O Semiárido nordestino, região mais vulnerável às mudanças climáticas no Brasil do ponto de vista econômico e social, poderia se beneficiar das características do clima e das alterações que estão ocorrendo nele nos últimos anos se fossem enxergadas oportunidades de negócios nessas transformações. Esta é a opinião do meteorologista Paulo Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Nobre, que participa da 62ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), também destacou a necessidade de se promover modificações na matriz econômica do Semiárido, atualmente muito baseada em atividades dependentes de água.
“A seca é um fenômeno natural em regiões semiáridas, porém, existem regiões no mundo com características semelhantes de clima e que estão se beneficiando disso, como o deserto do Saara, de onde a Europa pretende importar energia solar”, exemplificou o especialista durante conferência apresentada na segunda-feira, 26 de julho, no campus da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em Natal.
De acordo com Nobre, as temperaturas máximas e mínimas registradas no Sertão nordestino ficam mais elevadas a cada ano e atingem níveis muito superiores à média global. Por sua vez, as chuvas ocorrem com maior intensidade, embora com menor frequência na região.
Calor e chuva - Em Vitória de Santo Antão, na zona da mata pernambucana, a temperatura máxima diária aumentou mais de 3º C nas últimas quatro décadas, saltando de 31,5º C para 35º C, enquanto a média do crescimento da temperatura global no mesmo período foi de 0,4º C. Em razão de tamanho aquecimento, a água disponível no solo da região evapora mais rapidamente e dá origem a nuvens maiores e mais carregadas de vapores de água que, ao se precipitarem, resultam em chuvas mais intensas, seguidas de longos períodos de estiagem.
Por essa razão, a prática da agricultura de sequeiro, que depende da água de chuva para o cultivo de culturas de subsistência, como feijão e milho, deve se tornar cada vez mais inviável no interior nordestino. “O ciclo de chuvas no Sertão do Nordeste, que costumava a ocorrer no período de fevereiro a maio, e que possibilitava manter as culturas de sequeiro, não está ocorrendo mais. Devido a essa mudança no ciclo hidrológico, a agricultura de subsistência está definitivamente fadada a desaparecer na região”, alertou Nobre.
Renováveis
Contudo, o especialista analisa que essas mudanças no ciclo hidrológico nordestino beneficiam o cultivo de frutas pelo sistema de irrigação por gotejamento, que é praticado em cidades como Petrolina (PE) e Juazeiro (BA), no qual são utilizadas pequenas quantidades de água para a plantação de uva e manga, entre outras frutas. Entretanto, como nem todo o solo do Nordeste é apropriado para esse tipo de atividade agrícola e a água está cada vez mais escassa e carana região, a recomendação do metereologista é que a economia nordestina seja baseada cada vez mais em atividades que apresentem menor dependência desse recurso natural.
Um dos exemplos citados por ele é a geração de energia renovável, como por exemplo, a solar e a eólica, para as quais o Nordeste apresenta maior potencial no Brasil. Na opinião do meteorologista, ao apostar em atividades econômicas mais adequadas às características climáticas do Nordeste seria possível acabar com a associação direta que se faz, inclusive no meio acadêmico, entre a seca e a pobreza na região. “É um contra-senso que a seca permaneça sendo vista como a causa da pobreza do Nordeste brasileiro, enquanto em outras partes do mundo ela representa um grande potencial econômico”, conclui.