Por Fernanda Cruz - Asacom
Idioma e moeda diferentes; em torno de seis mil quilômetros para se chegar ao destino final; primeira viagem de avião para alguns; a primeira viagem internacional para a maioria; companheiros de viagem quase que desconhecidos. Nada disso foi empecilho para as seis agricultoras e os sete agricultores brasileiros que participaram do intercâmbio promovido pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) entre o Semiárido brasileiro e o Corredor Seco de El Salvador e da Guatemala.
Durante os sete dias de viagem, o grupo brasileiro viu como as comunidades se organizam em torno de bacias hidrográficas e microbacias, além de vivenciar dezenas de experiências que vêm sendo experimentadas pelos guatemaltecas e salvadorenhos, com o objetivo de minimizar o impacto das secas e melhorar a segurança e soberania alimentar dessas famílias e a sua qualidade de vida.
Entre as experiências estava a do agricultor Santos Henriques, da comunidade Cantón El Limon, Caserío El Guarumal. Em uma área de aproximadamente 1.700m², bastante acidentada e pedregosa, ele cultiva pepino, tomate, pimenta, banana, repolho, entre outros tipos de frutas e verduras, em curva de nível, incrementada com degraus de pedras, construídos por ele mesmo. Santos também tem um tanque onde cria tilápias e um sistema de biodigestor.
Embora o índice pluviométrico da região esteja em torno dos 1.400mm por ano, a escassez de água potável é uma constante. Por isso, a FAO El Salvador tem investido em projetos que possam melhoras as condições de acesso da água e as cisternas estão entre as tecnologias trabalhadas. Elas têm sido instaladas tanto nas residências, como em escolas, a exemplo do Centro Escolar Caserío Guarumal. Cerca de 100 crianças e suas famílias se beneficiam com essa água, entre elas, um dos filhos de Santos. “As cisternas são muito importantes para meus filhos e para toda a comunidade, porque estão consumindo a água deste sistema que está armazenando água para consumo humano, para lavar pratos, para beber”, diz.
Já na comunidade La Colmena, em Cantón El Jute, foi visível que o processo de esvaziamento do campo não é algo específico do meio rural brasileiro. O lugar que já abrigou cerca de 40 famílias, atualmente conta com apenas 12 que resistem. Atualmente, a comunidade conta com experiências de acesso de água de chuva, seja através das cisternas ou de uma fonte natural, que foi protegida para que a água não fosse contaminada. Eles criam galinhas e abelhas, acabaram de escavar uma espécie de barreiro e desenvolvem práticas de conservação do solo.
Ainda em El Salvador, a delegação brasileira pode conhecer a experiência da cooperativa Acopraguar, que envolve cerca de 40 famílias que produzem de forma orgânica numa área coletiva.
Emília Gonzalez, do escritório da FAO em El Salvador, afirma que “foi muito enriquecedor ver esse posicionamento dos agricultores brasileiros dentro das organizações e escutar também as mulheres e sua liderança política nos espaços. Temos a expectativa que na ida ao Brasil nossos agricultores e agricultoras possam aprender mais sobre essa forma de organização”, afirmou.
Para Santos Henriques, “o intercâmbio é muito bom porque a gente troca com pessoas de outros países vizinhos e vai aprendendo mais. Se vocês sabem alguma coisa melhor do que eu, eu aprendo o que estão fazendo e vocês aprendem o que eu faço. E é muito bonito compartilhar essa experiência de como vocês trabalham e de como estamos trabalhando”.
A possibilidade de ver como vivem os campesinos brasileiros também anima o técnico da FAO Guatemala, Gustavo Garcia. “É muito importante esse tipo de intercâmbio porque possibilita que as famílias conheçam experiências feitas e validadas pelos próprios agricultores. Nos anima que as famílias daqui do Corredor Seco da Guatemala possam conhecer as terras secas do Brasil, pois vamos poder aprender ainda mais sobre conviver com as mudanças climáticas”. Ainda segundo ele, “no país, há vários esforços para buscar alternativas que atendam as necessidades das comunidades e muitas vezes essa solução é encontrada localmente”.
Essa força das comunidades é evidente ao conhecer as localidades de Plan del Jacote, Lomas Oquen e Oquen Centro. Em Plan del Jacote, 162 mulheres integram a Associação de Mulheres Progressistas e desenvolvem várias atividades, desde o artesanato, o cultivo de hortaliças, a criação de pequenos animais de maneira (semelhante ao Fundo Rotativo Solidário que é implementado no Semiárido brasileiro), a criação de peixes, o cultivo de sementes crioulas e a gestão de um Fundo Mútuo de Contingência.
Berço da civilização Maia, as práticas e costumes do presente se misturam com o passado das comunidades Guatemaltecas, revelando que além da preocupação com a conservação dos recursos dos recursos naturais, há uma preocupação com a preservação da cultura Chorti. Em Oquen Centro, a delegação brasileira foi recebida no idioma Chorti, que continua sendo utilizado pelo povo local, inclusive pelos jovens. Assim como em Plan del Jacote, há um Fundo coletivo além de atividades com sistemas agroflorestais e uma pia comunitária. “As nossas avós caminhavam até um quilômetro para buscar água para lavar roupa e tomar banho”, conta Sandra Mendez.
As agricultoras e agricultores guatemaltecos de Lomas Oquen recepcionaram os brasileiros ao som da Marimba. Além de vivenciar a música e a dança local, foi possível conhecer diversas experiências, a exemplo da cisterna de ferro cimento, horta e fogão ecológico. Esse último já foi replicado pela agricultora sergipana Cida Silva após a viagem. “Assim que cheguei em casa tentei fazer do jeito que mostraram lá e deu certo. Meu bolo assou em 30 minutos”.
Essa foi a primeira viagem internacional do agricultor cearense Raimundo Nonato, que ficou feliz por ver que o povo do Semiárido brasileiro não está sozinho em suas lutas. “Quando a gente subiu aquela montanha e viu aquele povo lutando pela sobrevivência, vi muito o nosso Semiárido, lembrei da gente com o balde d'água na cabeça. Nós do Semiárido brasileiro graças a Deus saímos desse sofrimento através da nossa organização e dos movimentos sociais. Espero que esse povo um dia também supere e tenha dias melhores”.
Segundo Vera Boerger, Oficial de Terras e Águas da FAO Mesoamérica, cujo escritório fica no Panamá, “na Guatemala há um problema muito grande de má-nutrição e de desnutrição também. Na América Central, é o país que mais tem problemas com desnutrição. Falando do Semiárido e da água como um ponto central desse intercâmbio, aqui não é tão seco como o Semiárido do Brasil, mas aqui a água é um problema sério. Aqui as mulheres caminham horas e horas para buscar água para a família beber, pra cozinhar, pra lavar. Então, especialmente para as mulheres este é um trabalho importante [referindo-se ao intercâmbio]”.
Tanto em El Salvador, quanto na Guatemala a FAO atua juntamente com o Ministério da Agricultura. Segundo Ada Alonso, do Ministério da Agricultura e Pecuária da Guatemala (MAGA), a atuação é de forma permanente nas áreas. Após a finalização dos projetos da FAO, o MAGA dá prosseguimento junto às comunidades. “Para mim é muito importante este tipo de atividade com a FAO, este intercambio de conhecimentos com outros países, porque para nossa gente representa algo que vai melhorar o desenvolvimento das famílias e no jeito como estão manejando as atividades que estão dentro dos programas que estamos trabalhando no ministério”, explica.
Plataforma Semiáridos – Já há algum tempo, a ASA vem valorizando a troca de experiências entre regiões Semiáridas. Uma das estratégias encontradas por algumas organizações da rede é a participação na Plataforma Semiáridos. Para Ismael Merlos, da Fundação para o Desenvolvimento (Funde), organização de El Salvador que integra o espaço e que acompanhou boa parte do intercâmbio no Corredor Seco, “fazer um intercâmbio de conhecimentos é um aspecto fundamental porque como se pode observar não é só um conhecimento em papel, é um conhecimento na prática. Então, nós temos a oportunidade de ter conhecimentos diversos a partir das características de cada um dos territórios que é fundamental. E é muito importante que isto se converta em força política para que todas as regiões semiáridas possam ter uma gestão e um trabalho político de maneira global, pois de maneira conjunta podemos ter mais força e êxito no que necessitamos fazer”.
Para Alexandre Pires, do Centro Sabiá, organização da ASA que compõe a Plataforma, e também coordenador da ASA pelo estado de Pernambuco, "precisamos compartilhar com outras regiões semiáridas, com outros camponeses e camponesas aquilo que nós já acumulamos de experiência de como conviver com essa região, de como conviver com o clima, com as mudanças climáticas, com os cursos disponíveis de água, com as sementes, com a biodiversidade, com as florestas. Compartilhar é também um ato de solidariedade, um ato político. E nós precisamos compartilhar aquilo que aprendemos para que outros possam melhorar suas vidas, para que outras possam ter mais dignidade para viver em uma região seca, em uma região semiárida."
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