ser visto de outra forma”.
Caminhos de reivindicação
O Encontro de Agricultoras/es Experimentadores finalizou com a leitura da Carta Política, que juntou os fios trazidos dos territórios, as ideias debatidas durante o encontro e os caminhos iluminados pelas convidadas e pelos convidados das mesas e plenárias.
As principais reivindicações da Carta são o reconhecimento da inovação camponesa como bem comum, a consolidação de um ecossistema nacional de inovação agroecológica, a criação de um fundo nacional de inovação para a agricultura familiar e agroecologia, o financiamento e políticas públicas permanentes, bem como o compromisso político e financeiro com a transição agroecológica e o enfrentamento às barreiras estruturais do Estado.
Leia a Carta na íntegra
13º CBA
Nesta 13ª edição, em Juazeiro (BA), o CBA é realizado pela Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), com organização local da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa), do Serviço de Assessoria a Organizações Populares (Sasop), da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), da Universidade do Estado da Bahia (Uneb de Juazeiro), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do Movimento dos Pequenos e Pequenas Agricultoras (MPA), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano (IFSertãoPE) e Rede de Agroecologia Povos da Mata .
O Congresso conta patrocínio da Fundação Banco do Brasil e do BNDES e apoio do Governo Federal por meio dos Ministérios da Saúde, Igualdade Racial, Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, e Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e FioTec, e Prefeitura Municipal de Juazeiro; e Governo do Estado da Bahia, por meio do Programa Bahia sem Fome e Bahia Turismo.
Conta também com a contribuição de representantes de diversas organizações, redes e articulações da sociedade civil, instituições de ensino, movimentos sociais populares e comunidades tradicionais.