Por Kleber Nunes | Asacom
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Além da expectativa do reencontro com os colegas e professores, estudantes de 105 escolas rurais do Semiárido têm mais um motivo para celebrar o início do ano letivo. Pela primeira vez, a razão da alegria com a volta às aulas desses alunos está também do lado de fora da classe: um reservatório com capacidade para armazenar 52 mil litros de água potável.
A tecnologia é resultado das ações do Programa Cisternas nas Escolas que, no ano passado, chegou a mais 30 municípios de Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Na prática, educandos e funcionários passam a ter acesso à água encanada para consumo humano, promovendo dignidade à comunidade escolar e ajudando na permanência dos jovens nesses espaços de aprendizagem.
Uma das unidades de ensino contempladas em 2024 foi a Escola Municipal José de Moura Leite, que fica localizada no Quilombo Carvalho, em Custódia (PE). Até a chegada da cisterna, o abastecimento era feito exclusivamente por carros-pipa que, duas vezes por semana, iam até o local para encher cinco tambores com água para beber, cozinhar e limpar.
“É muito triste dizer aos alunos que não corram no recreio para não ficarem com muita sede, pois não tem água suficiente para beber, preparar a merenda e fazer a limpeza da escola. Depois do Programa Cisternas nas Escolas começamos a ter água na torneira, só em chegar na pia e poder lavar um prato na torneira, é muito satisfatório. Nosso sentimento é de gratidão”, afirma a assistente administrativa Clécia Ferraz, que é mãe de Ana Letícia, aluna do 4º ano da escola.
Foto: Divulgação
Empoderar os estudantes e fortalecer a comunidade
De acordo com o coordenador executivo da ASA Valmir Soares, assim como em outros programas de segurança hídrica da ASA, o Cisternas nas Escolas vai além da construção da tecnologia. O projeto tem em sua linha metodológica a mobilização da sociedade civil, comunidade escolar e do poder público municipal para a promoção da cidadania.
Assim como a cisterna chega para os produtores rurais cheia de esperança e dá condições para a convivência com o Semiárido, para os estudantes a tecnologia transborda conhecimento. De fora para dentro da sala de aula, o Programa Cisterna nas Escolas possibilita que professores e alunos tenham a oportunidade de debater sobre a convivência com o Semiárido.
Na perspectiva da educação contextualizada, essa discussão desmistifica a visão estereotipada da região como um lugar de miséria e morte, e lança luz sobre o processo histórico de exploração e concentração da água para a perpetuação da desigualdade social.
“O Cisterna nas Escolas leva água para a educação no Semiárido, onde escolas nem sempre podem concluir seu tempo-estudo dada a escassez hídrica, e leva, sobretudo , metodologias e conteúdos capazes de despertar nos educadores e educandos, o estímulo por reconhecer seu território como ambiente de potencialidades, de vida e transformação”, explica Valmir.
Essas e outras questões correlatas são tratadas desde os momentos de capacitação para planejamento, monitoramento e avaliação do projeto, até os encontros locais, territoriais e microrregionais que acontecem ao longo da execução do programa. Todos envolvem estudantes, educadores, pais e a comunidade que vive no entorno da escola.
Foto: Divulgação
“Esse programa expressa fortemente o cuidado com a criança e o desenvolvimento local sustentável. Manter os filhos em seu ambiente de origem do lado da família, com tutores e professores adaptados à realidade do lugar, cúmplices na perspectiva de uma educação contextualizada, é crucial para formar cidadãos identificados e defensores do seu território e da sua gente”, destaca Valmir.
Reconhecido nacional e internacionalmente, o Programa Cisternas nas Escolas também é um contraponto frente ao movimento de fechamento das escolas rurais. Segundo Valmir, as comunidades ainda são induzidas, inclusive pela falta de água, a crer que não há alternativas possíveis para manter suas estruturas básicas.
“O projeto vem na contraposição dessa tendência, levando protagonismo à comunidade escolar, autoestima aos diversos atores envolvidos, o que garante às comunidades condições necessárias para resistir à retirada de suas estruturas, principalmente a escola, que é um espaço vivo e dinâmico”, afirma o coordenador.
Foto: Cáritas Ceará/Reprodução
Programa contemplou mais 7,3 mil escolas rurais
O Cisternas nas Escolas foi oficialmente lançado pela ASA em 2010, depois do projeto-piloto realizado um ano antes na Bahia, quando foram instalados 20 reservatórios de 30 mil litros cada. A iniciativa surge com o objetivo de garantir o pleno funcionamento desses espaços de aprendizado.
Em 15 anos, foram mais de 7,3 mil tecnologias implementadas em 923 municípios de Minas Gerais e do Nordeste, exceto o Maranhão. O número só não é maior porque durante os governos Temer e Bolsonaro o Programa Cisternas nas Escolas, assim como outros, quase foi extinto.
O projeto, no entanto, foi retomado pelo presidente Lula como uma das políticas públicas prioritárias para o Semiárido. A iniciativa é financiada pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), e faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2).
Para 2025, estão previstos no atual contrato das organizações da ASA com o MDS mais 111 cisternas em escolas de Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte. A expectativa é de que em breve um novo convênio seja assinado e pelo menos mais 200 tecnologias comecem a ser construídas em unidades de ensino no Semiárido.
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