O italiano Carlo Petrini ganhou fama mundial quando nos anos 1980 liderou a campanha contra a abertura de uma lanchonete do McDonald"s no centro histórico de Roma. Descendente de uma família de camponeses do Piemonte, região com forte tradição agrícola e culinária, Petrini nunca parou de trabalhar em prol do que chama de "nova gastronomia". O conceito abrange desde a escolha dos alimentos, a forma de produção, o respeito ao meio ambiente e aos produtores artesanais, e chega ao convívio na mesa. Em 1986, fundou na Itália o movimento Slow Food, que.se expandiu e hoje está presente em 150 países, inclusive no Brasil, e tem cerca de 100 mil associados. O sucesso foi tanto que, em 2004, o Slow Food fundou no Piemonte a Universidade de Ciências Gastronômicas, uma instituição particular, de espírito internacional, que oferece cursos em inglês. Jornalista e autor de vários livros, entre os quais Buono, Pulito e Giusto: Principi di nuova gastronomia (Einaudi, 2005), publicado no Brasil sob o título Slow Food, Princípios da Nova Gastronomia (Editora Senac, 2009), Petrini esteve no Brasil durante a Rio+20. Após visitar uma feira de produtos orgânicos no Jardim Botânico, ele concedeu a seguinte entrevista.
CartaCapital: Por que o senhor criou o movimento Slow Food?
Carlo Petrini: Foi a necessidade de reforçar a cultura alimentar e defender a biodiversidade que estava ameaçada, e ainda está ameaçada, porque este sistema alimentar destrói a diversidade.
CC: A epidemia da obesidade também atinge o Brasil. O que deveríamos fazer para superá-la?
CP: E necessário que todos sejam educados para saber como se alimentar, porque quem morre de fome na África ou sofre de obesidade nos países mais ricos faz parte do mesmo problema. Devemos ter mais respeito com a alimentação. Todos os governos deveriam divulgar campanhas para promover os produtos orgânicos, a agricultura local e a educação alimentar nas escolas.
CC: Como é o programa de cultivo de hortas que o Slow Food desenvolve nas escolas públicas da Itália? O Ministério da Educação é parceiro? E a receptividade das crianças?
CP: Nós o desenvolvemos com a ajuda dos pais e o apoio das escolas. Plantamos 500 hortas em um ano e em 2013 pode ser que tenhamos apoio do ministério. Já as crianças são extraordinárias: passaram a educar os próprios pais e serão consumidores mais responsáveis.
CC: O documento final da Rio+20, O Fu¬turo que Queremos, recebeu muitas críticas. O tema da agricultura não é abordado de maneira aprofundada, como mereceria. Qual a sua opinião?
CP: Eu não esperava muito dessa reunião. O que me interessou mais foi confirmar que a sociedade civil está realmente produzindo uma mudança e gerando ideias novas. Os políticos chegarão depois. A reunião tinha como tema a sustentabilidade, mas ela própria não foi sustentável. Aconteceu em um lugar absurdo, a Barra da Tijuca. As tarifas dos hotéis decuplicaram: algumas chegaram a custar 700 euros por dia. O trânsito estava horrível e fazer uma refeição no Riocentro também era caro. Parece-me que o Brasil comete um erro grave e corre o risco de se tornar um país antipático para o mundo se quiser sediar a Copa do Mundo e a Olimpíada com uma política como esta.
CC: Nesses últimos dias pudemos ver, na prática, a existência de dois mundos paralelos: aquele das associações, que colocam cm prática projetos sustentáveis na vida cotidiana, reunidas na Cúpula dos Povos, no Aterro do Flamengo, e aquele dos políticos, que detêm o poder. O senhor acredita que as práticas dos movimentos ambientalistas serão capazes de mudar a política?
CP: Esta é a grande pergunta. Um sociólogo muito importante, Edgar Morin, afirma que a boa prática de milhares de movimentos no mundo mudará a política a partir de baixo. Ele confia nisso, já outros são mais catastróficos. Não sei quem sairá vencedor, mas essas comunidades que hoje trabalham em todos os cantos do planeta são muito importantes, tenho certeza disso. Penso que mais cedo ou mais tarde elas conseguirão estabelecer um diálogo com a política, mas esta deverá ser mais respeitosa e deixar de lado a postura elitista.
CC: Como os brasileiros poderiam enfrentar o dilema entre o crescimento econômico e o desenvolvimento?
CP: Esta é a pergunta mais interessante (risos), porque para o Brasil é muito difícil viver essa contradição neste momento. Por um lado, é um país que está renascendo, que está conhecendo um novo bem-estar, e não presta a devida atenção aos aspectos ambientais. E justo que o Brasil deseje mais bem-estar. Ao mesmo tempo, se o País não respeita o meio ambiente não é correto com as futuras gerações. Penso que o Brasil será um dos lugares mais interessantes para acompanhar essas políticas e ideias. Também acho que o governo brasileiro não pode, porém, ficar em cima do muro, ou seja, de um lado apoiar a agricultura familiar, orgânica, que tem relação com seu próprio meio, e de outro apoiar a produção intensiva, a monocultura e em alguns casos os transgênicos. Deve haver uma linha mais clara. Com esta linha ambígua, a coisa não vai adiante, porque do um lado estão os camponeses, as pessoas pobres que fazem tudo o que podem, e do outro as multinacionais, que têm recursos.
CC: Qual sua opinião sobre os produtos transgênicos?
CP: Sou contra. Ainda desconhecemos o que eles podem provocar no médio e longo prazo. Não confio nas experiências conduzidas pelas multinacionais. A Europa proibiu-os e acho que deveriam ser proibidos no mundo todo. Consomem muita água, prejudicam a biodiversidade e não são sustentáveis.
CC: O senhor pensa que a certificação dos produtos de origem controlada possa ser um incentivo para os pequenos produtores?
CP: Com certeza, isso aconteceu na Europa. A denominação de origem controlada traz mais informações para o consumidor e orgulho para quem produz. Cada produto se exprime de um modo, em um determinado lugar, e de outra maneira, em outro.
CC: Como é a presença do Slow Food no Brasil?
CP: Estamos aqui desde 2000. Hoje temos cerca de 50 mil sócios nos Estados Unidos e 1.5 mil no Brasil, mas acredito que nos próximos três anos o número de associados aqui deverá superar o dos EUA. Nos próximos três anos a tendência aqui deverá valorizar esse tipo de economia, porque esta é a verdadeira economia.
Fonte: Carta Capital