Nessa colcha existe um retalho chamado Alagoas onde os quintais são produtivos; o couro do peixe vira sandália, radiestesista é achador de água; a Dona Severina é uma senhorinha que se vista de perto, alguns diriam feminista; agricultor chamado de Flor e que o pai dizia “lá vai o comunista” é cientista e experimentador. Sempre pondo em prova suas práticas, afinal, não importa como chamamos, eles “simplesmente”, são. Contados em rima, versos, contos ou crônicas, mas sempre, sempre poesia.
Esses boletins que retratam tanta coisa, de tanta gente, contam histórias reais, às vezes tão extraordinárias que parecem ficção. Foi o que fez o Coletivo Macambira ao associar contação de história e pedagogia griô, a partir destes, estimulando a memória individual e coletiva, tendo como ponto de partida a história oral. Quando compartilhadas, inevitavelmente, essas histórias, criam uma atmosfera, um misto de tristezas, alegrias e esperanças, fundamentadas em experiências comuns e possíveis, a todos.
Essa arte de contar praticada por gerações, por velhos/as e moços/as, educadores/as e organizações, se tornou, em Alagoas, um jeito de espalhar a luz d’O Candeeiro. Esse é um instrumento de comunicação no qual são sistematizadas belas e comoventes conquistas de mulheres e homens, a partir dos conhecimentos tradicionais e das práticas agroecológicas e através das tecnologias sociais que armazenam mais que água, armazenam qualidade de vida no Semiárido.
Foi pensando nisso que o Coletivo Macambira, que faz parte da ASA Alagoas, tem empreendido rodas de contação de histórias a partir d’O Candeeiro. Em escolas, encontros comunitários e grandes eventos, com palavras encantadas e floreio literário, adultos e crianças se maravilham com suas histórias. Segundo Bruna Fernandes, contadora de histórias, “a contação bebe das fontes orais, O Candeeiro aparece, carregado de vivências cotidianas dos agricultores e agricultoras, traz estímulo poético, para tornar literatura às praticas de sujeitos que são histórias. É gratificante para o/a contador/a de história ao término da narração sentir que os ouvintes observaram a história de uma forma tão encantada que acabam dialogando com a sua própria ‘memória poética’ perguntando-se, essa história é verdade? É ai onde moram os segredos das narrativas. As histórias são reais e O Candeeiro torna-se uma expressão oral e é levado a uma forma artesanal, a contação de história”.
Em Alagoas, O Candeeiro possui sentido pedagógico e tem motivado reflexões e aprendizados, com práticas de rodas de leituras nos cursos promovidos pela ASA junto às famílias sejam, nos momentos de formação, sobre o gerenciamento de água de beber, como os de água para a produção alimentar. E como tem sido frutífero, pois a experiência sistematizada de agricultores e agricultoras cimenta o intercâmbio entre seus pares.
As rodas de leituras d’O Candeeiro acontecem, sobretudo, em consequência a uma prática bem particular de educadores e educadoras dos Cursos de Gerenciamento em Recursos Hídricos, o GRH, pois estes têm colecionado Candeeiros de todo o Semiárido brasileiro. Um exemplo é Vera Lúcia, do Movimento dos Pequenos Agricultores, o MPA, que possui mais de duzentos exemplares diferentes do boletim e os utiliza como suporte didático, onde este é passado mão a mão, sendo explorado seu potencial imagético, suscitando de forma inevitável a comparação entre um Semiárido deturpado ao longo do tempo e um Semiárido atual, vivo e produtivo.
As histórias contadas nos Candeeiros não possuem pontos finais, elas seguem e se somam a outras, tão belas e grandiosas quanto.