Segundo maior bioma brasileiro, abrangendo parte da Bahia, Tocantins, Piauí, Maranhão, Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Minas Gerais, o Cerrado não está na Constituição, mas tem chamado muita atenção para sua conservação. A parte mais ao sul está seriamente comprometida: o Cerrado já perdeu 40% de sua cobertura original. Se forem contadas as áreas de pastagens manejadas, que utilizam o capim nativo, em vez de plantado, o índice de ocupação chega a 56%. Só os 40% já significam 800 mil km² de devastação, área equivalente aos territórios de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. São 100 mil km² a mais do que tudo que já foi desmatado na Amazônia.
“Nossa região sofreu demais com os desmatamentos. Muitas nascentes morreram ou se tornaram assoreadas. As empresas que compraram as terras dos agricultores trouxeram promessas e problemas para a região. A década de 80 foi a época de mais investimentos. Nos anos 90, também se plantou eucaliptos, que são uma praga, fechando os caminhos”, conta Antônio Justiniano dos Santos, agricultor familiar e animador social da Caritas, de Januária (MG), conhecido como Toninho.
Com pouco mais de 2 milhões km², ou seja 23,92% da área total do país, o Cerrado abriga três das maiores bacias hidrográficas da América do Sul, o que significa a nascente do Rio São Francisco e seus principais afluentes, a nascente do Rio Grande, além dos rios Araguaia, Tocantins, Xingu e todos que abastecem o Pantanal. Estima-se que haja quase 13 mil espécies de plantas não estudadas no Cerrado. A pecuária é baseada em gramíneas africanas:
“O Cerrado muda muito porque há desaparecimento de plantas. É uma região rica em plantas medicinais, entre elas timão, perdiz, alecrim do campo. Também há uma diversidade de frutos. Piqui, panã, cajuí do cerrado e coquinho azedo são os principais. Temos também os buritis, o murici, a mangaba... Temos também madeiras nobres como a sucupira preta, branca, o jacarandá e a sambaíba. A terra é arenosa, tornando o solo pouco fértil. Se desmatar, facilita a degradação. Mas ele tem um grande poder de regeneração”, conta Toninho.
Grandes animais sumiram, entre eles a preguiça gigante e o tatu gigante. O Cerrado se tornou o segundo bioma em número de espécies ameaçadas (a Mata Atlântica é o primeiro). Estão em extinção grandes felinos como onça-pintada, onça-parda e gato palheiro, aves de pequeno porte e o tatu canastra: “Mesmo assim, a fauna é exuberante. São cerca de 200 espécies de mamíferos. Metade disso é composto por morcegos. Temos também 840 espécies de aves.”
Há 10 anos o Rio dos Cóchos passa por um processo de recuperação
O projeto tem apoio da Cáritas de Januária e de ONG alemã ligada à igreja
Após a exploração do carvão, na cidade de Januária, no Norte de Minas Gerais - tema do programa exibido neste sábado no Globo Ecologia - o Rio dos Cóchos foi secando. Da década de 80 até o início dos anos 2000, os produtores rurais da região foram percebendo este fato, que começou a atrapalhar a produção local às margens do rio. Atualmente, diversas ações são feitas para a recuperação do rio, paralelamente com a criação de alternativas de geração de renda para os trabalhadores da cidade.
Em1994, os próprios agricultores pediram assistência à Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural) para fazer um diagnóstico do rio. Com o estudo na mão, a Emater fez um projeto de recuperação, mas não tinha apoio financeiro para colocá-lo em prática.
Em 2001, os produtores e a Emater fizeram parceria com a Cáritas Diocesana da cidade e com uma instituição católica alemã. O projeto, que tem duração de três anos e pode ser renovado ao final, faz um trabalho de capacitação e mobilização dos agricultores das comunidades para a recuperação do Rio dos Cóchos.
Jaci Borges de Souza, produtor rural e presidente da Assusbac (Associação dos Usuários da Sub-bacia do Rio dos Cóchos), associação que mobiliza outros projetos para dar sequência ao que é feito no rio, conta que a cada três anos eles fazem uma avaliação do que já foi feito e tentam uma nova aprovação para o próximo triênio, caso que acontece agora. “Estamos na expectativa de aprovação. O contrato venceu este mês. Em relação ao rio propriamente dito, tivemos muitos avanços nos seguintes aspectos: no início houve muita resistência para isolar a margem do rio, e embora não tenhamos conseguido isolar toda a margem, conseguimos fazê-lo parcialmente. Atualmente boa parte dos produtores, que antes discordava deste processo, concorda”, diz Jaci.
Entre as ações de conscientização estão visitas a outras regiões, onde projetos de recuperação similares foram feitos e deram resultados. Além disso, o projeto se preocupa em buscar alternativas de geração de renda para os trabalhadores que têm que aguardar o processo de recuperação do rio. Entre as atividades oferecidas, extrativismo de pequi, cagaita, panã e maracujá do cerrado. “Inicialmente eles ainda estão trabalhando com o pequi, mas há parcerias com universidades que fazem pesquisas com os outros frutos para explorá-los de forma sustentável”, explica Jaci. Outras alternativas de geração de renda como a apicultura e a criação de pequenos animais, como caprinos, também são incentivadas pelo programa apoiado pela Cáritas.
Dentre as medidas utilizadas para recuperar o rio estão a criação de tecnologias de contenção de enxurradas, chamadas barraginhas, que são bacias colocadas nos declives com intuito de acumular água para infiltrar no solo, melhorando as condições de plantio. A diminuição da utilização do fogo também tem contribuído para a melhoria das nascentes. “Antes, quando chovia, a população sofria com enchentes. Hoje ela chega de forma gradativa e limpa. É claro que ainda não está 100%. Desde a época do diagnóstico, sabíamos que teríamos ações a curto e longo prazos”, diz Jaci. A próxima etapa do projeto é construir uma nova unidade de beneficiamento de frutos de quintais, onde os produtores possam processar frutos como mangas e goiabas. “Aqui na região, 80% da safra de manga não é aproveitada por falta de estrutura para armazenar e processar o produto”, explica.
O projeto ainda tem problemas com a questão da manutenção de estradas que dão acesso à comunidade. “Quando chove, a máquina tira a terra de um local e tapa os buracos provocados pela chuva. Ainda estamos na luta para tentar adequar a manutenção de estradas”, explica.
Mulheres vivem da extração de Pequi
Grupo de extrativistas do cerrado produzem, a partir do fruto, óleo e doces
Em Sambaíba, no município de Januária, ao norte de Minas Gerais, funciona uma organização que serve como fonte de renda das famílias locais. O grupo de Mulheres Extrativistas de Frutos do Cerrado explora há quatro anos, de forma sustentável, frutos da região. O principal deles é o Pequi, típico da região norte de Minas, Goiás e Mato Grosso, cujo sua polpa é aproveitada de várias formas, em conserva, congelada, como óleo e também como doce. O grupo é responsável por todo o processo, desde a extração do fruto até o preparo do produto final.
Mulheres do Grupo trabalhando com o Pequi
Juscelina da Mota Almeida, de 55 anos, é uma das 20 pessoas que trabalham no grupo. A produtora conta que por dia elas vendem cerca de 80 kg de Pequi e, quando o fruto é de boa qualidade, chegam a vender 120 kg. Segundo Juscelina, os produtos são vendidos pela Cooperativa Grande Sertão de Montes Claros, e também em feiras locais. Quando as vendas são feitas pela as cooperativas, elas são as responsáveis por repassar os lucros. Segundo Juscelina, o rendimento vai de acordo com as vendas dos revendedores, em média elas recebem de R$ 8 a R$ 10 pelo quilo. “Se eles vendem bem, repassam esse aumento”, explica a produtora.
O trabalho manual é o que caracteriza o preparo do Pequi, que a partir da colheita sofre um processo de lavagem, corte, pesagem até o preparo do produto final. O grupo trabalha com homens, catadores de Pequi, mulheres que despolpam o fruto e o limpam e duas cozinheiras responsáveis pelo processo de preparo. A produtora conta que antes apenas o fruto era aproveitado, e o grupo aprendeu com o apoio de faculdades a aproveitar o restante do alimento. “Passamos a aproveitar a castanha para fazer óleo e doce, e também estamos aprendendo a usar outros frutos como o Cajuí”, diz Juscelina.
Outra produtora rural, Maria do Rosário Pacheco, trabalha com o preparo da castanha do Pequi. A produtora já sabia como preparar os produtos feitos da castanha, e se juntou ao grupo esse ano. “Queria ajudar para não deixar de ficar sem aproveitar o fruto”, explica. Seu trabalho consiste em partir a castanha, limpá-la e quando seca a castanha é ensacada para as vendas. O quilo é um pouco mais caro, R$ 25, mas, segundo a produtora, vende bem.
A coordenadora do grupo, Maria do Rosário de Almeida Gonçalves, afirma que o espaço de trabalho melhorou muito desde o início da produção, há quatro anos. “Só havia uma mesa e um pequeno fogão e hoje já temos um galpão, um pouco maior”, explica. Entretanto, para Juscelina, ainda é necessário crescer mais, separar melhor as tarefas e espaços para que possam aprimorar o trabalho realizado. “Por falta de estrutura, deixamos de aproveitar outros frutos, por exemplo, o Cajuí, que não temos onde guardar e conservar”, diz Maria.
O Grupo de Mulheres Extrativistas tem uma parceria com a Cáritas Diocesana de Januária e também com a Associação dos Usuários da Sub-Bacia do Rio dos Cóchos (ASSUSBAC), ambos sem relações financeiras. A Cáritas oferece cursos aos produtores rurais para que continuem aprendendo técnicas de aprimoramento de produção rural.