"Seu doutô os nordestino têm muita gratidão
Pelo auxílio dos sulista nessa seca do sertão
Mas doutô uma esmola a um homem que é são
Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão."
(Vozes da seca — Luiz Gonzaga e Zé Dantas)
Quando Luiz Gonzaga e Zé Dantas escreveram Vozes da seca, em 1953, o Nordeste brasileiro enfrentava um dos mais terríveis períodos de estiagem de sua história. Enquanto o governo de Getúlio Vargas decretava ajuda emergencial para os sertanejos, o baião já sinalizava uma postura diferente do conformismo passivo que legitimou as ações assistencialistas contra a seca durante décadas.
Mais de meio século depois, no 7º Encontro Nacional da Articulação no Semiárido Brasileiro (EnconASA), integrantes da rede formada por cerca de mil organizações da sociedade civil, reuniram-se, entre 22 e 26 de março, na cidade de Juazeiro (BA), para defender um novo tipo de convivência com a região, cujo maior problema “não é a seca, mas a cerca”. (ver matéria na página 12).
No centro geográfico do semiárido, eles defenderam proposta com foco na vida humana, na cidadania e na sustentabilidade, contrária ao modelo “hegemônico e conservador” representado pelas grandes obras da fruticultura irrigada e do agronegócio, que traz consigo “a expulsão das pessoas de suas terras, a prostituição, a exclusão social e a degradação ambiental”, aponta a Carta Política do encontro. O documento cobra políticas públicas de acesso à água e à terra; a biodiversidade da região; a auto-organização e o direito das mulheres; a economia solidária; a educação contextualizada e a segurança alimentar e nutricional.
Maior espaço político da articulação, o EnconASA, cujo tema em 2010 foi ASA — 10 anos construindo futuro e cidadania no semiárido, objetivou avaliar e fortalecer suas políticas e programas — Um Milhão de Cisternas (P1MC) e Uma Terra Duas Águas (P1+2) —, trocar experiências e pensar coletivamente um projeto de desenvolvimento sustentável para o semiárido com bases nos princípios agroecológicos, na economia solidária, na educação contextualizada e na valorização cultural. O P1MC, lançado há 10 anos, já construiu mais de 300 mil cisternas de cimento, cada uma com capacidade para captar 16 mil litros de água da chuva, suficientes para uma família beber e cozinhar durante 10 meses (ver entrevista na pág. 11).
Não foi à toa a lembrança de Luiz Gonzaga na abertura do evento, no auditório da Universidade do Vale do São Francisco (Univasf). Às margens do maior rio da região Nordeste, no ponto em que une os estados da Bahia e de Pernambuco, representantes de comunidades rurais, quilombolas, indígenas, ONGs, cooperativas, sindicatos, federações e pastorais se empolgaram com a execução de Petrolina Juzeiro, música em que ele declara seu amor pelas duas cidades: “Eu gosto de Juazeiro, e adoro Petrolina...”
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