As iniciativas de agricultores familiares para conservar e fazer uso da bucha vegetal, uma planta que cresce no meio da vegetação nativa, têm uma importância que supera os limites geográficos do pequeno município de Porteirinha (MG).
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), considera ações dessa natureza fundamentais para concretizar o primeiro e o sétimo Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: “erradicar a extrema pobreza e a fome” e “assegurar a estabilidade ambiental”, respectivamente.
Pouco valorizadas nos segmentos comerciais da agricultura, espécies como a bucha asseguram às comunidades recursos para a permanência na área rural. Da relação com essas espécies nativas ou naturalizadas, os agricultores e suas famílias tiram o necessário para se alimentarem, processar remédios caseiros, adquirirem recursos para pagar as despesas da casa, entre outras vantagens.
Benefícios – Este uso ao longo do tempo gera um conhecimento pelas comunidades que os pesquisadores reconhecem como essencial para a conservação das espécies. Em Porteirinha, uma equipe deles estuda os aspectos sociais, econômicos e o modo como os agricultores usam e conservam seus recursos genéticos.
Segundo a geneticista e melhorista Maria Aldete Fonseca, pesquisadora da Embrapa Semiárido, o trabalho é feito com base na metodologia Manejo Comunitário da Biodiversidade (Community Biodiversity Management - CBM, em inglês). Em linhas gerais, busca fortalecer as organizações sociais de pequenos agricultores para realizarem a gestão e tomada de decisão em relação ao uso e conservação das variedades locais.
É uma abordagem diferente da maioria dos estudos realizados nessa área, que se concentra nos aspectos técnicos, ecológicos e genéticos da conservação in situ (no local de origem ou de naturalização das espécies), também conhecido como conservação on farm (realizada pelos pequenos agricultores e comunidades tradicionais), afirma Aldete.
Empoderamento - Em Porteirinha, pesquisadores brasileiros, com base no método do CBM, atuam em conjunto com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, agricultores e grupos de mulheres para agregar valor à bucha vegetal e reduzir as dificuldades sociais e econômicas da pequena comunidade do semiárido mineiro.
Esse trabalho foi analisado e avaliado por pesquisadores do Brasil, Índia, Nepal e Etiópia, vinculados a instituições como a Embrapa (Semiárido e Clima Temperado), a Universidade Federal da Santa Catarina, o Swaminathan Research Foundation (MSSRF) - da Índia, Ethio-Organic Seed Action (EOSA) - da Etiópia e o Local Initiatives for Biodiversity, Research and Development (LI-BIRD) - do Nepal, eles são membros do projeto “Estudo global sobre o empoderamento de comunidades para a conservação in situ de recursos genéticos para a alimentação e a agricultura”.
Essa mesma análise e avaliação será realizada pelo técnico da área de comunicação e transferência de tecnologia, Sérgio Guilherme de Azevedo com os trabalhos de CBM desenvolvidos na Índia, onde uma equipe dos três países se reunirá em outubro.
Aldete argumenta, que a troca de conhecimentos e experiências com os agricultores familiares e suas organizações acerca de sistemas comunitários de gestão da biodiversidade tem feito um ramo complexo da pesquisa científica, a genética, interagir com outro, o saber popular, também complexo, e produzir bons resultados.
Um deles está na experimentação para estimular o cultivo comercial da bucha e com práticas de manejo sustentável que valorizem o produto para um mercado que está a descobrir o uso da espécie em segmentos industriais diversos no Brasil e no exterior, explica Aldete.
Uma indústria sofisticada como a de cosméticos, por exemplo, já busca nessa espécie a matéria prima ideal para a produção de um esfoliante natural, biodegradável e não poluente, que tem potencial também para uso na fabricação de bancos de aviões e automóveis.
De olho nessas possibilidades comerciais, pesquisadores e agricultores experimentam um novo modo de plantar a bucha. Naturalmente, ela é uma planta rasteira a exemplo da melancia e da abóbora. Crescendo rente ao chão, o fruto sofre danos pelo contato com a terra e pode apodrecer no caso do solo encharcar.
Assim, explica Aldete, os agricultores são orientados a instalarem estruturas semelhantes às que existem nos parreirais para que o fruto se desenvolva sem contato com a terra. O resultado já observado é um material de melhor qualidade, até mesmo para uso nos produtos artesanais feitos por grupos de mulheres de Porteirinha, como bonecas, arranjos de flores e enfeites natalinos.
Outros – Além do município mineiro, o projeto tem atividades em comunidades de Tavares-RS (abóboras), Guaraciaba-SC (arroz, feijão e milho), Imbituba-SC (mandioca e plantas medicinais) e Irati-PR (erva-mate).
A coordenação desse projeto no Brasil cabe à Embrapa Semiárido e a Wageningen University and Research Centre (WUR) (Universidade de Wageningen), por meio de um Acordo Básico de Cooperação Técnica firmado entre os governos do Brasil e da Holanda. A Embrapa Clima Temperado e a Universidade Federal de Santa Catarina, também fazem parte do mesmo, assim como o M.S. Swaminathan Research Foundation (MSSRF) da Índia; Local Initiatives for Biodiversity, Research and Development (LI-BIRD) do Nepal; Ethio-Organic Seed Action (EOSA) da Etiópia e o Bioversity International.
Recentemente, a pesquisadora Maria Aldete aprovou um projeto dentro do Macroprograma 06 da Embrapa para trabalhar, junto com a equipe técnica, com outras culturas em novas áreas. Com o título “Manejo comunitário da agrobiodiversidade para o desenvolvimento sustentável de comunidades rurais do semiárido brasileiro”, vai reunir pesquisadores da Embrapa Semiárido, da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola e do Sebrae para estudos com abóbora, bucha vegetal, melancia forrageira, mandioca e hortas nas Comunidades Cacimba do Baltazar e Caiçara (Petrolina-PE), Vereda do Mari (Sento Sé-BA) e Tanque Novo (Casa Nova-BA).
Repartição - A pesquisadora da Embrapa explica que os projetos estão vinculados ao Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e Agricultura da FAO. Além disso, se enquadram na Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB) assinada e ratificada pelo Brasil, que tem objetivo de conservar a biodiversidade e promover o uso sustentável e a repartição equitativa dos benefícios advindos do uso dos recursos genéticos.
A pesquisadora também enfatiza que após 15 anos da existência da CDB, esse é o momento de analisar os benefícios para os agricultores familiares dos trabalhos existentes com manejo comunitário da biodiversidade. Assim, analisar e avaliar as experiências em quatro países diferentes permitirá traduzir as experiências em uma base científica do CBM.