“-Nós mulheres do semiárido brasileiro nos colocamos de pé e em luta pela garantia dos nossos direitos e a manutenção das conquistas obtidas no Brasil. Não podemos deixar de cobrar a continuidade e o investimento contínuo em políticas que mudaram as nossas vidas para melhor nos últimos 12 anos, a exemplo do Programa Água para Todos, Um Milhão de Cisternas e Uma Terra e Duas águas. Foi em função dessas ações que nos últimos quatro anos marcados pela seca mais severa dos últimos 80 anos, milhares de famílias e mais, milhares de mulheres puderam se pelas Margaridas no dia 6 de agosto à presidenta Dilma Rousseff.

Programa Água para Todos ameaçado pelo ajuste fiscal

O problema é que o Programa Água para Todos- envolve 1,1 milhão de cisternas construídas- está ameaçado pelo ajuste fiscal, além disso, o Programa Uma Terra e Duas Águas era patrocinado pela Petrobras e também pelo BNDES. O contrato entre a Petrobras e a Articulação no Semiárido Brasileiro encerrou em junho de 2014, quando 20 mil tecnologias foram entregues num evento simbólico em Serrinha, na Bahia. Elas beneficiaram 100 mil famílias e foi executada por um conjunto de 65 organizações civis, articuladas na ASABRASIL, envolveram 600 técnicos e dois mil pedreiros. Trata-se de uma construtora? Nada disso, são agricultores (as) treinados na profissão e aprendem a construir a cisterna de produção – recolhe 52 mil litros -, e a água será usada no plantio e na criação de animais. Sem contar que todo o material usado é comprado na região.

O Brasil da caravana, das Margaridas, das marchas e da revolução silenciosa da agroecologia é o país do futuro, que dissemina o conhecimento das comunidades rurais, dos povos tradicionais, ensina a solidariedade, o intercâmbio entre assentados e agricultores familiares, tanto homens como mulheres, e também jovens, da produção de alimentos saudáveis, sem agrotóxicos e livres de transgênicos, além de proteger a biodiversidade e o ambiente natural. Essa caravana, representada pela Articulação Nacional de Agroecologia realizou cinco seminários nacionais nos últimos meses, em todas as regiões brasileiras – RJ, São Luís, Mal. Cândido Rondon, Recife, Campo Grande e Viçosa- além de um nacional, para estabelecer as metas e as prioridades para o II Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, a ser executado entre 2016-2019.

Base social de milhões de pessoas no campo

O Brasil é o único país do mundo que tem um plano de governo, mais do que isso, uma política pública discutida e implantada em conjunto com a sociedade civil sobre a agroecologia e produção orgânica. A ANA coordena milhares de entidades, desde sindicatos, federações, associações, redes regionais e nos últimos anos implantou uma iniciativa inédita no campo: as caravanas agroecológicas. Ou seja, tanto a ANA como a ASA no semiárido, formam uma base social organizada de milhões de agricultores e agricultoras, assentados e assentadas, extrativistas, pescadores e pescadoras, marisqueiras, quebradeiras de coco e por aí vai. E todos os milhões de representados não querem saber de retrocesso na execução de políticas públicas que beneficiaram e mudaram a vida de brasileiros até então destinados a sofrer sem eira nem beira.

Muito pelo contrário, eles querem e vão continuar avançando. As propostas do II PLANAPO estão em um documento de 50 páginas e abrangem temas importantes como Terra e Território, reforma agrária, regularização fundiária, respeito aos territórios dos povos e comunidades tradicionais, adequação de normas do crédito rural, da vigilância sanitária, uso de bioinsumos, apoio à agricultura urbana e periurbana e, principalmente, o apoio à agroindustrialização familiar e artesanal, a formação de redes e a assistência técnica. Entre os dias 16 e 18 de setembro próximo, no Palácio do Planalto será realizado um seminário nacional convocado pela Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO) para discutir com o governo as propostas, que serão encaminhadas à Presidência da República.

No semiárido 1,3% dos proprietários com 38% da terra

Um trecho de um artigo de Naidison Batista, da coordenação nacional da ASA, do livro “Convivência com o Semiárido Brasileiro”, editado em 2013, resultado de um projeto de cooperação entre Brasil e Espanha:

“- Nessa região terra e água sempre estiveram nas mãos de uma pequena elite, gerando níveis altíssimos de exclusão social e de degradação ambiental. Essa realidade atinge, em particular, cerca de 1,7 milhões de famílias agricultoras que vivem no semiárido brasileiro. Elas representam 42% de toda a agricultura familiar brasileira e ocupam apenas 4,2% das terras agriculturáveis. No semiárido 1,3% dos estabelecimentos rurais têm 38% das terras, e 47% dos estabelecimentos menores, em conjunto, 3% das terras. A concentração de terras está, indissociavelmente, ligada à concentração da água, representando os fatores determinantes da crise socioambiental e econômica vivida na região”.

Somente com uma profunda reestruturação fundiária pode se pensar na implantação de uma agricultura sustentável e democrática, com segurança e soberania alimentar, acrescenta ele. Essa é a trajetória do povo do semiárido nos últimos. Em 2013, quando participei da Caravana Agroecológica da Chapada do Apodi, convivi durante quatro dias com assentados (as) de diversas comunidades do nordeste e do norte de Minas. Discutíamos sobre o futuro, após as eleições de 2014, e o que aconteceria se o PSDB ganhasse o pleito. Um assentado do norte de Minas respondeu prontamente:

“- O povo não vai aceitar retrocesso, não vamos perder o que já conquistamos”.

Ele falava especificamente do avanço do PRONAF, dos Programas PAA e PNAE, que servem de canal de comercialização dos produtos dos assentamentos e da agricultura familiar, de modo geral. Mas agora, a caravana agroecológica quer muito mais: qualificar 1200 técnicos em crédito rural específico para assentados, agricultores familiares e extrativistas, um nó que não desamarra nunca. Não adianta liberar milhões de reais para investimento e custeio, ou para ser usado em outras áreas, se o (a) beneficado não consegue pisar dentro do banco. É expulso pela burocracia e por um funcionário que não entende o que acontece. Querem três mil projetos na área de agroindustrialização; qualificar cinco mil técnicos e 200 mil agricultores (as) extrativistas sobre os procedimentos necessários à regularização no âmbito da legislação de orgânicos; promover ATER específica para 15 mil mulheres; cadastrar 30 mil unidades de produção em conformidade com a regulamentação brasileira de produção orgânica e de base agroecológica.

Os aprendizes da ditadura midiática

Enfim, os movimentos sociais do campo, que trabalham com agricultura familiar, povos e comunidades tradicionais e daqueles que vivem da sociobiodiversidade querem um Brasil produzindo alimentos de qualidade, gerando emprego e renda, de forma organizada, articulada, com conhecimento científico e assistência técnica, mas algo que dignifique o país, não apenas uma alternativa, um nicho de mercado. Estamos falando de comida que gera saúde, que economiza recursos do SUS, que diminui a procura por postos de saúde e hospitais. O Brasil tem a maior biodiversidade do mundo, portanto, tem que implantar, executar e divulgar aos quatro cantos do mundo que também tem o maior plano de produção orgânica e de base agroecológica do mundo, que servirá de modelo para outros povos. Isso é muito mais do que economia, é promover um país real, solidário, sem ódio, criativo, justo e multicultural em todos os aspectos. A classe média patrimonialista e os aprendizes da ditadura midiática continuarão rosnando, mas o povo que vive da terra, seja no semiárido, seja na Amazônia, ou no centro-sul, não vai se assustar e a caravana seguirá em frente, assim como diz o velho ditado árabe.