Membro da Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stedile participou da 14ª Jornada de Agroecologia, na quinta-feira, 23/07, em Irati, no Paraná. Na conferência sobre o tema “Movimento do capital na agricultura e suas consequências”, Stedile analisou o tripé "produção em larga escala, semente transgênica e maquinários".
Stedile defendeu a agroecologia não apenas como uma maneira de “salvar a natureza, salvar o ser humano, mas enfrentar uma luta política e econômica”. Para um público de mais 3.500 pessoas, Stedile enfatizou: “Por isto é tão difícil ser ambientalista. Estamos fazendo uma luta contra o dinheiro, contra o capital”.
Formado em Economia pela PUC-Rio Grande do Sul, Stedile fez uma análise das transformações da agricultura sob a ótica do capital mundial: “Nos últimos 20 anos, está ocorrendo uma transformação econômica no mundo. Pela primeira vez, o capital tomou conta de todo planeta. Esse planeta agora é dominado pelo único sistema, o capitalismo. O único objetivo do capitalismo é dar lucro”.
Segundo o ativista, a economia está concentrada no capital financeiro e nas grandes empresas transnacionais. Esses setores, segundo o economista, “passaram a dominar não apenas o capital, mas também a forma da agricultura”. Conforme afirmou, 50 empresas controlam a agricultura no mundo, sendo que cinco delas atuam na produção de grãos, três na produção de leite e sete na fabricação de agrotóxicos (venenos).
Sobre as consequências desse sistema, Stedile ressaltou a transformação da agricultura em mercado mundial. “A essência da agricultura é produzir alimentos para a região em vive. Já o capital transformou a agricultura para produzir para o mundo”. Como exemplo, citou: “É como produzir alho na China e trazer para o Brasil. Isto é um absurdo”.
Outra consequência citada pelo líder do MST foi a uniformização dos preços dos produtos em todo mundo: “O preço da soja é igual em todo mundo. O preço do milho é igual em todo mundo”. Outra consequência foi a padronização dos alimentos. “O supermercado no México é o mesmo em Irati, em Curitiba, porque padronizaram as empresas”.
O ativista alertou ainda sobre as consequências dos alimentos transgênicos para a saúde humana. “Não sabemos o que isto [transgênicos] vai fazer em nosso organismo. Ninguém tem pesquisas sobre isto. Mas algumas ocorrências já apresentam causas de doenças, como câncer”.
A segunda questão sobre a mudança no sistema da agricultura, considerada por Stedile como “fraude”, trata-se “do jeito de como organizar a agricultura”, sustentada no tripé: produção em larga escala, semente transgênica e maquinários.
Tripé capitalista
Sobre a produção em larga escala, Stedile destacou: “Como só produzem para produzir lucro, toda produção tem de ser em larga escala. O objetivo não é ter uma produção saudável, mas aumentar a produção em larga escala”. Neste aspecto, considera-se também a “matriz teconológica” que é o agrotóxico voltado para a monocultura. “Matam todas as formas de vida da natureza. Além disso, o uso de agrotóxico faz substituir a mão de obra no campo. O agricultor detesta trabalhador na roça”.
O segundo "pé" da forma de produzir, segundo o economista, está ligado também às “chamada matriz tecnológica” ou “semente transgênica”, como milho, soja e algodão, “compatíveis com o veneno”. “O objetivo é vender o veneno, produzir com um único veneno. Portanto deixa o agricultor dependente do veneno”. Outra gravidade gerada pela semente transgênica, segundo Stédile, “é que ela não é democrática. Ela se expande por outros vizinhos”.
“Hoje, 70% do milho brasileiro é transgênico. O eucalipto é transgênico”. Stedile alerta para o risco de se perder até a variedade no cultivo de eucaliptos, atualmente identificados em mais de 60 tipos diferentes. “O eucalipto se mistura com outras árvores até 800 quilômetros. Em 20 ou 30 anos só vamos ter um único tipo de eucalipto”.
O terceiro "pé" do atual sistema de agricultura, segundo Stedile, refere-se aos maquinários ou ao que ele denominou de “agricultura sem homens”. “Você não precisa ser agricultor para entender de agricultura, para trabalhar na agricultura. Basta ser motorista, tratorista. Na cabeça deles [agronegócio], não se considera o agricultor, basta o motorista”. Stedile enfatiza que a atual tecnologia desenvolvida para agricultura é voltada “para se livrar do trabalhador”.
“Cerca de 4 milhões de assalariados no campo perderam emprego no Brasil. Foram substituídos pelo veneno, pela semente e pela máquina. Foram morar nas periferias das grandes cidades”, destacou.
A 14ª Jornada de Agroecologia reuniu delegações do MST de várias regiões do País, como dos estados Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso, além dos países Paraguai, Equador e Argentina. Para os dias 22 a 25 de julho, a organização contava com mais de 4.500 pessoas cadastradas.
Com o tema principal “Terra livre de transgênicos e sem agrotóxico: por um projeto popular e soberano para a agricultura”, a 14ª Jornada contou com a realização de várias atividades, como conferências, oficinas, atividades culturais e feira de produtos agroecológicos e artesanatos, na área do Clube Tradição Wille Larrs. O espaço abrigou ainda as cozinhas comunitárias, montadas por aproximadamente 45 delegações.
Concentração e exclusão
O líder do MST, João Pedro Stedile enfatizou as “contradições do modelo do capital”, durante a sua conferência na 14ª Jornada de Agroecologia, em Irati, no Paraná, na quinta-feira, 23/07: “Não é um modelo social. É um modelo da concentração, da exclusão”. Esta concentração, conforme afirmou, “não desenvolve a região onde se produz”, pois apenas “50 empresas no mundo controlam a agricultura e elas aplicam seus lucros em suas cidades origens”.
Outra contradição apontada por Stédile é a “destruição da biodiversidade”. “O modelo de concentração da produção não convive com a biodiversidade. Altera a natureza. Aí surgem as secas. O que abastece o sistema não é a chuva. Mas as nascentes dos açudes”.
A quarta contradição da concentração da produção, enumerada por Stedile, refere-se ao uso de agrotóxico para as monoculturas: “O veneno contamina a água, o alimento e, sobretudo, gera câncer. A população está se dando conta que o câncer é originário do agrotóxico”.