PEDAGROECO
28.06.2018
“Pra ser universal, cante sua aldeia”
Projeto utiliza pedagogia griô para fortalecer a sucessão e a permanência de jovens rurais no Semiárido

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Por Elka Macedo - ASACom

Histórias de vida, ancestralidade e identidade são a base da pedagogia griô | Foto: coletivo de comunicação do Pedagroeco

É parafraseando o pensador Leon Tolstói que a educadora biocêntrica e criadora da pedagogia griô, Lilian Pacheco, explica a importância da valorização da ancestralidade, identidade e vida para fortalecer o protagonismo e incentivar a permanência da juventude rural em suas comunidades. Ela explica que é na fase da juventude que se faz necessário ao jovem “entender a sua ancestralidade e ter este papel ancestral bem fundamentado para que ainda saindo [da sua comunidade], ele/ela entenda quem é neste mundo e se quer retornar. E também se ele/ela optar por ficar que saiba construir o mundo ali dentro da comunidade. Pra ser universal cante sua aldeia. Ela/ele pode ficar e ser universal. Sair ou ficar tem que ser uma escolha do/a jovem, mas não tem sido assim. E a pedagogia griô é uma tecnologia social, política, afetiva, artística e cientifica para empoderar os/as jovens, para entender o seu lugar no mundo, entender a sua ancestralidade, pedir a benção aos mais velhos, resignificar toda esta herança que ele/ela recebe e construir uma possibilidade diferente de ficar ou sair”.

A metodologia da pedagogia griô é o fio condutor do Projeto Metodologia de Produção Pedagógica de Materiais Multimídias com Enfoque Agroecológico para a Agricultura Familiar (Pedagroeco), uma ação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em parceria com diversas organizações e movimentos sociais dos estados da Bahia, Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Sergipe e Piauí, entre elas a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA). A ação envolve cerca de 150 jovens rurais e tem o objetivo de fortalecer a juventude camponesa e apontar possibilidades por meio da agroecologia, educação e comunicação popular, incentivando-os a valorizar a sua comunidade e tradição e disseminar os anúncios e as denúncias dos seus territórios por meio da produção multimídia.

“Quando a gente idealizou o Pedagroeco, a gente entendeu que comunicação, formação e educação estão inter-relacionadas. E a nossa ideia é de fortalecimento das práticas, das inciativas em torno das ações em agroecologia que estão em curso a partir dos núcleos de agroecologia. A gente compreende que este projeto está inserido no contexto de comunidades rurais que são formadas por uma heterogeneidade que não dá para você usar uma pedagogia tradicional e a pedagogia griô nos traz esta possibilidade de fortalecimento das identidades e das culturas locais e nos foi apresentada pela própria rede”, explica a coordenadora do projeto e membro da Supervisão de Inclusão Tecnológica da Secretaria de Inovação e Negócios da Embrapa, Juliana Batista.

A ação, que vem sendo construída desde 2017, tem possibilitado várias atividades em torno da formação do comitê gestor do Projeto que é formado por representantes da Embrapa e de organizações parceiras do projeto em torno da pedagogia griô, bem como a sensibilização e formação dos/as jovens por meio dessa metodologia. Vitória Paixão, do quilombo Serra Verde, no município de Igaci em Alagoas, é uma das jovens rurais que está inserida nas ações do Pedagroeco. Ela destaca como este processo tem mudado a sua concepção de vida e tem contribuído para o reconhecimento do seu papel dentro da comunidade.

“O pedagroeco foi uma ação que me renovou. Possibilitou a descoberta de várias potencialidades que eu tinha, mas que estavam adormecidas. Na primeira ação no quilombo de Serra Verde eu senti que eu podia contribuir mais, dentro das coisas que eu escrevo e que eu podia dar visibilidade à comunidade. Que as pessoas têm o estereótipo que no campo a gente não pode ter perspectiva, e tem! E a juventude rural precisa saber disso e precisa ter consciência destas coisas. Aí quando você tem a consciência do potencial que você tem, você começa a agregar valor e a ter força. Nós, mais do que nunca, temos que ter o compromisso de ocupar estes espaços que nos foram negados. A juventude rural tem este papel que é o de correr atrás pra realização do sonho e reconhecimento, e aí eu vejo a educação com este grande poder de movimentação. E a pegada do Pedagroeco é esta, de a partir de uma vivência, a partir de uma ancestralidade motivar a gente”.

Sobre a relação do Pedagroeco com a ASA e a relevância desta ação para o fortalecimento da rede de comunicadores/as populares do Semiárido, a comunicadora popular do estado de Sergipe, Daniela Bento, salienta que o projeto tem possibilitado uma releitura da comunicação enquanto processo e não apenas como produto. “O projeto tem contribuído com a possiblidade de ampliar os espaços de atuação da ASA com comunicação. No caso de Sergipe, a gente saiu do Semiárido e estamos no litoral e baixo São Francisco. Isso para gente é gratificante. E entender esta comunicação dentro da rede que já estava formada, pra uma comunicação em rede de base, que possibilita fazer uma vivência de empoderamento de uma comunicação dos sujeitos a partir do seu local. Com o Pedagroeco a gente está vendo outras possibilidades de fazer comunicação mais interativa”.

Daniela reforça ainda, que “este esforço do pedagroeco não pode se esgotar meramente nestas oficinas e nos produtos que compõem o escopo do projeto, nós precisamos ver como isto dialoga com as ações da ASA. Eu acho que a Pedagogia Griô vem dialogando muito próximo com aquilo que a própria Articulação Semiárido vem desenvolvendo a partir da sua vivência de comunicação popular de entender o sujeito como também detentor de saberes, mas com a pedagogia griô tem aberto a mente da gente pra perceber este olhar mais próximo da ancestralidade, não só o sujeito e seu saber, mas o que está por trás daquele ofício. Hoje você já não olha a semente só como espaço meramente da biodiversidade e da sobrevivência como alimento, você consegue perceber que ali tem cantos e outras coisas”.

Permanência do/a jovem no campo

Lilian Pacheco e Marcos Caíres disseminam a pedagogia griô Foto: coletivo de comunicação do Pedagroeco

Prévia dos dados do Censo Agropecuário de 2017 revela que a população do campo está envelhecendo e que a migração de jovens camponeses para os centros urbanos tem aumentado gradativamente. Segundo a estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 21,4% dos moradores rurais têm mais de 65 anos. O número é 3,88% maior do que o dado apontado no último Censo, quando 17,52% das pessoas que habitavam o campo eram idosos. Ainda de acordo com a pesquisa, a presença de jovens com idade entre 25 anos e 35 anos nas zonas rurais caiu de 13,56% para 9,48% entre 2006 e 2017. O resultado final deve ser divulgado entre os meses de julho e agosto deste ano.

“Nas comunidades rurais, o jovem é um retirante por natureza porque na comunidade não tem ensino médio, nem universidade. Então quando a pessoa vai ficando jovem, ela já sabe que ou vai reproduzir um padrão social da comunidade ou ela tem que sair pra buscar uma outra realidade que a tira de suas raízes. E isso é muito difícil porque o/a jovem não está preparado para isso, porque há um processo de ‘desidentificação’ com a sua etnia, com o seu povo. Há uma pressão social para que o jovem saia e se desidentifique e aceite um outro padrão de estilo de vida como melhor, que é socialmente incluído da cidade, da pessoa branca que está dentro da academia, por exemplo. São vários os padrões que são impostos ao jovem interiorano, ao jovem rural. Então este é um momento muito importante de trabalhar a pedagogia griô e também de se aliar com os jovens como alguém que vai se empoderar e vai ajudar no processo de construção de conhecimento da comunidade”, defende Lilian Pacheco, ao reforçar a importância de garantir que a juventude tenha oportunidade de optar que espaço quer ocupar e de ter sua identidade reconhecida e valorizada.  

Neste contexto, Vitória Paixão, reforça o quanto a metodologia adotada pela Pedagogia Griô contribui para o reconhecimento da luta histórica dos povos ancestrais que habitam e habitaram as zonas rurais. “É a busca da ancestralidade, do saber quem somos, desta compreensão do nosso papel dentro da comunidade que é muito importante. E foi este direcionamento que me fez ficar envolvida. A pedagogia griô vem chamar a gente para aquilo que a gente é de verdade, que a gente tem uma importância dentro daquele grupo e que a gente pode contribuir dentro da comunidade, mas eu tenho que saber que antes de mim tiveram pessoas que tiveram uma relação de grande intimidade na construção da comunidade”, disse.

Para este ano, além dos encontros de sensibilização nos estados da Bahia e Piauí, o Pedagroeco terá atividades práticas com a realização de oficinas multimídias em todos os estados de abrangência do projeto. Os planos de atividade para estes momentos, foram elaborados em conjunto durante o segundo módulo de formação em pedagogia griô, realizado entre os dias 12 e 16 de junho na cidade de Lençóis, território da Chapada Diamantina na Bahia.