Por Adriana Amâncio - Asacom
![](/images/2021/Maria_Aparecida_recebe_atendimento_jurdico_e_social_no_Centro_Ftima_Lopes_em_Campina_Grande_PB_-_Foto_Acervo_MMT_-_PB.jpeg)
No dia 7 de agosto de 2006, a Lei 11.340, Lei Maria da Penha, instituiu que “tapa não é de amor, dói e é crime”, com pena de três meses a três anos de prisão. Após 15 anos de vigência, a lei promoveu avanços em um dos públicos mais desafiadores, as mulheres rurais, vítimas do crime em comunidades onde o machismo é legitimado, não há serviços de atendimento e estão isoladas, distante de casas vizinhas e dos centros urbanos, um lugar onde não se ouve nem os gritos. “À medida em que foi se divulgando a Lei, foi se combatendo a ideia de que era natural numa relação na qual o homem tem poder e a mulher não, ela sofrer violência”, pontua a integrante da Coordenação Nacional do Movimento de Mulheres Camponesas pelo Rio Grande do Norte, Michela Calaça.
A Lei Maria da Penha também instituiu que “em briga de marido e mulher se deve meter a colher”, tornando o que antes era visto como um problema privado em uma questão pública. Essa mudança fez toda a diferença na vida da agricultora Maria Aparecida da Silva, que vive no Sítio Cachoeira de Pedra, município de Massaranduba, no Semiárido paraibano. Há 24 anos em uma relação abusiva, sofrendo violências psicológica, física e patrimonial, em silêncio e sem apoio, desde as, Maria recebeu apoio do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR) para buscar os seus direitos.
“Em 2011, eu fui à Marcha das Mulheres em Areial e conheci mulheres que tinham vivido o que eu estava vivendo. Voltei outra mulher! Com o apoio de Leia [integrante do MMTR] eu fui buscando os meus direitos até que, em 2013, ele saiu de casa. Hoje eu não quero que ninguém passe o que eu passei, se eu ver uma mulher sofrendo violência, eu mesma denuncio”, declara Maria.
Na visão da advogada Criminal e Cível e militante feminista, Fábia Lopes, a instituição da medida protetiva é um dos maiores legados da efetividade da Lei Maria da Penha. A mudança tirou os homens de uma situação de conforto ao afastá-los das vítimas após a denúncia, forjando uma reflexão por parte do homem e do Estado sobre “o que é esse tipo de agressão e porque ele se manifesta na relação entre os sexos”, complementa. Responsável pelas vítimas de violência, o Estado passou, segundo Fábia, a refletir sobre outras políticas públicas da área, dentre elas as Unidades Móveis para o Atendimento às Mulheres do Campo e da Floresta Vítimas de Violência. .
Fragilidades na implementação - Resultado da reivindicação da Marcha das Margaridas, as unidades móveis, ou seja, ônibus equipados para realizar atividades formativas e de atendimento às vítimas, teriam tudo para suprir, de forma efetiva, à demanda de acesso das mulheres rurais vítimas de violência aos serviços. No entanto, esbarravam na forma de execução da política, o que inclui pouca regularidade, como afirma Michela Calaça. “As mulheres diziam: ‘passam bem uma semana avisando que o ônibus viria, você acha que o homem vai bater na mulher na véspera do ônibus vir?’ São contradições da política pública que entende o rural como um lugar que não tem as coisas, mas isso é uma opção, o rural pode ter delegacia contra a mulher”, conclui.
Com várias experiências de acompanhamento às vítimas de violência nas delegacias, a integrante da Coordenação Executiva do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR), Aline Carneiro, relata que presenciou, nas delegacias, atendentes questionarem as vítimas, após ouvirem os relatos, se elas tinham “certeza de que era violência de gênero”. Em outro caso, confidenciou Aline, o policial disse que seria difícil encaminhar o caso da vítima porque a sua comunidade ficava muito distante. Para as mulheres do campo, o custo do deslocamento da comunidade à delegacia, instalada nos centros urbanos, é mais um impedimento.
As mulheres rurais que conseguiam transpor a barreira da denúncia, passaram a contar, a partir de 2019, com um pouco mais de celeridade na determinação das medidas protetivas. A Lei 13.827/2019, que alterou a Lei Maria da Penha, permitiu que delegados e delegados decretassem a medida protetiva de emergência, ou seja, afastem o agressor do lar. Uma alternativa para as “cidades do interior onde normalmente há poucos juízes que acumulam várias comarcas”, explica Fábia.
Desafios futuros - A Lei Maria da Penha debuta em plena pandemia da Covid-19, contexto que tornou as mulheres em situação de violência ainda mais vulneráveis ao terem que conviver com o agressor por mais tempo em função do isolamento social. Dados de uma pesquisa do Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apontam que uma em cada quatro mulheres acima dos 16 anos sofreu violência doméstica durante a pandemia.
Para garantir o serviço, mesmo em meio ao isolamento, foram criadas, em vários estados brasileiros, delegacias virtuais aptas a acolher denúncias de violência doméstica. Em muitos casos, sem acesso a computador e à conexão com a internet, esta alternativa torna-se inviável às mulheres rurais. Este triste legado é levado em conta na hora de pensar os desafios futuros para tornar a Lei Maria da Penha mais efetiva.
Michela Calaça defende “a retomada e a ampliação das Casas da Mulher Brasileira”, uma estrutura, criada em 2013 no âmbito do Governo Federal, de acolhimento às mulheres vítimas de violência e dos seus filhos e filhas, que concentra os serviços sociais especializados e jurídicos em um só lugar. A estrutura atende uma fragilidade na operação da Lei Maria da Penha, que gera conflitos entre as decisões tomadas na Vara Cível e na Vara Criminal, além de levar as vítimas de violência a terem que se deslocar para buscar atendimento específico em cada um desses setores.
Para Fábia, apenas o sistema punitivo não é capaz de garantir às mulheres uma vida livre de violência. “Investir em propostas educativas, que ajudem a mudar valores sociais que prejudicam a convivência e as relações afetivas entre homens e mulheres, é um dos caminhos”, afirma. Em relação aos agressores, ela considera importante criar espaços de diálogo para discutir a masculinidade tóxica, “que também os oprime”, encerra.
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