A primeira reunião da qual eu participei na Diretoria Executiva da FEBRABAN – Federação Brasileira dos Bancos, para mim, foi inesquecível. Tema de Pauta: Projeto Cisternas. O que?! Era início do Governo Lula, em março de 2003, eu era feliz… e sabia! Jamais tinha imaginado que participaria, no Palácio do Planalto, com o Lula, ministros, representantes dos moradores do semi-árido nordestino e banqueiros, da cerimônia de lançamento da parceria entre o Governo Federal, a FEBRABAN e a ONG ASA (Articulação no Semiárido Brasileiro), para minorar o problema da seca no Nordeste. Sentei-me, por acaso, ao lado do Joseph Safra, banqueiro e empresário libanês, o terceiro homem mais rico do Brasil e fundador do Banco Safra. Até ele se emocionou com o depoimento de uma senhora contando como sua vida tinha mudado com a “cisterna”. Eu estava emocionadíssimo, pois além de argumentar a favor na reunião da Febraban em que foi aprovado, tinha sido espécie de “tradutor” (“representando a classe média”) no diálogo entre os líderes populares e os banqueiros no almoço, na Casa da Península dos Ministros, onde selaram o patrocínio.

Murillo Camarotto (Valor, 19/04/2011) atualizou as informações sobre o Projeto Cisternas na região brasileira do semi-árido. Do início de maio até dezembro, período da estiagem, a população local (ainda a minoria), que possui cisternas em suas casas, passa a ter “água de beber”. Diz um morador: “Tomar uma aguinha limpa é bom demais”.

Antes da cisterna, os moradores tinham que tomar água do barreiro, como é chamado o reservatório feito a partir da simples escavação de um buraco na terra. Não bastasse a péssima qualidade da água, os barreiros costumam secar nos períodos de estiagem mais acentuada. Quando isso acontecia, eles andavam quilômetros até um açude, onde tinham de pedir permissão para pegar a água, que geralmente ficava em um terreno particular. Apesar dos avanços observados, nos últimos anos, ainda é essa a realidade de grande parcela do semi-árido brasileiro.

O “Programa 1 Milhão de Cisternas” (P1MC) foi criado em 2003, divulgando a meta (exagerada pela publicidade) que lhe dá o nome. Por isso, a imprensa “cobra” porque atingiu “apenas” pouco mais de 350 mil equipamentos instalados. Afirma que está “sem perspectivas de conclusão” da meta anunciada. Gestora do projeto, a Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA) aponta a morosidade dos repasses federais como o principal entrave. Já o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), maior -financiador do projeto, se isenta da responsabilidade.

Além da simples construção das cisternas, o programa está inserido em outro mais amplo, voltado à “formação e mobilização para convivência com o semi-árido”, que tem entre suas premissas mais importantes o acompanhamento e a orientação das famílias que já contam com a cisterna, o que nem sempre acontece. ”Há falhas no acompanhamento posterior, como o cuidado com a água, por exemplo. Você não consegue mudar a mentalidade das pessoas só com uma palestra”, admitiu o coordenador do Patac, uma das oito organizações que trabalham com a ASA na Paraíba.

Há casos, felizmente, de outros beneficiados pelo programa que voltaram a viver no Cariri depois de décadas trabalhando em cidades. Fizeram o caminho de volta, influenciados pela cisterna. “Aqui era péssimo de viver. Eu tinha que ir pra cacimba de madrugada procurar água”.

Há cisterna tipo “calçadão”, modelo voltado à produção agrícola e que faz parte de outro programa da ASA, chamado de “segunda água” ou “P1+2″. O nome “calçadão” remete ao sistema de coleta da cisterna, que recebe a água da chuva que cai sobre uma placa de concreto de 200 metros quadrados e escorre até o reservatório, que tem capacidade para 52 mil litros. A cisterna tradicional, que acumula água vinda das calhas das residências, comporta 16 mil litros. O semi-árido brasileiro tem o mesmo montante de chuvas que, por exemplo, Paris. O problema é que a chuva é sazonal e dispersa. Quando acontece de chover, tem que se aproveitar para recolher a água. Não há condições favoráveis para cavar poços artesianos.

Em oito anos, o programa de cisternas recebeu pouco mais de R$ 593 milhões, dos quais R$ 503,5 milhões com origem nos cofres públicos. O restante veio de parcerias com a iniciativa privada, sobretudo com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), e com entidades internacionais de fomento. Os repasses federais são feitos anualmente, mediante o cumprimento das metas de construção de cisternas e a consequente renovação da parceria entre o MDS e a ASA.

A entidade, porém, reclama da demora nas renovações. “Parar um programa desse tamanho implica parar uma ação gigantesca e um conjunto de atores e pessoas. Quando o maior apoiador para, se arrefece todo o processo”, avalia o coordenador do programa de um milhão de cisternas. “Nossa capacidade de execução é maior do que a disponibilização dos recursos”.

O projeto atua hoje em 1.076 dos 1.133 municípios do Semiárido, beneficiando pouco mais de 1,6 milhão de pessoas. Outras 3,4 milhões, contudo, ainda estão aguardando. Apesar do grande atraso em sua universalização, o P1MC tem apresentado bons resultados nas regiões aonde chegou. Pesquisas realizadas desde 2007 mostram melhorias na redução de doenças, no aumento da frequência escolar e na renda das famílias.

O Ministério do Desenvolvimento Social, por sua vez, se isenta da culpa pelo atraso na construção das cisternas. “Na nossa visão, a burocracia para os repasses não prejudicou o andamento do programa. O governo tem toda a burocracia, mas isso faz parte da execução orçamentária”, defende-se a secretária de Segurança Alimentar e Nutricional do ministério, Maya Takagi. “Além disso, a meta de 1 milhão de cisternas não é nossa. Nunca dissemos que íamos fazer”, afirma.

Muitas famílias do semi-árido seguem dependendo dos carros-pipa para terem toda a água de que necessitam. Isso porque, em muitos casos, a água armazenada na cisterna não é suficiente para todo o período de estiagem na região, que dura cerca de nove meses por ano.

Geralmente, precisam do carro-pipa no fim do ano, em dezembro, antes da chegada da chuva. Nessa época, os barreiros estão quase secos e, em alguns casos, as cisternas também.

Diante dessa realidade, os técnicos das entidades ligadas à Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA) reforçam a necessidade do uso racional. Uma cisterna doméstica, de 16 mil litros, pode fornecer água durante todo o período sem chuvas, desde que o uso seja controlado. Orientam as pessoas a usar água da cisterna somente para beber, o que nem sempre acontece. Se não houver controle, ela acaba antes de a chuva chegar.

O fornecimento por carro-pipa é feito pelo Exército, que enche apenas as cisternas das famílias credenciadas. No momento do abastecimento, é recomendado que a água seja compartilhada com a vizinhança e usada apenas para o consumo humano.

Principal patrocinador privado do Programa 1 Milhão de Cisternas (P1MC), a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) acredita que a meta de construção de 1 milhão de cisternas em cinco anos foi superdimensionada pela Articulação no Semi-Árido Brasileiro (ASA), gestora do programa. No fim deste ano, quando terá investido um total de R$ 53 milhões no P1MC, a Federação deixará de contribuir financeiramente com a construção de mais cisternas, passando dar assessoria ao projeto para a atração de novos parceiros.

O diretor de Relações Institucionais da Febraban, Mário Sergio Vasconcelos, negou que os atrasos na construção das cisternas tenham motivado a saída da entidade. Segundo ele, há um entendimento de que o projeto está maduro o suficiente para caminhar com as próprias pernas. “O papel da iniciativa privada não pode ser de permanência nesse tipo de iniciativa”, afirmou o executivo.

Em meio às dificuldades alegadas com os repasses federais, a ASA trabalha para ampliar as parcerias com a iniciativa privada, de modo a reduzir a dependência do governo federal. Além da Febraban, o projeto já contou com doações de Santander, Petrobras, Fundação Banco do Brasil, Banco do Nordeste, Sebrae e outros. Entre as parcerias internacionais, as maiores contribuições vieram da Fundação Avina (Suíça) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).