Seria de fundamental importância, quando da elaboração de artigos sobre a utilização da irrigação para o desenvolvimento do Nordeste, que fossem informados, pelos seus autores, os quantitativos volumétricos das fontes hídricas, requisitos indispensáveis ao alcance do sucesso de toda e qualquer atividade irrigacionista.
Apesar de compreensível o interesse do ex-deputado Osvaldo Coelho [artigo publicado no blog Inaldo Sampaio, no dia 28 de dezembro de 2011], do desenvolvimento da região via projetos de irrigação, cremos que faltou ao ilustre político a informação fundamental que julgamos necessária, sem a qual os insucessos nesse setor costumam ser rapidamente evidenciados. Referimo-nos aos quantitativos volumétricos necessários à implantação dos 60 mil ha que deixaram de ser irrigados nos últimos 9 anos no Semiárido. De onde sairão esses volumes? Se a resposta a essa pergunta recair sobre os volumes supostamente existentes no rio São Francisco, temos a obrigação de prestar alguns esclarecimentos ao caro leitor, sobre essas questões:
- Inicialmente, o São Francisco é um rio de múltiplos usos e já se encontra no seu limite de fornecimentos volumétricos. A prova disso foi o racionamento de energia havido em 2001, com suas conseqüências nefastas para a economia da região. O rio é responsável por cerca de 95% da energia elétrica gerada no Nordeste;
- O Velho Chico já não consegue gerar a energia necessária ao atendimento das demandas dos nordestinos. Desde 2005 que o Nordeste passou a ser um grande importador de energia de outros centos geradores do país. Em 2010, por exemplo, a Chesf gerou, em suas hidrelétricas, 6 mil MW médios e a região necessitou de cerca de 8 mil MW;
- A Agência Nacional de Águas (ANA) outorgou para a Transposição do São Francisco cerca de 26,4 m³/s, cujos requerimentos médios do projeto serão de 65 m³/s, podendo atingir um volume máximo de retirada de 127 m³/s. Com essa outorga concedida, o rio praticamente “zerou” a sua capacidade de fornecimentos volumétricos para fins consuntivos (para irrigação, principalmente), estando prevista, para a represa de Sobradinho, a origem dos volumes a serem retirados do Velho Chico, para o alcance da média estabelecida pelo projeto (os 65 m³/s) ;
- O Setentrional nordestino já dispõe de uma área irrigada de 72 mil ha. A proposta do projeto da Transposição do São Francisco é de somar a essa área já existente, mais 191 mil ha (com o projeto, o Setentrional passará a ter uma área irrigada de 263 mil ha). O IPEA, recentemente, elaborou um estudo mostrando a incapacidade do rio no suprimento dessa área irrigada (os 191 mil ha). Segundo a análise realizada, o rio só dispõe de volumes para a irrigação de um pouco mais de 50 mil ha naquela região;
- O São Francisco irá abastecer o Castanhão, a maior represa do Nordeste. Já existe um canal ligando essa represa ao complexo de Pecém, próximo a Fortaleza (CE), para satisfazer as demandas daquele porto. Estão construindo em Pecém uma siderúrgica (a Ceará Steel), a qual, sozinha, irá demandar volumes equivalentes ao consumo de um município de 90 mil habitantes;
- Recentemente, nesse cenário absurdo e evidente de falta de planejamento do uso volumétrico do rio São Francisco, foi realizada proposta do Ministério da Integração Nacional para irrigar, no Semiárido pernambucano, uma área de cerca de 100 mil ha com a cultura de cana-de-açúcar, com as águas oriundas da represa de Sobradinho, via Canal do Sertão. Seguramente não iremos ter, no São Francisco, os volumes necessários para o atendimento dessa proposta.
Essa é apenas uma peque mostra de uso inconseqüente que está se dando, no Semiárido, às águas do rio São Francisco. No Nordeste seco os usos volumétricos planejados são importantes e necessários. No caso em questão, as vontades políticas não podem estar acima das possibilidades técnicas de se fazer as coisas na nossa região, sob pena de se estar iniciando um processo de morte prematura do Velho Chico, a exemplo do que ocorreu com o rio Colorado nos Estados Unidos. Não gostaríamos a mesma sorte (ou azar) para o rio da Integração Nacional.
Acesse o estudo do IPEA clicando no arquivo abaixo:
Estudo do IPEA evidenciando as limitações do rio São Francisco
* Engenheiro Agrônomo, Pesquisador e Coordenador do Núcleo de Estudos e Articulação sobre o Semiárido (NESA), da Fundação Joaquim Nabuco.