Por Érica Daiane Costa | ASACom
O Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN) já acompanha a implementação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) há muitos anos, e procura incidir sobre o mesmo, a partir do monitoramento da política na prática. Com o início da Pandemia do novo Coronavírus, o Fórum iniciou uma ação articulada com outras organizações, na perspectiva de garantir a distribuição de alimentos, tendo em vista a vulnerabilização a que são submetidas às famílias mais pobres.
Mariana Santarelli, representante do FBSSAN, ressalta que em 2020 houve interrupção e queda drástica nas vendas da agricultura familiar para o Pnae, o que impactou os diversos sujeitos de direitos como estudantes que consomem a merenda escolar, agricultores/as que fornecem, famílias que nem sempre conseguem assegurar todas as refeições às crianças em casa.
Isso só agravou o impacto que já vinha ocorrendo com o desmonte de programas antes mantidos pelo Governo Federal, a exemplo do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que também era uma forma de fortalecer a segurança alimentar e nutricional e, ao mesmo tempo, gerar renda para as famílias agricultoras. Somou-se nesse cenário de poucas perspectivas, na opinião de Mariana, a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), ocorrida nos primeiros meses de 2018.
Essa sucessão de acontecimentos estimulou a criação do Observatório da Alimentação Escolar (ÓAÊ), ação coletiva lançada em fevereiro deste ano, e que reúne o Fórum e diversas organizações que atuam neste campo e na defesa do direito à educação. “O objetivo é ampliar a escuta de sujeitos, promovendo um maior conhecimento do Pnae por parte da sociedade, para que esta perceba a importância desta política e passe a defendê-la”, explica Mariana.
A Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) é uma das organizações que integra o Comitê Gestor ampliado e considera a iniciativa importante para “dinamizar o processo dessa política [Pnae] e não deixá-la entrar no esquecimento ou na lista das políticas que devagarzinho vão desaparecendo”, declara Naidson Baptista, da Coordenação Executiva da ASA pelo estado da Bahia.
A pressão social que o ÓAÊ pode fazer é muito válida, acredita Jean Pierre Tertuliano, presidente do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) do Rio Grande do Norte. O monitoramento é algo que, para ele, ajuda a subsidiar e incidir no diálogo com os órgãos governamentais, a exemplo do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), algo que já vem sendo feito por alguns Conseas estaduais.
As organizações que integram o Comitê vão ajudar a fortalecer as narrativas e o diálogo com as famílias, almeja Mariana Santarelli, no sentido de avaliar a situação da segurança ou insegurança alimentar, a qualidade da alimentação escolar, a garantia da produção de qualidade, a comercialização a partir de empreendimentos coletivos como cooperativas, etc. A ASA, por exemplo, trabalha diretamente com as famílias e, de acordo com Naidson, pode contribuir com o fortalecimento dessa ação, pensando na garantia do alimento para as crianças e no incentivo à produção familiar saudável e contextualizada, garantindo assim o direito à alimentação e a distribuição de renda.
Pnae sob ameaça
No final de março, o ÓAÊ lançou posicionamento público contra a aprovação de Projetos de Lei (PL) que, se ganharem o apoio da maioria na Câmara dos/das Deputados/as, representam um desmonte extremo do Pnae. A demanda de urgência da votação pelo plenário foi proposta pelo deputado Vitor Hugo (líder do PSL) e é visto pelo ÓAÊ como um ataque ao Programa por abrir precedentes para favorecer o empresariado e prejudicar a agricultura familiar no tocante ao fornecimento de alimentos.
O documento divulgado pelo Observatório reivindica que seja oportunizado “o envolvimento de diferentes atores interessados no tema, de forma a evitar retrocessos, perdas, riscos e a violação dos direitos já conquistados”. Uma petição também foi lançada, convocando a população a votar contra os PL’s, bem como pressionar deputados/as a se posicionarem da mesma forma.
Pandemia leva 19 milhões de pessoas a passarem fome no Brasil
A Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN) lançou dados de uma pesquisa realizada em dezembro de 2020, cujos dados apontam que no período abrangido pela pesquisa, 116,8 milhões de brasileiros e brasileiras não tinham acesso pleno e permanente a alimentos, ou seja, vivem em situação de insegurança alimentar e, destes, 19,1 milhões estão passando fome.
A pesquisa, intitulada Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, é parte do projeto VigiSAN, e aponta dados alarmantes ao confirmar que a situação de insegurança alimentar afeta mais da metade da população brasileira, nos mais variados níveis: leve, moderado ou grave.
Vale destacar que em 2004, 2009 e 2013, houve importante redução da insegurança alimentar em todo o país, conforme revelou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Em 2013, a parcela da população em situação de fome havia caído para 4,2% e isso fez com que a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura retirasse o Brasil do Mapa da Fome Mundial. Agora, em meio a pandemia, a Rede PENSSAN indica que a fome afeta 9% da população brasileira, mais do dobro do índice de 2013, durante o Governo Dilma Roussef (PT).
Segundo o referido inquérito, “em 2020, o índice de insegurança alimentar esteve acima dos 60% no Norte e dos 70% no Nordeste – enquanto o percentual nacional é de 55,2%”. Já a fome, que é a insegurança alimentar grave, atinge 18,1% no Norte e 13,8% no Nordeste.
Diversas organizações estão se articulando em nível nacional, estadual e local para enfrentar este momento que o país atravessa. As iniciativas vão desde a pressão social aos governos e parlamentares até ações solidárias em rede e incentivo às diversas formas de controle social, a exemplo do ÓAÊ e da mobilização “Olhe para a Fome”, lançada a partir dos dados do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil.
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