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28.11.2013
Congresso de Agroecologia: a utopia em todas as suas dimensões
Site - Carta Maior


Por Najar Tubino

Porto Alegre – O governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, fez a abertura do VIII Congresso Brasileiro de Agroecologia falando sobre a luta do setor agroecológico: “É uma luta que concentra todas as dimensões da utopia, de um mundo melhor e de uma sociedade mais igualitária. Mas também registra uma disputa pela hegemonia da produção, que se reflete na própria estrutura organizativa do Estado, ao reconhecer um ministério dedicado ao agronegócio e outro, dedicado à agricultura familiar”.

Não é uma luta igual, muito menos fácil de conquistar novos espaços. Em 10 anos de realização do Congresso Brasileiro de Agroecologia, houve uma evolução fantástica em número de inscritos e em número de trabalhos apresentados: em 10 anos foram 4.714 trabalhos e 19.132 inscritos, contando os atuais 3.500 reunidos na capital gaúcha. Vou acrescentar mais de 120 cursos de agroecologia espalhados pelo país e uma base de 250 grupos organizados de pesquisadores, contando com os registros do CNPQ, segundo informações de Paulo Petersen, presidente da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), entidade promotora do congresso.

Certamente estes números não refletem a expressão da agroecologia no país e, principalmente, na América Latina. No primeiro grande painel dois participantes latinos contribuíram para ressaltar a importância do setor no continente, onde existem 17 milhões de agricultores familiares camponeses – contando a América Central e o Caribe. Miguel Altieri, já foi presidente da Sociedade Científica Latino-americana de Agroecologia (SOCLA), é chileno, leciona na Universidade da Califórnia, é uma referência mundial sobre o tema, e voltou a Porto Alegre, depois de participar do primeiro Seminário Estadual, em 1999.

Tombos econômicos

Manoel Gonzales Molina é espanhol, do Laboratório de Agrossistemas, faz parte do grupo de pesquisadores especializados em agroecologia. Altieri sempre enfatizou o tema como um dos fatores de organização dos camponeses, dos agricultores familiares, que produzem em condições de difícil acesso, como no altiplano andino, ou em vales úmidos, ou em regiões de pouca chuva. Mas todos trazem a cultura histórica da produção de alimentos, da variedade de espécies, das sementes herdadas dos antepassados, da convivência com vários cultivos, com as criações de pequenos animais, enfim, sem depender de insumos externos, muito menos de agroquímicos ou agrotóxicos.

Existem exemplos no Peru, no Chile, na Guatemala, na Nicarágua e, em Cuba, que é um exemplo mundial de resistência e articulação. Depois dos vários tombos econômicos, que se refletiram no campo, a partir de 1997, os cubanos, através da Associação Nacional de Pequenos Agricultores (ANAP), começaram a implantar alguns princípios agroecológicos, com o auxílio de organizações internacionais, como as Oxfam. Precisavam recuperar os solos, contaminados com agroquímicos, restaurar a vegetação, mas principalmente, não podiam, não tinham como, comprar insumos externos. Significa não poder usar fertilizantes químicos, oriundos do petróleo, muito menos agrotóxicos, que custam muito. A solução tem que ser biológica, produzir húmus com minhocas e combater insetos e plantas não desejadas com meios biológicos.

Movimento campesino a campesino

Eles fizeram isso e hoje em dia o “Movimento campesino a campesino” se tornou uma referência em todo o mundo, e beneficiam 120 mil famílias. Diversificaram a produção, garantiram a segurança alimentar, não dependem de insumos externos, criaram alternativas locais e agroecológicas e ainda novas formas de organização, mesmo usando como base as cooperativas. A contribuição dos cientistas cubanas na formulação de meios biológicos tanto para enriquecer o solo, com biofertilizantes, como para combater insetos, também foi considerável. Aliás, sem ciência não há agroecologia. Os cubanos construíram quase 300 laboratórios no país especializados na produção de meios biológicos de controle e de fertilização. Sem contar a capacitação de 43.596 camponeses, ou 13% dos associados das cooperativas, na administração e implantação das tecnologias desenvolvidas.

O resultado: além de resistir melhor aos fenômenos climáticos, como furacões, as propriedades diversificadas, com sistemas agroflorestais , se recuperam melhor depois dos eventos, os camponeses cubanos mantiveram a estabilidade da população associada nos últimos 50 anos, e ainda quase duplicaram esta população.

O único país do mundo com plano de agroecologia

Voltando ao Congresso, Miguel Altieri disse: o Brasil é o único país do mundo que tem uma lei e um plano governamental de agroecologia. Manoel Molina complementa: o Brasil está na vanguarda desse processo. Pode ser óbvio pelo tamanho do país em relação aos outros componentes da América Latina. Mas a evolução da agroecologia no país é evidente. Um pouco disso, tem como base a própria realização do CBA, que sempre procurou articular os pesquisadores e cientistas ligados ao tema, viabilizando a divulgação dos trabalhos técnicos. Enfim, durante 10 anos foram sistematizando as conquistas técnicas e científicas, sem nunca deixar de lado o conhecimento tradicional das comunidades, povos antigos como quilombolas e indígenas.

Mais do que isso, mostrou o caráter científico da agroecologia, desmistificando a teoria de que se trata de uma atividade romântica, de meia dúzia de pirados pela mudança do planeta. Como também demonstrou Marília Emília Pacheco, presidente do Conselho Nacional de Soberania Alimentar (CONSEA), a agroecologia pressupões a participação organizada dos movimentos sociais da saúde, do feminismo, dos agricultores familiares, dos nutricionistas envolvidos com a segurança alimentar, no momento em que o mundo atravessa um período conturbado com crises econômicas, climática e alimentar – ainda são 827 milhões de pessoas que passam fome. Ela fez uma defesa enfática do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que é o sustentáculo da agricultura familiar e de vários coletivos organizados no campo em todo o país, e pediu a soltura dos agricultores e agricultoras presos em Curitiba, juntamente com alguns técnicos, sob a acusação de superfaturar as vendas do programa.

“Se existe a necessidade de aperfeiçoar as normas que regulam o PAA, vamos fazer isso, mas não podemos transformar em caso de polícia, pois é uma política pública, que não pode continuar sob o cerceamento de algumas burocracias”, enfatiza Maria Emilia Pacheco, diretora da ONG Fase e presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).

Cultura hegemônica

O ministro Pepe Vargas, que também participou da abertura, reconhece os desafios da agroecologia e lembra: “A cultura hegemônica incrustada em todo o nosso tecido social, incluindo as universidades, órgãos públicos e produtores rurais, é àquela decorrente da revolução verde, baseada no aumento da produtividade e renda, sem preservar os recursos naturais. O nosso desafio é conquistar quem não está nessa sala, mas que também quer alimentos saudáveis e uma agricultura sustentável”.

As corporações agroalimentares e químicas foram tão eficientes nessa tarefa de implantar um modelo industrial de produção de grãos, que conseguiram inclusive chamar isso de revolução verde, coisa totalmente mentirosa, fato comprovado hoje em dia com o consumo de fertilizantes, fabricados a partir de componentes petrolíferos, ou de material fóssil, e dos venenos, que não só poluem o ambiente, tanto o ar, como o solo e a água, como também matam pessoas, provocam doenças crônicas, além do resto já extremamente divulgado mundialmente. Portanto, o que fizeram foi uma reviravolta cinzenta, quem sabe marrom, sem incluir o custo total da obra fantasmagórica. Como diz o velho ditado: a mentira tem perna curta.

Para não esquecer: no dia 12 de dezembro tem uma audiência do Ministério Público Federal, para discutir a liberação das sementes transgênicas de soja e milho com o veneno 2,4-D, aquele que a indústria define como o lado bom do Agente Laranja.

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