Favorável ao programa de transposição das águas do Rio São Francisco, Tânia cobra, porém, um debate mais aprofundado sobre os beneficiários da água que chegará a lugares secos do semi-árido.
“A terra e a água vão para quem? Não vejo esse debate. Quero participar dele. Há lugares que têm terra boa mas falta água. O Vale do Jaguaribe é um exemplo. Aí a questão é definir para quem vai essa água, quem são os proprietários que terão as terras valorizadas pelo abastecimento, o padrão de agricultura”, cobrou, acrescentando, porém, que agricultura familiar e agronegócio podem conviver em harmonia, se houver planejamento adequado.
Fala-se muito que o Brasil está diante de uma janela de oportunidades. Quais são elas e quais o país deveria evitar?
Olhando de fora para dentro, vejo três oportunidades para o Brasil. A primeira é o fim da era do petróleo. O que não devemos fazer: exportar petróleo bruto. Temos de ter consciência de que é o fim de uma era e o Brasil tem de usar essa oportunidade para desenvolver sua indústria. Transformar petróleo estimulando a petroquímica, a cadeia de fornecimento. Ou seja, fazer do pré-sal um instrumento de desenvolvimento industrial, com uma leitura regional.
Por quê?
Sem leitura regional continuará vindo tudo de Belo Horizonte para baixo. O Nordeste já abriu uma porta para o setor de petróleo e gás. Queremos fazer parte desse desenvolvimento industrial que as próximas décadas oferece para o Brasil, inclusive no setor naval.
A nova legislação encaminhada pelo governo ao setor atende ao seu objetivo?
Sim. Há especialistas que criticam alguns pontos, mas, no geral, a nova legislação atende.
A segunda oportunidade está na era das energias renováveis e o Brasil tem muita chance de participar como protagonista. A energia da biomassa, do etanol, energia solar, eólica. O potencial em energias limpas é enorme.
Vale lembrar que já possuímos a matriz mais diversificada do mundo. Temos tudo para ser uma referência como país organizado em torno de energia limpa. O risco é ficarmos encantados com o petróleo do pré-sal e esquecer que temos essa outra grande janela de oportunidades.
E o Nordeste tem, exatamente no semi-árido, um enorme potencial em energia eólica. No semi-árido, estão os corredores do vento. Pernambuco tem menos potencial, mas o Porto de Suape sedia a indústria de equipamentos voltada para a produção de energia eólica.
E quanto às demais oportunidades?
Todos os estudos da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) sobre esse mercado constatam demanda crescente nas próximas décadas e o Brasil é um dos países que têm tudo para responder a essa demanda. Há estudos da FAO mostrando também que, à medida que o nível de renda da população cresce em países muito populosos, como Índia, China, Rússia, América Latina ou África, as pessoas tendem a comer mais proteína e fruta.
E já somos competitivos na produção de proteína e frutas. Temos terra, água, tecnologia. É uma janela importante. O que não devemos fazer: desmontar a agricultura familiar e entregar tudo à cultura patronal. Mas estamos aprendendo a conciliar os dois modelos. É um erro pensar que agricultura familiar é coisa de pobre. Dados recentes do censo agrícola demonstram que as pequenas propriedades respondem por metade da produção para abastecimento doméstico, em alguns casos 70%.
Então, se elas têm esse desempenho não são inviáveis economicamente e, além disso, cumprem papel primordial na geração de empregos e fixação do homem no campo, algo que o agronegócio não proporciona, muito pelo contrário. Os movimentos sociais estão cobertos de razão ao defenderem que o Brasil mantenha as duas estruturas funcionando e um Brasil rural com gente e não com máquinas.
Muitos se preocupam com a especialização do país na produção de commodities. Como a senhora vê esse fenômeno?
Temos realmente entraves e desafios importantes. Várias dessas oportunidades remetem ao mundo rural e à questão ambiental. Esse debate sobre a qualidade do desenvolvimento brasileiro deve estar em nossa pauta permanentemente. Estamos diante de uma oportunidade em que o país pode ser exemplo de uso desses recursos naturais de maneira sustentável ou reproduzir o novo. Podemos crescer desmatando, como foi feito até aqui, ou ser o farol para o novo desenvolvimento, do século XXI.
E quanto à indústria? Parece que, quanto mais o país cresce, mais aumentam as importações e a substituição de componentes nacionais por estrangeiros.
Esta é uma grande preocupação. No século XX fizemos um grande esforço de industrialização e hoje temos um leque bastante interessante e diversificado. Mas, nesta última etapa, não estamos bem situados. Existe o desafio do desenvolvimento tecnológico e de uma taxa de câmbio mais favorável, para não destruirmos o que foi construído, a custo social muito alto.
Mas conseguimos apostar no que eu chamo de “consumo insatisfeito” da maioria dos brasileiros. Ele gerou 5% de crescimento do PIB, moeu a maquininha de uma economia importante como a nossa. É um filão que não podemos desprezar. Bolsa Família junto com aumento do salário mínimo, junto com aumento do crédito estimulam consumo, e consumo atrai investimento. O Nordeste é isso. Essa rota precisa ser aperfeiçoada, mas não abandonada, porque deu frutos interessantes para o país.
Não há risco de excessivo endividamento das famílias?
Por enquanto não. O nível de crédito global (em relação ao PIB) ainda é baixo, próximo de 45%. Já o das famílias, para os padrões internacionais, também ainda é sustentável. Mas temos, realmente, de tomar cuidado porque somos muito carentes e os juros são os maiores do mundo.
Temos perspectiva de sair desse casamento dos juros altos com o câmbio apreciado?
Dependerá de uma ação enérgica do próximo governo. Acho que é cedo para falar de desindustrialização. Temos o desafio de participar das novas etapas da industrialização. Existem segmentos como nanotecnologia e o novo conhecimento em geral. Desindustrialização é uma leitura a partir da pauta de exportação, com maior participação de commodities. Há o debate sobre o que chamamos de indústria. Parte do setor terciário hoje é o que chamávamos de indústria. Essa discussão precisa ser mais qualificada.
Hoje existe algo, mesmo que embrionário, parecido com o Plano de Metas ou o II PND?
Não. Até porque hoje somos muito mais complexos do que na metade do século passado. Participo do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, criado no atual governo. Produzimos um documento intitulado Bases para uma agende de desenvolvimento nacional. Há referenciais importantes. Há outras iniciativas surgindo. Pelo menos voltamos a olhar para frente, com várias propostas. Não temos a cultura de olhar para frente. As últimas décadas nos jogaram no curto prazo e voltamos a olhar estrategicamente.