Josemar da Silva Martins, mais conhecido como Pinzoh, é professor adjunto da UNEB, vinculado ao Departamento de Ciências Humanas III (DCH III), em Juazeiro, Bahia. É formado em Pedagogia com especialização em Gestão de Sistemas Educacionais pela PUC de Minas Gerais; tem mestrado em Educação e Desenvolvimento Sustentável pela UQAC (Québec, Canadá) e doutorado em Educação pela FACED/UFBA. Foi consultor contratado pelo UNICEF para atuar na mobilização inicial da RESAB em 2002). Clique aqui para visualizar o Currículo Lattes do Professor.

- Do que trata o conceito de educação contextualizada no Semiárido?

O conceito de educação contextualizada é similar a outras nomeações como “educação situada”, “educação diferenciada” etc. Na verdade, todas essas e outras variações têm uma mesma motivação que é romper com o formato meramente universalista da educação. A educação sempre esteve presa a lógicas “coloniais” e mesmo quando ela se declarou imparcial, neutra – princípios que tentou justificar associando-os ao racionalismo e ao universalismo – ela obedeceu a um jogo colonialista e colonizador. Principalmente durante o século XX muitos autores e obras questionaram isso, como é o caso de Pierre Bourdieu, Louis Althusser, Paulo Freire, Basil Bernstein etc. Esses teóricos expuseram os diversos modos de como a educação foi pensada com base em conteúdos tidos “racionais” e por isso “universais”. Assim evitava sabres que julgava menos qualificados. Esses saberes eram os saberes do povo, os saberes locais, que tendiam a ser silenciados, tomados não apenas como inferioridades, mas como empecilhos ao desenvolvimento. O universalismo racionalista e generalista era tido como a Luz que tinha que ser levada aos quatro cantos, para iluminar a ignorância e o atraso.

Na verdade já superamos essa fase. Nesse sentido, a educação contextualizada se beneficia da crítica já produzida durante todo o século XX e de todas as contribuições teóricas e práticas que tentaram conduzir a educação para um formato em que a cultura das pessoas, os contextos reais de produção da vida fossem o lastro de organização dos processos pedagógicos. Isso foi experimentado muito fora do eixo do Estado, nas práticas de Educação Popular. O próprio trabalho de Paulo Freire, que acabou definindo o que conhecemos como “método Paulo Freire”, é a principal referência disso. Paulo Freire apresenta dois princípios importantes, que são: 1) a politicidade do ato educativo, que quer dizer que nenhum processo educativo é neutro e por isso não pode permanecer “fora da realidade” das pessoas; e 2) a dialogicidade do ato educativo, que se sustenta no tripé educador – educando – objeto do conhecimento. Neste caso, não há como haver ato educativo que não seja situado, contextualizado.

Baseando-se nesses dois princípios, Paulo Freire organizou os passos do procedimento pedagógico, dividindo-o em três momentos: a investigação temática, a tematização e a problematização. É esse movimento que constitui o itinerário pedagógico de muitas experiências de educação contextualizada. Isso significa que não só existe educação contextualizada no Semiárido. No Semiárido, no entanto, ela ganha uma conotação específica porque, como sabemos, boa parte dos discursos e dos materiais pedagógicos que sustentam as práticas de educação no Semiárido vem de fora, nomeadamente de São Paulo, onde se concentra a indústria editorial, e esse material é enormemente descontextualizado. Em geral, fala de tudo menos do contexto Semiárido. Nesse sentido, acompanhando uma reação mais geral contra o formato descontextualizado da educação, há hoje uma rede ampla de ações e reações (uma das expressões desta rede é a RESAB, Rede de Educação do Semiárido Brasileiro) que procuram defender a idéia de que a educação contextualizada no Semiárido deve levar em conta seus ecossistemas, sua natureza, sua cultural, que permita produzir outra cultura, que não seja a da lógica do “combate á seca”, mas a da lógica da “convivência”. É isso que vem sendo chamada de “educação para a convivência com o Semiárido”, que é uma proposta mais específica de contextualização.

- O que é a Rede de Educação no Semiárido Brasileiro (RESAB)?

A RESAB é hoje o principal “espaço” de discussão e de articulação de práticas de “educação contextualizada para a convivência com o Semiárido”. Sua criação foi decidia em 2000, num seminário regional de educação contextualizada que aconteceu em Juazeiro/BA, mas só foi implementada de fato em 2002, contanto com apoio de muitas instituições, sendo o UNICEF a principal delas. Mas contou com instituições como o IRPAA, o CAATINGA, o MOC, a ASA, as Cáritas estaduais, a CPT e muitos lugares, universidades como a UNEB, a UESPI, a UECE, a UFPB e a UFCG, prefeituras etc. Hoje, um dos parceiros é o próprio Instituto Nacional do Semiárido (INSA). A RESAB tem uma estrutura que conta com uma Secretaria Executiva, localizada na cidade de Juazeiro/BA, e um Grupo Gestor, com representações nos Estados e, além disso, em cada Estado que faz parte de Semiárido há uma constituição específica de parcerias e um conjunto de ações sustentado por essas parcerias, com relativa autonomia de ação.

- Qual é o papel da rede?

O papel da rede é mobilizar, animar, propor, sistematizar, integrar... Uma rede é um formato e uma circunstância nova. Não é uma instituição, é uma rede. Assim ela comporta instituições e sujeitos coletivos diversos, com caráter, funções e práticas diferentes. Todas elas, no entanto, são convergentes com os princípios da “educação contextualizada” e com o ideal de “educação para a convivência com o Semiárido”. Em razão desse papel, a RESAB realiza encontros, seminários, conferências etc. Hoje a RESAB mantém um caderno de publicações sobre este tema, que é o “Caderno Multidisciplinar – Educação e Contexto no Semiárido Brasileiro”, e tem mediado outras publicações em livro e a criação de cursos, como o Curso de Especialização em Educação Contextualizada Para o Semiárido, realizado no Piauí, pela UESPI, no campus de São Raimundo Nonato.

- Onde a RESAB atua?

Atua em todos os Estados do Semiárido, conforme já foi informado nas respostas anteriores. Em cada estado há a constituição específica de parcerias e um conjunto de ações sustentado por essas parcerias. Além disso há o trabalho de gestão da rede, com atividades específicas para isto. E ainda participa de GTs de Educação do Campo junto a órgãos oficiais nos Estados e na esfera federal.

- Em que locais do País a educação contextualizada está mais consolidada?

Aqui temos que fazer uma distinção: a educação contextualizada, como disse, não pode ser restrita ao Semiárido, como já falei. Nesse sentido, podemos afirmar que há hoje um movimento amplo de produção de formatos contextualizados de educação no Brasil inteiro. Os povos da floresta estão tentando produzir formatos de educação que levem em conta as condições de vida na floresta. Os povos pantaneiros estão buscando produzir formatos contextualizados adequados á vida pantaneira. E mesmo no Semiárido, há formatos diversos: os índios, os quilombolas e outras variações étnicas, estão buscando uma educação que seja coerente com suas culturas. De modo geral não deve haver uma única versão de “educação contextualizada”. Em cada lugar ela se ajusta àquilo que é mais específico do grupo humano que busca implementá-la. Então, não dá para dizer onde é que ela está mais consolidada. Dá para dizer onde é que as articulações em torno disso estão mais consolidadas: a Paraíba, o Piauí, a Bahia. Acho que são esses os estados mais articulados em torno da “educação contextualizada para a convivência com o Semiárido”.

- Que benefícios a aplicação deste conceito traz para o Semiárido?

O benefício básico é romper com o pedantismo das propostas descontextualizadas. Além disso, fortalecer a idéia de que o desenvolvimento sustentável depende de uma educação responsavelmente articulada com as potencialidades ecossistêmicas e culturais de cada região e disposta a enfrentar seus problemas reais. Isso não significa, evidentemente, rebaixamento das exigências de rigor dos conhecimentos requeridos. Requer, por exemplo, que a Ciência e a Tecnologia produzam conhecimentos pertinentes, que possam suprir as necessidades de “conhecimentos contextualizados” que possam ser escolarizados.

Resta dizer ainda que um dos maiores desafios nossos é a produção de material contextualizado. A RESAB promoveu a produção de dois livros didáticos – “Conhecendo o Semiárido”, 1 e 2 – que estão sendo testados em alguns lugares. Mas ainda temos uma enorme lacuna neste setor. Principalmente se considerarmos que material didático não é apenas livro didático: trata-se de materiais audiovisuais, literários, jogos e materiais manipuláveis etc. Uma coisa como o enfrentamento da desertificação, por exemplo, depende deste aparato conceitual e prático.